ASSUNÇÃO – O quadro eleitoral está inteiramente incerto no Paraguai.
Nenhuma fonte independente é capaz de prever, com segurança, o resultado da eleição presidencial de domingo. Pela primeira vez em cinco décadas, a oposição liberal tem chances reais de ganhar. Mas pode não levar. E, o que é mais surpreendente: não por força de golpe, mas de decisão legal.
A poucos dias das eleições, os colorados trabalham com um olho na campanha e outro nos preparativos de uma batalha judicial para impugnar as eleições, caso sejam derrotados nas urnas. O Código Eleitoral paraguaio, promulgado em 1996, sofre do mesmo tipo de malformação congênita que a Constituição brasileira: entra demais em detalhes onde não deveria entrar, enquanto é vago e impreciso onde não poderia ser.
A Lei Eleitoral 834/96 determina que as urnas sejam de acrílico transparente e inquebrável. As urnas são de papelão, com divisórias de plástico que formam cinco compartimentos, destinados a presidente e vice, senador, e os equivalentes a deputado federal, governador e deputado estadual. A lei determina também que a urna fique em câmara escura – o que não ocorrerá.
O voto será dado com um carimbo trazendo um símbolo guardado em sigilo até o dia 10. O carimbo terá de ser umedecido numa almofada de tinta. Os observadores internacionais que monitoram as eleições temem que os paraguaios analfabetos, acostumados a molhar o dedo no mesmo tipo de almofada para firmar documentos, sigam esse impulso, anulando o seu voto.
Além disso, carimbadas mal calculadas, que extravasem para quadrados vizinhos, poderão anular muitos votos.
De acordo com a Justiça Eleitoral, é por razões técnicas que as especificações legais não serão cumpridas: como foi feito, e não como está previsto pela lei, é mais seguro e mais prático. O tribunal orgulha-se de ter montado um sistema à prova de fraudes e de demora exagerada na contagem dos votos.
Mas todas essas contradições e empecilhos são oportunidades para processos maciços de impugnação. E a experiência do governo colorado com a Corte Suprema é animadora. Em sua última votação importante, no mês passado, a instância máxima confirmou a sentença de 10 anos de prisão para o general Lino Oviedo, que havia sido condenado, por tentativa de golpe, por um tribunal militar extraordinário criado às pressas pelo presidente Juan Carlos Wasmosy – depois que seu desafeto venceu as prévias do Partido Colorado e se tornou candidato favorito à presidência.
Entretanto, uma eventual vitória colorada não eximirá a Corte Suprema de decisões difíceis.
Se eleito, o candidato colorado a presidente, Raúl Cubas, prometeu que sua primeira medida será indultar o general Oviedo, preso na 1.ª Divisão de Infantaria. Ocorre que, de acordo com a Constituição paraguaia, o presidente só pode indultar um preso depois de cumprida metade da pena – e por razões humanitárias. Oviedo foi condenado em setembro.
Cubas, que, se eleito, assumirá em agosto, terá de esperar até quase o fim de seu mandato de cinco anos para indultar seu padrinho político. Essas tecnicalidades não parecem desanimar os oviedistas – que não são poucos.
Segundo todas as pesquisas, se Oviedo pudesse concorrer, venceria a eleição.
Um dos adesivos mais populares nos automóveis de Assunção diz: “Liberte Oviedo, vote em Cubas.” A sensação de parte dos eleitores é a de que votar em Cubas significa levar Oviedo ao poder. Mesmo assim, todas as pesquisas mostram que a mudança da chapa tirou votos dos colorados.
De acordo com a pesquisa feita pelo grupo que se pode considerar o mais – se não o único – independente, o da Universidade Católica de Assunção, Domingo Laíno e Carlos Filizzola, da oposicionista Aliança Democrática, devem vencer com 44% dos votos, enquanto Raúl Cubas e o vice Luis María Argaña terão 41%.
A pesquisa foi feita logo depois da confirmação da sentença de Oviedo, em meados de abril. Antes, segundo pesquisa do mesmo grupo, a chapa Oviedo-Cubas ganharia por 47% a 41%. Já a pesquisa do Instituto de Comunicação e Arte, considerado pró-colorado, dá 45,2% para Cubas-Argaña e 41,3% para Laíno-Filizzola.
A manobra de Wasmosy para impossibilitar a chegada de Oviedo à presidência pode até não custar a derrota colorada, mas abriu uma divisão profunda no partido. Na segunda-feira à noite, no encontro interno de encerramento da campanha, o candidato a presidente, Raúl Cubas, e os principais dirigentes oviedistas não compareceram, por causa da presença de Wasmosy.
Um “pacto de convivência”, firmado depois da confirmação da sentença de Oviedo e da redefinição da chapa colorada, previa que Wasmosy não participaria diretamente da campanha. O presidente resolveu assumir o comando na última semana e os oviedistas, a militância mais numerosa e organizada do partido, afastaram-se. Já o candidato a vice, Argaña, que com Cubas só tem em comum o fato de detestar Wasmosy, estava presente.
Foi uma festa para a militância. Cerca de 3 mil pessoas lotaram o ginásio do Conselho Nacional de Desportes, enquanto outras 2 mil se reuniam do lado de fora. Wasmosy, com a bandeira colorada amarrada em torno do pescoço, não fez referência direta a Oviedo nem a Cubas. Disse apenas que Argaña seria o novo vice-presidente do Paraguai.