Pena maior não intimida latrocidas

Criminosos não pensam no número de anos que podem passar na prisão: eles não acham que serão presos

Flávio Machado, condenado a 50 anos, é um dos cinco latrocidas entrevistados

Eventual aumento das penas de prisão para crimes como o latrocínio, o roubo seguido de morte, conforme tem sido discutido, pode não ter o efeito desejado de desencorajar os criminosos. É o que sugerem entrevistas feitas pelo Estado com cinco latrocidas em prisões de São Paulo. Todos os criminosos afirmam que não pensavam em quantos anos poderiam ficar encarcerados, simplesmente porque não acreditavam que seriam presos.

O latrocínio é conhecido pela polícia como o roubo que não deu certo: o assaltante não sai de casa com a intenção de matar. Mas sabe que esse pode ser o resultado, se a vítima reagir ou se, revistada, resultar sendo policial.

Todos os presos ouvidos pelo Estado estiveram envolvidos na morte de policiais, não por acaso: a polícia concentra suas investigações nos casos em que a corporação é atingida. Quatro dos cinco pediram para não ser identificados porque confessaram crimes durante a entrevista sobre os quais se declaram inocentes perante a Justiça. Nos depoimentos, que duraram cerca de uma hora cada, eles falam dos motivos que os levaram a assaltar, descrevem o crime de forma crua e refletem sobre o que de fato teria evitado que eles enveredassem por esse caminho. Uma figura marcante – ausente ou não – é a do pai. Os textos conservam a forma de falar dos entrevistados.

“Você acha que abafou, que não vão te pegar”

P., 45 anos.

O que fez: matou policial

Idade ao cometer latrocínio: 25 anos

Pena total, de cinco condenações: 47 anos. Quatro de roubo de carro: 20 anos. Pelo latrocínio: 27 anos

O que o fez ir para o crime: briga com o pai

O que o teria evitado: evitar más companhias

Antes de começar, eu já vou te dizer: não sinto orgulho nenhum pelas coisas que eu cometi. Pelo contrário: sinto até vergonha. Eu estava com 18 anos quando fui para o roubo pela primeira vez, em 1987. Eu nunca aprontei de menor. O que me fez partir para isso foram as amizades. Eu e meu pai, a gente não se dava bem. Minha mãe criou quatro filhos sozinha. Passei a encontrar com meu pai depois que morreu meu padrasto, que foi um pai pra mim e pros meus irmãos, quando eu tinha 16 anos. Até aí eu tinha estudado e trabalhado. Fiz até a 5ª série. Trabalhei no Mercado Municipal e numa distribuidora de revistas. Meu tio tinha barraca de fruta no mercadão. Antes de abrir o mercadão, eu ficava lá descarregando caminhão, carregando fruta com aqueles carrinhos. É uma delícia. Eu gostava de trabalhar à noite. Depois que meu padrasto morreu, meu tio perguntou se eu queria conhecer meu pai. Falei: “Lógico”. Meu pai é italiano, chucro, ignorante. Ele estava num lava-rápido lavando o carro dele. Meu tio apontou de longe o mais baixinho. Cheguei nele, dei bom dia. Ele não sabia quem eu era. Falei: “Sou seu filho, A.”. Mesmo assim ele não acreditou. Tive que falar meu nome inteiro. O único que tem o sobrenome dele sou eu. Ele veio conhecer minhas irmãs. Ele já nos conhecia de pequenos, mas deixou minha mãe e foi viver a vida dele. Como ele era bem de vida – é até hoje, e hoje ele me ajuda –, começou a querer dar ordens. E eu sempre fui ignorante nessa parte. Um dia uma tia por parte de pai ligou pra ele falando que eu estava na porta do prédio dela com um monte de cara usando droga. Eu nunca usei droga. Aí ele veio e levantou a mão pra minha cara. Eu briguei com ele e falei: “Só quem bate na minha cara é minha mãe. Você não me criou, não fez nada. O senhor não vai me comprar, que eu nunca me vendi. Procurei o senhor porque queria ter a companhia de um pai”.

Ele foi pro lado dele. Fiquei com raiva dele. Foi isso que me motivou. Não fazia nem 15 dias que eu tinha brigado com meu pai, já conheci uns caras que estavam nessa vida e viviam me chamando, porque sabiam que eu sabia dirigir. Mas eu batia o pé que não, porque eu trabalhava. Esse pessoal roubava carro no Brás, onde eu morava. “Você não vai fazer nada, a gente é que vai enquadrar, você só vai dirigir”. Acabei indo. Começamos a roubar carro, a vender, a desmanchar. Começou a vir dinheiro fácil. Já saí do emprego. O cara quando entra pra essa vida, começa a ir pra gandaia. Antes eu ia pra baile com as minhas irmãs. Comecei a me distanciar da minha família, dos amigos mesmo, do lado do bem, e a andar com esse pessoal. Na gandaia: “Não, deixa que eu pago”. Você quer ser o tal. Quando eu ganhava um salário, dava pro mês inteiro e sobrava ainda. O dinheiro das coisas que eu roubava e vendia era bem mais que o salário, e em uma semana não tinha mais. O cara esbanja, começa a comprar porcaria, quer ser mais que o outro.

Na época, eu não tinha medo de ser preso. Estava empolgado. Teve situações de a gente ter roubado carro, na hora a polícia chegar, você dá o pinote, não te pegam e você acha que abafou: “Não me pegaram e não vão me pegar. Eu sou mais eu”. E é mentira. Eles pegam.

Fui preso em 1987, com 18 pra 19 anos. Tive quatro condenações por roubo de carro, que somaram 20 anos. Tive oportunidade de trabalhar na parte externa da penitenciária de soldador. Fiquei um ano e meio trabalhando na parte externa. Em 1994, fiz o pedido para o semiaberto. O juiz negou. Falou pra eu aguardar mais um pouco. Pedi para outro diretor me ajudar. “Ah, quando eu puder, vejo o que posso fazer por você”. Acho que pela má vontade, e eu era jovem, tinha 24 para 25 anos. Eu, cabeça dura, me revoltei, no outro dia pulei o muro e fugi. Tinha uns caras na rua que tinham estado presos comigo, que eram bem mais antigo que eu, tinha cumprido 20, 15, tava em liberdade. Nessa fiquei 28 dias em liberdade e aí me chamaram pra fazer um assalto numa casa de cambio. Eu era o mais novo de todos que participou dessa tragédia na minha vida. Éramos cinco. Minha função era só dirigir, dar o pinote. Deu pavor num das caras e ele abandonou a função dele. Gritaram pra mim entrar e segurar o pessoal. Fiquei segurando. Entraram, pegaram o dinheiro na parte de cima. Eram dólares. Embaixo era uma lojinha. Fachada. Não agredimos nenhuma vitima. Infelizmente na hora de sair um rapaz que era policial militar não deu voz de prisão nem nada. Entrou já atirando. Eu tomei dois tiros e revidei. Infelizmente o rapaz veio a falecer. Me arrependo amargamente disso. Não fui só eu que atirei. Outro também atirou. Consegui sair baleado do lugar. Me jogaram dentro de um carro e me levaram numa clínica. Um médico que trabalhava pros ladrão falou: “Não, pode jogar em qualquer lugar, que esse aí não tem nem jeito. Tá todo esfolado, vai morrer.” Um dos tiros entrou e saiu e não senti nada. Mas outro, na barriga, estourou tudo por dentro. Aí, para não me jogar na rua, os parceiro pararam em Diadema e me jogaram na porta do pronto-socorro lá. O médico tava acabando de dar o último ponto quando a PM invadiu a sala de cirurgia. Tava com umas vitimas, uma falou que era (eu). E era. Realmente fui eu que fiz. Dali já me arrancaram da mesa de cirurgia e começou a me interrogar do jeito deles. Apanhei pra caramba. Não senti a dor porque eu estava com anestesia geral. Daí passou, me transferiram para o hospital Vergueiro algemado nos dois braços e corrente nas pernas. Torturando, torturando, torturando. Entrou um coronel da PM depois que eu já tinha apanhado bastante e falou assim: “Você matou um filho meu”. Acho que o soldado trabalhava na corporação dele. “Até 10 horas da noite você não vai mais estar aqui. Eu acabo com você”. Não falei nada. Aí acho que Deus pôs uma pessoa lá, um enfermeiro do hospital que me conhecia da penitenciária. Entrou no quarto, olhou pra mim: “Te conheço de algum lugar”. Eu lembrava dele e falei: “Sou eu, seu Lauro, P.”. Eu sempre me pus no meu lugar de preso, sempre respeitei funcionário. Eles gostavam disso. E por causa de jogar bola eu era mais conhecido lá. “O que você aprontou?” Falei: “Ah, dei uma cabeçada aí. Fugi, fui fazer um assalto. Aconteceu de o rapaz morrer. Inclusive tão falando que eu não passo das 10 da noite.” Ele falou: “Não, não esquenta. Eles fala isso pra assustar.” Aí ele saiu, quando voltou os cara tava descontando. Aí ele fez um auê, brigou, chamou o diretor do hospital. Só não morri mesmo por esse senhor. Eu já sabia que a pessoa que mata um policial a consequência é morrer na mão de policial. Eles caçam, e principalmente se vier na mão. Aí na hora chamaram a Polícia Civil, me puseram dentro da ambulância. Teve até uma briga entre a Polícia Civil e a Militar, porque a Militar queria continuar fazendo o que eles estavam fazendo e a Civil não deixou. Eu nunca pedi tanto pra voltar pra cadeia como eu pedi daquela vez, porque senti que não ia passar daquele dia.

“Quando você vai, não fica pensando no que vai acontecer”

R., 22 anos.

O que fez: participou de assalto que resultou na morte de um homem

Idade ao cometer latrocínio: 20 anos

Pena total: 25 anos

O que o fez ir para o crime: o desejo de melhorar de vida

O que o teria evitado: ficar longe da maconha e das más companhias

Sempre trabalhei, desde cedo. Minha mãe tinha uma lojinha. Eu ajudava ela desde molequinho – 9, 10 anos. Meu pai trabalhava de motoboy. Passou um certo tempo, eu quis já um outro emprego. Trabalhei com produção, e com 17 anos me tornei promotor de venda, que foi meu irmão que conseguiu pra mim.

Tudo que minha filha me pedisse ou que eu visse que era de utilidade pra ela eu queria dar: roupa, ter boa alimentação, lazer. É tudo que alguém normal queria ter trabalhando. Antes eu queria ter trabalhando também, mas o desejo maior acabou me fazendo cometer esse crime.

Eu estava trabalhando de promotor de vendas. Quem ganha salário mínimo vai me xingar, mas eu ganhava R$ 1.500. Comprei carro com ajuda da minha esposa. Ela trabalha.

Mas queria algo que não estava nas minhas mãos. Estava planejando um futuro que estava indo contra minha consciência, mas a consciência não tava apitando mais que nem antes. Eu tava num momento de varias turbulências psicológicas. Não era nem material. Porque materialmente nunca chegou a faltar alimento nem nada em casa. Comecei a fumar maconha com uns 14 anos. Talvez por curiosidade. Foi fácil encontrar. Já tinha uns amigos um pouco mais velhos: 16, 17. Eles já tinham mais acesso. Gostei do efeito dela. Achava que ficava melhor fazendo uma coisa ou outra. Depois de um certo tempo vi que ela estava afetando minha mente. Mas já estava viciado. Pensei: “Preciso parar”. Só que vim preso e nem aqui na prisão parei. Como aqui a gente não tem muitos meios para trabalhar a mente, vi que ela estava atrofiando minha mente. Ficava cansado para fazer uma atividade física. Não conseguia raciocinar direito para ler um livro. Foi aí que senti a necessidade de parar. “Já estou preso. Vou continuar com isso? Não, vou parar.” Fui parando com o tempo. Há oito, nove meses, parei de fumar maconha, a única droga que já usei (está preso há dois anos).

Isso desencadeava muitas brigas com minha mulher. Aí eu me envolvi com dois personagens e a gente resolveu ir num local. Foi meu primeiro roubo. Primeiro e último.

Quando estava indo para lá, o quadro que fiz na minha mente, devido à manipulação antes, foi um quadro perfeito. Quando você vai, não fica pensando no que vai acontecer. Ignorância, né? Pensei que ia ser tudo bem. E eu mesmo ferir alguém no caso de uma reação nem vinha na minha mente. Nesse dia, não fumei maconha. Fui com revólver.

A gente foi rendendo as pessoas. Eram 8 salas, em um condomínio comercial. A gente sempre com muita calma – porque eu nunca fui de ser agressivo –, foi colocando as pessoas pra dentro. Só que restou uma última sala onde estavam os produtores de vídeo. A gente abriu a sala. Um deles estava escondendo algumas coisas no bolso. Fez alguns gestos e um cara que tava comigo jogou ele pra outra sala. Eu fui pra essa mesma sala e comecei a pegar o que tinha, o que estava à minha vista ali. Foi quando eu ouvi dois disparos na outra sala. Peguei os negócios e fui correndo pra lá. Cheguei lá, era muita pólvora no ar. Só vi um rapaz bem lá no canto, não cheguei a ver direito, se eu me lembro bem – já faz uns dois anos –, só vi uns pedacinhos dos pés dele. Perguntei: “O que aconteceu?” E ele: “Não, vamo embora.” Fomos. A gente se encontrou num certo local e perguntei o que tinha acontecido. “Não, mano, acabei disparando num cara.” Perguntei: “Pô, mas você matou o cara por quê?” Ele: “Foi sem querer”.

Se eu tivesse saído de lá sem ferir ninguém, acredito que a polícia não teria me pegado. Mas depois que aconteceu essa tragédia – era um rapaz novo, de 22 anos (mesma idade atual de R.), que veio a morrer. Depois que fui embora, fiquei com muito medo, porque não foi um simples roubo. Teve vitima fatal.

Eu estava com meu carro e alguém perto da cena pegou a placa e fui identificado no local onde eu moro. Foram os policiais na minha casa, só que eu não estava. Aí veio muito medo. A mente ficou turbulenta. Passaram-se dois dias e eu pedi para um advogado ir no DP. Ele disse que meu carro estava sendo acusado de estar em um latrocínio. Depois de 48 horas, decidi me apresentar. Chegando lá, assinei alguns papéis, algumas vitimas me reconheceram. Não confessei. Falei que não estava, que meu carro tinha sido roubado. É a primeira vez que estou falando a verdade sobre esse BO. O advogado me disse que eu ia responder na rua a esse processo.

Os outros foram presos também um mês depois, e tiveram condenações mais altas. A minha foi menor por causa da minha idade, 20 anos.

Nunca pensei sobre as penas porque não era uma coisa do cotidiano. Foi algo de momento que eu fui e aconteceu essa fatalidade. Com certeza a pena não influi na decisão de cometer crime. Sendo grande ou pequena, vai de como a pessoa usa o tempo dela aqui dentro. Independente da pena ou não, a pessoa vai pensar se quer isso pra vida dela ou não. Ficando um ou dois anos o cara já sabe o que quer. Já outros podem ficar muito mais tempo e não muda a mente.

Estou recorrendo da sentença. É crime hediondo, latrocínio. Então de 25 anos, tenho que tirar dois quintos. São dez anos. Tem uns que acha loucura dez anos só porque roubou. Tem gente que fala que tem que ficar 30 só porque cê roubou, outro: “Deixa ele lá pra sempre”. Mas talvez porque não sabe o que se passa aqui dentro

Desde pequeno sempre fui muito achegado a Deus, devido a minha família ter plantado uma semente no coração. Meus pais são testemunhas de Jeová. Frequentei desde bem pequeno, até os 12, 13 anos. Só que aí eu me afastei, devido a amizades, chamando muito pra sair, baladinha, menininha, me desviei. A conduta da minha esposa também me ajudou muito. Eu tando bom ou ruim, tando totalmente fora do normal, ela estava sempre me ajudando para melhorar. Ela não desistiu de mim, graças a Deus. Ela me visita. Temos uma filha de 4 anos.

Nunca comentei com minha esposa que ia participar do roubo. Se comentasse, talvez ela me largasse na hora. Conheci ela com 17 e casei com 17 pra 18 anos. Foi aí que saí da escola, mas mesmo assim ela pedia pra eu continuar. Tanto que ela já estava fazendo faculdade. Mas a cabeça dura não me deixou terminar.

Estou otimista de que quando sair daqui vou poder trabalhar. Não é uma coisa que vai me impedir de estar envolvido com a sociedade e até mesmo trabalho. Claro que alguns vão ter preconceito e vão fechar um espaço. Mas acredito que vou conseguir. Meu irmão pode me ajudar de novo.

“Se eu soubesse que era polícia, eu não tinha dado chance”

J., 28 anos.

O que fez: atirou em policial aposentado. Acusado de matar outro policial

Idade ao cometer crime: 27 anos

Aguardando julgamento

O que o fez ir para o crime: desejo de melhorar de vida

O que o teria evitado: não sabe

Eu tinha acabado de sair da penitenciária. Fiquei só 40 dias na rua. Meu filho ia fazer aniversário no mês seguinte. Tinha 3 anos e 4 meses que eu estava sem ver ele. Quando fui preso, ele estava com 8 meses. Então, eu ficava pensando na minha mente ali, montando vários castelos de poder abraçar meu filho, dar um presente para ele. Eu não tinha condições nem para se locomover direito, muito menos para dar um presente para o meu filho e ajudar a mãe dele. Então, onde que teve os parceiro: “Ó, tem um BO ali dá pra arrumar um dinheiro”. Não pensei duas vezes. Eu queria até mesmo pra mim alugar uma casa pra morar porque estava na casa de parente. Não é legal ficar ouvindo: “Você não arrumou emprego, precisa ajudar”. Desde os meus 16 anos que vim de Minas para morar em São Paulo nunca dependi de ninguém. Sempre dei o meu trampo, depois comecei a me envolver no crime e quero ser independente. Infelizmente fui num assalto. Passei uma vez, dei uma olhada, fui praticamente no escuro. Era uma loja de aparelhos de aeromodelismo. Já tinha levantado compradores, tava tudo certo, dava pra colocar uma quantia razoável que ia me estabilizar até arrumar algo melhor. Quando enquadrei a vitima, não sabia quem era, se era polícia. Só tinha levantado que tinha um segurança na rua. Então, quando dei voz de assalto, a vítima levantou as mãos, normal, e veio caminhando pro meu lado. Falei: “Não, já era, tranquilo”. Dei a voz de assalto. Falou: “Calma, calma”. Só que eu tô calmo. Nisso, a vítima saiu de trás do balcão, e tinha porte físico bem maior que o meu. Eu tô com a arma aqui e a vitima pulou na arma e segurou, tentando tomar. Aí eu tentando, em luta corporal com a vítima. Quando o parceiro falou em revistar a vítima foi que ela reagiu e já grudou, segurou na arma. Eu não sabia que a vítima era PM aposentado. Então, saímos em luta corporal e eu tentando atirar pra cima porque se eu soubesse que era policia eu não tinha dado chance nem de ele ter caminhado para cima de mim. Mas como eu não sabia não queria matar a vítima. Nunca foi preciso eu dar tiro em ninguém. Foi a primeira vez. Dei um tiro para o alto, não acertou a vitima, e mesmo assim o parceiro correu para o lado da porta e a vitima continuou seguro na minha arma. E eu e ele tentando tomar. Porque, se ele toma, tinha me matado. O porte físico dele era bem mais forte que eu. Consegui puxar ele pra trás. Ainda bati as costas na prateleira. Empurrei ele com os pés. Quando ele veio pra cima de novo eu dei um tiro, que acertou. A vítima saiu correndo. Meu telefone estava no bolso, caiu. Só preocupei em pegar o aparelho. Nisso, já eram umas 10 horas da manhã, e já tinha bastante gente na rua desde a hora que eu dei o primeiro tiro. Saí fora.

Sete dias depois, tava indo de carro pra minha casa. Aí a polícia falaram que já tinha denúncia anônima, que tinha umas fotos das filmagem e me abordaram na frente da minha casa. Me levaram para a delegacia mais próxima de casa, ali eles desviaram o caminho, já sabiam. Foi na época que tinha iniciado os ataque. Aí, eles já falando que eu tava envolvido na morte de um polícia que teve na quebrada também, e se eu fazia parte do crime organizado. Eu falando que não tinha nada a ver. Me levaram para uma rua deserta, onde só uma casa, só vi uma luzinha distante da outra. Só duas viatura e outros com meu carro. Pegaram um alicate, colocaram na minha boca, (disseram) que iam arrancar os meus dente. Pegaram o cassetete, falaram que iam colocar na minha bunda. Então, querendo me zoar mesmo, falando que iam me matar. Só não morri porque não era o dia. Graças a Deus apareceu um Passatinho velho. Comecei a gritar. Acho que as pessoas do Passat viu e ficaram parado, olhando. Acho que eles viram que não tinha como me matar ali e me levaram pra delegacia e de lá pro DHPP. Pararam no caminho, chamaram a imprensa, colocou que eu tinha matado um polícia, que eu estava envolvido nos atentado.

Vim de Minas para São Paulo com 16 anos porque tinha uns parente meio distante da minha mãe que moravam aqui e me convidou pra morar com eles. Estudei até a sexta série. Parei de estudar quando vim pra São Paulo. Morei um ano com eles, tava trabalhando de ajudante geral em obra. Mas não dava pra manter, pagar aluguel. O dinheiro era pouco. No Grajaú, uns vizinhos que estavam no crime se aproximaram e comecei a me envolver, ir junto. Fazia roubos.Mais pra frente, comprei minha arma. Já comprei um carro, dei uma melhorada de vida, mas é aquilo, né? O que vem fácil, vai fácil.

A gente nunca sabe o que pode acontecer. Eu gostava mais de roubar sozinho porque eu nunca matei, nunca tive necessidade de matar ninguém. Mas no caso, quando eu sei que é segurança, a polícia tá armada, eu não vou tomar tiro com arma na mão.

Dessa última vez, na penitenciária, passei por psicóloga. Eles faziam várias palestras lá, eu frequentava a escola, trabalhava na faxina. Mostrava que dava pra aprender, aproveitar bastante. Mas não que aquilo ali vai te tirar do crime. Alguns consegue, através daquelas palestra, encontrar uma nova vida, mas pra mim mesmo eu não tinha esse objetivo, porque eu sabia que seria dificultoso até mesmo pra mim recomeçar tudo de novo. Então, na vida que eu tô levando, no crime, pra eu sair hoje, amanhã, que seja, ficar um mês, pra começar tudo de novo tem que ser dessa forma, porque trabalho mesmo praticamente não tira. Por causa daquele velho preconceito: um ex-presidiário. E eu mesmo nunca procurei também.

Quando a gente sai de casa já sabe o que pode acontecer. Pode dar um desacerto, ir preso, morrer ou matar.

Não sei responder se mudaria alguma coisa nas minhas escolhas se aumentassem as penas para os crimes.

Eu acho que a vinda de Minas pra cá mudou muito. Meus irmãos continuam lá, vivendo da mesma forma. Em São Paulo, consegui tudo que lá eu não conseguiria. Em uma baladinha eu gasto o que meus irmãos que trabalham, lá, ganham em um ano ou dois. Curti bastante. Infelizmente, é dolorido, mas estou pagando pelos momentos bons que eu tive no passado. De certa forma, valeu a pena. Conheci varias pessoas, que muitos não teve o privilégio que tive.

Meu pai separou da minha mãe quando eu tinha 6 anos. Quando eu tinha 12 anos, resolvi procurá-lo. Ficava uma semana com ele, dava saudade da minha mãe, meus irmãos, e voltava. Depois de duas vezes, ele falou que ou eu ficava lá ou ficava com minha mãe. Ele não queria dar o dinheiro para mim voltar para a cidade onde minha mãe morava. Eu fugi. Nunca mais vi ele. Tive a notícia de que entraram para roubar a casa dele e mataram ele asfixiado.

“Se mudasse a lei, eu ia pensar duas vezes antes de ir para o crime”

A.D., 24 anos. Condenado a 56 anos e 8 meses. 26 por latrocínio e o restante por roubos

Eu tenho uma quadrilha, minha, de assalto.  Roubo bem. Não vou mentir. A minha quadrilha era seis cara. Sou o líder. Alguns eram mais velhos que eu.

Hoje em dia tem o tal do funk, que fala sobre ouro, corrente, diamante, dinheiro, nave, muitas mulher, poder. Poder não é você ter e nem querer. É como eles diz: agir. E numa quadrilha você sendo o chefe todas as mulheres, a maioria, paga uma madeira pra você, porque você é o mais mais, elas falam.

Não tem serviço. Se todos os governo desse uma chance pra ex-presidiário, numa empresa, não existia mais ladrão no Brasil. Eu saí da cadeia em 2009. Fui a uma empresa e perguntei como fazia para trabalhar lá. Disseram para eu entregar um currículo. Entreguei e disseram: spera te chamar”. Só que isso é mentira, ficar esperando que nem bobo. Aí vai aonde? Eu não tenho filho, mas tem minha namorada. Gosto muito dela, a Suelen. Ela dá um trampo no Mac Lanche. Uma mulher chama roubo. Chama tudo.

Mas acaso, um cara chega ni mim e fala que vai me matar, eu mato ele primeiro. É minha vida que tá em jogo.

Em um assalto, faz muito tempo, eu enquadrei o cara. Eu estava com revólver calibre 38. Quando ele bateu a mão assim, aí eu soltei… disparou o revólver – “pá” – no peito. Naquela hora, perdi a cabeça. Estava drogado. Cocaína. Perdi o controle. Olhei assim, no chão, ele já tava caído. Fui embora pra casa. Me escondi. Quando passou o efeito da droga, falei na minha mente: “Tenho que pagar, né?” Um dia você tem que pagar os erros que comete. Você mente para o homem, para Deus, não. Deus sabe o que faz. Não sei se teve BO. Falaram para mim que ele era policial.

Era tudo ou nada. No assalto, você já vai com a mente que você tem que voltar. Mesmo baleado. Você não vai deixar o cara te matar. Cê tá na vida errada, cê tá no crime. O crime é feito pra isso: é tudo ou nada. Vamos supor, eu tô num assalto. Um amigo fala: “Olha lá, tô vendo aquele cara no carro ali, ó, tá olhando nós”. Se nós enquadrar ele, e ele reagir, é a vida dele ou a minha. Ele vai primeiro. E depois, eu.

Esses cara aí… a lei tem que ser cumprida. Eu não vou falar pra você que eu vou roubar um cara ali, o cara vai me dar tudo e eu vou matar ele. Não posso ser assim. O cara me deu as coisa, vai ficar sossegado. Eu revisto ele, dou geral, olho o porta-luva do carro, pra ver se tem uma arma, olho o documento, pra ver se é policial… Porque, se ele for polícia, aí é outra coisa. Se você roubar ele, ele vai vir te buscar, e é o dobro.

Eu entrei pro crime com 14 anos, quando fui preso num assalto, e numa troca de tiro de menor fui pra Febem. Aí é suave, né? De menor, se mudasse a lei, e eu tivesse que ir pra cadeia, eu ia pensar duas vezes antes de ir para o crime. A cadeia não é a mesma coisa que a Febem. A boia que paga aqui não é a mesma coisa que lá. É ruim demais. Não tem condições. Febem é mais tranquila. São quatro refeições num dia. Aqui são três só: café, almoço e janta. Às vezes nós sente fome. Nós é ser humano. Na nossa casa, nós come à vontade. Na cadeia, já não come.

Eu estava na 3ª série com 14 anos. Vivia numa sala especial, para pessoas com dificuldade de aprender. A professora me chamou de louco. Levei gasolina e taquei fogo na escola. Me encaminharam pra uma psicóloga. Ela não fez teste comigo. Só conversou e falou que eu ia na sala especial. Só que louco eu não sou não.

Fumava cigarro já. Era molecão. Já encostava nas vidas errada mesmo, via outros parceiro, no meio da rua. Um amigo meu me mostrou um revólver. Eu nunca tinha visto. Fomos na laje e ele me ensinou a atirar. E me chamou para ir roubar um carro no Parque São Lucas. Falei: “Demorou”. Molecão, né? Chegamos na hora da cena, enquadrei a vítima, falei: “Perdeu, perdeu, senhor!” Ele: “Ah, não, calma, calma, calma”. Nisso, a viatura virou pra outro lado, eu: “Tá, tá, tá”. Dei uns três tiros e saí correndo dentro da casa. Perguntei: “Cadê a chave?” O parceiro procurando. Olhou para trás e a polícia já tava em cima dele. E eu, correndo, dentro da casa. Falaram para mim: “Sai daí. A imprensa vai vir. Ninguém vai fazer nada com você”. Aí veio a imprensa. Só que não filmaram eu, porque eu era menor.

Quando fui no 42 DP Parque São Lucas, a polícia me bateu demais. Aí fui para a Febem, no Tatuapé. A Febem era dominada pelos menor. Nós catava os funcionário. Eles batia em nós também e nós descontava neles.

Fiquei um ano na Febem. Piorei mais lá, porque você é maltratado pelos funcionários e pela polícia. Eles deixa nós só de cueca no chão gelado. E se você não  pedir: “Licença, senhor, deixa eu ir ali no banheiro, senhor”, você apanha. Isso revolta os menor.

A polícia é muito folgada. Não quer dialogar uma ideia. Só quer espancar na Febem, só borrachada. Quando o choque invade, é pra valer. É tiro de borracha. Onde pegar, arregaça.

Saí da Febem com 15 anos. Dos 15 aos 18, roubava bem. Uns sete, oito carros por dia. Tirava som, roda, banco, escalpelava o carro. Vendia para o desmanche.

Eu roubava pra mim mesmo. Pra me manter os kit: relojão de ouro, corrente.

Minha família tentou me tirar dessa vida. A minha mãe criticava muito. Ela ficava a maior sujeira: “Aqui na minha casa, não quero nada de errado”.  Meu tio é cristão, pastor de igreja. Ele falava: “Não quero nada de errado, A., dentro de casa. Porque, se tiver alguma coisa de errado, eu mesmo chamo a polícia”.

Eu tava roubando. Lógico que é errado. Nós não rouba quem não tem. Nós rouba quem tem. Não é esses cara que tem carrinho velho não. Nós vai na fita alta: R$ 30 mil, R$ 80 mil, R$ 100 mil. Só bagulho gringo. Nada de pegar pai de família, fazer sequestro, coisa que muitos tão fazendo na televisão hoje em dia. Cara vai na pizzaria, pegou a carteira do cara e “pá”, matou o cara, foi lá e voltou e “tá tá”, deu em mais dois… Eu como ladrão não aceito isso.

Nós ia pros lugar que tem dinheiro. Não é difícil (assaltar). Difícil é saber lidar com muitos cara. Tem um ou outro que, ao mesmo tempo em que estão com você na fita, te roubam e “pá”, matam você. Então cê não pode deixar eles chegar nesse ponto, de crescer os olhos e matar você. Você tem que pegar o malote, chegar, contar: “Amigo, esse é seu, esse é seu. Não fica longe. Entra em contato”. Nós fica de carro andando e os amigo entra em contato: “Olha, tem uma fita pra nós fazer ali”. Nós ia lá e metia o revólver.

Só reagiram uma vez. Eu era de menor. Fui roubar um carro, a mulher abriu a porta, saiu do carro, me abraçou e soltei o dedo. Dei três tiros nela. Ela caiu. Ficou deitada lá. Levei o carro embora e deixei ela lá. Só Deus sabe o que aconteceu com ela. Acho que ela me abraçou pra tomar o revólver, porque eles vê que nos era muito menino, achava que não tinha arma.

Meu pai, não sei onde está. Não conheci. Acho que se eu tivesse ficado com ele talvez eu não estaria aqui, nessa tristeza.  Eu via meus amigos. Um pai não dá tanta atenção que nem um tio. Um tio gosta de você muito. E considera você como um filho dele. Você gosta dele. Mas ao mesmo tempo está no seu coração e na sua mente o seu pai, o verdadeiro. Eu gosto do meu tio. Mas é meu tio.

“Eu nunca tinha atirado em ninguém, mas atirei de susto”

Flávio Machado, 59 anos. Condenado a 50 anos. 48 por dois latrocínios e furto e 2 por ter fugido.

O que fez: matou um homem e participou de assalto que resultou em outra morte

Idade ao cometer latrocínio: 22 anos

Pena total: 50 anos (48 por dois latrocínios e furto e 2 por ter fugido)

O que o fez ir para o crime: desejo de comprar casa

O que o teria evitado: ouvir os conselhos do pai

Fiz um concurso em uma empresa de carro-forte. Passei em todos os exames. Fiz academia de polícia na Cidade Universitária. Consegui emprego. Fiz treinamento com armas, defesa pessoal. Trabalhei dez meses. Eu queria pegar um dinheiro que pudesse ajeitar minha vida. Minha mulher estava grávida. Queria comprar uma casinha, não pagar aluguel. Meu plano era continuar trabalhando. Sem experiência nenhuma, eu pensava que, pegando o dinheiro, continuava minha vida normal, mudava de bairro e ia viver tranquilo. Estava trabalhando quando em 1977 entrei nessa vida do crime devido a não ter ouvido os conselhos que meu pai me dava. Eu tinha 22 anos. Não era pra ter entrado nessa vida. Não precisava. Mas de repente entrei e cometi. Entrei em companhias erradas. Me procuravam porque eu tinha armas e emprestei para eles. Furtei essas armas na casa de um sargento reformado do Exército.

Quinze dias depois, foi um assalto a um mercado. Estava eu e mais os três que me convidaram pra fazer isso. Disseram que tinha 60 milhões, e tal. Eu nunca tinha atirado em ninguém. Mas atirei de susto. O comerciante foi pegar uma coisa. Achei que fosse pegar uma arma na gaveta, e atirei. Fomos ver e tinha uma arma. Os caras que estavam comigo pegou a arma e levou embora.

Eu sempre falava pros caras: “Esse negócio aí de assaltar pode dar desacerto. Se a vítima reage, você vai tentar se defender, vai atirar”. Eles: “Não, não vai acontecer nada, a gente não vai precisar matar ninguém não, vai dar tudo certo”. No mesmo dia, depois desse primeiro assalto, fez outro, que já tava complicado mesmo. Foi numa casa de câmbio. Aí, a mesma coisa. O pessoal esboçou reação e o outro que estava junto atirou. Eu estava junto, pego o mesmo tempo de cadeia que o outro pega.

Tentei me recuperar lá fora mesmo, antes de ser preso. Não adianta. Era tarde. Uma hora eles iam me pegar. Me afastei dos caras. Fiquei com bronca de todos eles. Fugia deles. Não queria saber mais de conversa com aqueles caras. Até que fiquei sabendo que a polícia matou os três, na hora da prisão. Deve ter sido troca de tiros. Só faltava eu. Eu sabia que uma hora ia ser pego. Estava desesperado. Pelo empenho que eles fizeram para pegar eu, a impressão que eles tinham era que eu ia reagir. Eu não reagi na hora que a polícia chegou.

Fui preso seis meses depois de cometer o crime. Fui encontrado pela polícia numa outra casa para onde mudei, próxima da outra, com medo de ser preso. A polícia investigou, perguntou para um e para outro, até descobrir onde eu estava. Quando eram 2 horas da madrugada, a Rota entrou. Arrebentou a porta. Não deu tempo de fazer nada. Eu tinha dois filhos, um de dois anos e uma de um ano. Revistaram minha mulher. Ela não sabia de nada. Meu filho e minha mulher começaram a chorar.

Fui condenado a 48 anos de cadeia. Fiquei 10 anos no Carandiru e fui para o Instituto Penal Agrícola de Bauru. Fiquei mais ou menos 6 meses dentro do Agrícola, depois me passaram para trabalhar na firma na rua. Trabalhei mais ou menos um ano. Tava havendo muita pressão entre os presos, muita confusão, e eu via que cada dia as coisas iam piorando, que a qualquer hora poderia acontecer alguma coisa comigo. Pressão entre os presos, que acham que a gente é alcaguete, informante, porque sempre me comportei de forma diferente da malandragem.Entrei primário na cadeia e lá aprendi tudo. Mas não nasci pra vida do crime. Se não, tinha saído diplomado, malandro.

Então depois de um ano, em 1987, resolvi abandonar o semiaberto em 1987. Fui trabalhar num sítio em Lausanne Paulista. Fiquei lá dois anos. Se eu ficasse ali, não ia acontecer nada. Mas comprei um Opala velho, e comecei a fazer as comprinhas. Saía e retornava pro sítio. E numa dessas vezes, voltando, passa um comando, parou, pediu documentação. Tinha o documento do carro mas o restante eu deixava tudo em casa. Fizeram averiguação e constataram que eu tinha abandonado o semiaberto. Depois de dois anos trabalhando sem me envolver com nada.

Voltei pra Casa de Detenção, o Carandiru. Ali fiquei mais uns bons 4 anos. Estava no massacre, em 1992. Com bom comportamento trabalhando na copa, na cozinha, consegui o semiaberto pela segunda vez. Fui para Ataliba Nogueira, em Hortolândia (SP). Fiquei mais um ano ali. Trabalhava no Ceasa de Campinas. Eu sentia que estava sendo ameaçado, nas conversas escondidas entre os presos. Vira e mexe acontecia alguma coisa lá, blitz, achavam que alguém alcaguetou. Eu achava que uma hora, em uma saída na rua, podia acontecer alguma coisa comigo. Então saí de novo. Fiquei trabalhando em outro sítio. Me casei e junto com minha mulher fui trabalhar. Fiquei lá 6 anos. E era bem querido pelos patrões. Não falei que tinha estado preso. Se falasse, eles não tinham me dado emprego. Comprei um carro. Um dia, tinha viatura, que me deu uma paradinha só pra averiguar. Pediram os documentos e de novo aconteceu a mesma coisa.

Agora pela terceira vez abandonei o semiaberto, trabalhei 2 anos e fui pego novamente. Fiquei um total de 10 anos trabalhando na rua: a primeira vez, 2 anos, a segunda, 6 anos, e a terceira, 2 anos. A policia me pegou sempre trabalhando e sempre os meus patrões tentaram me ajudar.

Meu plano, quando sair daqui, é voltar a trabalhar no mesmo serviço de caseiro em sítio.

Vivi pouco tempo com minha mãe. Quando eu tinha 9 anos, meu pai se separou dela, e ela ficou lá em Ibirama, Santa Catarina, onde morávamos. Meu pai veio para São Paulo, trabalhar em uma empresa na Parada Inglesa. Arrumou outra mulher e vivi com madrasta. Não fiquei com minha mãe porque ela me disse: “Mamãe não sabe para onde vai. Não sei o que me espera. Se eu for para casa, seu pai vai me bater. Fique aí, que depois venho buscar vocês”. Foram as últimas palavras que ouvi dela. Passaram muitos anos. Realmente ela veio, quando eu tinha 17 anos. Mas não conseguiu pegar os filhos. Meu pai não deixou. É difícil ser criado por uma pessoa que não dá o mesmo carinho que a mãe dava.
Se eu pudesse voltar tudo de novo, eu não faria isso (o crime). Eu não nasci para esse tipo de coisa.

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