Karzai nega que Afeganistão sofra ocupação

Hamid Karzai em entrevista para repórteres estrangeiros no Qasr Shahi/ Arquivo pessoal

CABUL – As pessoas que dizem que o Afeganistão está sob ocupação dos Estados Unidos e das forças da coalizão não sabem a destruição por que passou o país. É o que afirma Hamid Karzai, o presidente do governo interino e candidato favorito na primeira eleição presidencial da história do Afeganistão, marcada para o dia 9.

“Eles deveriam vir ver e depois falar”, disse Karzai, eleito numa assembléia de líderes tribais (loya jirga) em dezembro de 2001, com apoio americano, depois da derrubada do regime taleban. “Estão levando uma vida muito boa. Julgam as coisas do conforto de suas casas, não do ponto de vista da miséria do povo afegão.”

Numa rara entrevista para 11 repórteres estrangeiros no Qasr Shahi (Palácio do Rei), no fim da tarde deste sábado (manhã em Brasília), o presidente garantiu que seu país está pronto para a democracia. “A cultura tribal do Afeganistão é rica em democracia”, argumentou Karzai, em seu inglês fluente, respondendo a uma pergunta do Estado. “O conceito da loya jirga, dos encontros para consultas, é um conceito democrático. As coisas não funcionam neste país sem democracia.”

Pergunta – Quanto tempo o senhor estima que levará para se livrar dos grupos armados?

Hamid Karzai – O país precisa de tempo para fortalecer suas instituições, sua burocracia, para aplicar a lei na forma que qualquer sociedade deve aplicar. Estamos caminhando na direção de restaurar a infra-estrutura, que foi destruída. Será muito difícil para mim especificar um prazo. O país espera que todos os afegãos participem. As milícias particulares precisam se desarmar. As pessoas armadas precisam ter um lugar na sociedade. Se forem militares, podem ingressar no Exército afegão. Se têm outras habilidades, podem dedicar-se a outras atividades. Em qualquer caso, todos neste país, de agora em diante, precisam ter uma oportunidade de participar e de ter um sustento.

Pergunta – Quanto tempo o senhor acha que precisará da presença das forças americanas e internacionais?

Karzai – Essas forças estão nos ajudando a reconstruir o país, e levará vários anos até que possamos andar com nossos próprios pés. E durante todos esses anos esperamos que a comunidade internacional fique do nosso lado. Os benefícios da presença da comunidade internacional no Afeganistão são para todos nós. Não só para os afegãos, mas também para a segurança da comunidade internacional. Não posso dizer-lhe: cinco anos ou sete anos. Calculo que leve perto de uma década. Talvez em cinco anos não precisemos mais de muitas forças internacionais para assistência à segurança. Talvez, então, já tenhamos nossa própria força de segurança, nosso próprio Exército. Isso está sendo providenciado. Mas precisamos da participação internacional de diversas formas, especialmente financiamento, aperfeiçoamento de várias instituições do Afeganistão, a melhoria da educação e da capacitação profissional.

Pergunta – Todos aqui falam em união nacional. Quais são os obstáculos para atingi-la?

Karzai – Eles não falam de união nacional porque há um obstáculo, mas porque eles a amam. É a ênfase na nacionalidade afegã, no patriotismo. A unidade está presente nos discursos de todos neste país. Temos dito sempre e continuaremos dizendo: a união nacional é a força da nação afegã.

Pergunta – Na Europa, há pessoas que dizem que o Afeganistão está sob ocupação. O que o senhor tem a dizer a elas?

Karzai – Elas estão fora de contato com a realidade. Não sabem o que aconteceu com o povo afegão, não viram os corpos, a destruição do Afeganistão. Não sabem quantas mesquitas foram destruídas, quantas crianças foram mortas, quantos milhares de vidas foram destruídos. Deveriam vir ver e depois falar. Estão levando uma vida muito boa. Julgam as coisas do conforto de suas casas, não do ponto de vista da miséria do povo afegão.

Pergunta – O mundo viu nos últimos anos duas guerras: no Afeganistão e no Iraque. O Afeganistão parece estar indo…

Karzai – …indo muito bem.

Pergunta – Como o senhor compara o que ocorre aqui e no Iraque?

Karzai – O caso do Afeganistão é muito diferente. O Afeganistão foi invadido por um de seus vizinhos, a ex-União Soviética. Milhões de afegãos se tornaram refugiados. O resto do mundo nos ajudou a lutar contra os soviéticos, e fomos vitoriosos. Mas o Afeganistão foi invadido de novo por outros. Alguns de nossos vizinhos intervieram, e isso tornou nossa vida ainda pior. Portanto, o povo afegão tem sofrido há 30 anos a intervenção de outros. A nação afegã tem sido privada da capacidade de resistir a essas intervenções. No momento em que tivemos a oportunidade, com a ajuda do resto do mundo, dos Estados Unidos e de seus aliados da coalizão, reagimos. Nós sabíamos que isso ia acontecer. Nós dissemos ao mundo cinco anos antes: ‘Venham nos ajudar. O povo afegão quer mudança.’ Quando finalmente vieram nos ajudar, demoramos apenas dois meses e meio para liberar este país. Agora temos gente do mundo inteiro trabalhando aqui conosco.

Pergunta – O senhor acha que o povo afegão está pronto para uma democracia no estilo ocidental, considerando suas tradições, sua história?

Karzai – Por que deveríamos ter uma democracia de estilo ocidental? Temos democracia.

Estado – Voto secreto e universal…

Karzai – É só no Ocidente que existe voto secreto?

Pergunta – … mulheres votando. É a primeira vez no Afeganistão, não é?

Karzai – As pessoas adoram isso. É uma coisa universal. Não tem que ser ocidental. É liberdade. Todo homem e toda mulher do mundo quer ser livre para escolher.

Pergunta – Os líderes tribais estão preparados para aceitar isso?

Karzai – Eles são os melhores nisso. A cultura tribal do Afeganistão é rica em democracia. O conceito da loya jirga, dos encontros para consultas, é um conceito democrático. As coisas não funcionam neste país sem democracia e você viu como as pessoas reagiram. Quantos milhões de pessoas se inscreveram para votar? Quarenta por cento delas eram mulheres.

Pergunta – Quanto por cento dessas pessoas comparecerão às urnas no dia 9?

Karzai – Cerca de 50%. As pessoas querem votar.

Lourival Sant’Anna é o único latino-americano num grupo de 11 jornalistas convidados pelo governo dos EUA para um “tour pré-eleitoral” no Afeganistão.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo O Estado. Todos os direitos reservados.

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