Futuro Estado é um desafio logístico

Na varanda de sua casa no bairro de classe média alta de Al-Tireh, em Ramallah, o empresário Abed al-Salam Abu Askar colocou uma placa que diz: “Gaza 82 km.”

RAMALLAH  – É a distância em linha reta – medida pelo Google Earth – entre a capital da Cisjordânia e a da Faixa de Gaza (pelas estradas, são 100 km). Embora seja a distância entre São Paulo e Campinas, Abu Askar não pode voltar a sua cidade desde que a deixou, em maio de 2006, depois de ser detido brevemente pelo Hamas, por sua antiga militância no Fatah e amizade com o principal líder da facção em Gaza, Mohamed Dahlan.

Com o acordo entre o Hamas e o Fatah, Abu Askar pode ter o salvo-conduto do grupo islâmico para voltar – mas não a autorização de Israel. Dono de duas produtoras de televisão e uma gráfica, Askar perdeu seus clientes em Jerusalém por causa das dificuldades de conseguir permissão de Israel para sair de Ramallah. Para entrar na Faixa de Gaza, é impossível. Há moradores de Ramallah que não conseguem permissão para visitar suas famílias em Gaza há 20 anos.

Sua situação sintetiza o paradoxo do Estado que os palestinos pretendem proclamar durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro. Mesmo com a reconciliação entre o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, e o Fatah, que governa a Cisjordânia, os dois territórios que compõem o futuro Estado estão separados por Israel, com uma largura que varia de 80 a 100 km.

Há uma solução de engenharia para o problema: o projeto de construção de uma estrada abaixo do nível da superfície – não um túnel, que ficaria caro demais -, que permitiria o trânsito israelense por cima. O problema não é de engenharia, mas de uma arquitetura política que possibilite a aceitação do novo Estado, com o Hamas – que aprova o terrorismo e a luta armada como formas de resistência contra Israel – entre as duas principais forças políticas.

“Israel e a comunidade internacional não precisam aceitar o Hamas”, argumenta Ghassan Khatib, porta-voz da Autoridade Palestina (AP), dirigida pelo Fatah. “Quem tem de ter posições aceitáveis para a comunidade internacional é o governo, não o Hamas.” Khatib lembra que o Likud, o partido do ex-primeiro ministro israelense Ariel Sharon e do atual, Binyamin Netanyahu, votou contra e até hoje não aceita os Acordos de Oslo, que possibilitaram a implantação da AP nos territórios. “Mas quando Sharon se tornou primeiro-ministro não mudou a política do governo.”

MOEDA PRÓPRIA

Seja como for, os palestinos decidiram seguir adiante com a criação de seu Estado, prevista para dentro de dez anos nos Acordos de Oslo, firmados em 1993. Dedicam-se a construir os alicerces da soberania, entre eles uma moeda própria, que se chamará “libra palestina”, o nome que tinha sob a administração britânica, antes da ocupação israelense. Jihad al-Wazir, governador da Autoridade Monetária Palestina, o embrião do futuro Banco Central, diz que a economia palestina sofre muito com a falta da moeda própria, por não poder executar políticas de juros e de câmbio de acordo com sua realidade de inflação e de comércio exterior. Além disso, os palestinos pagam para Israel US$ 200 milhões de senhoriagem, a receita líquida proveniente da emissão de moeda.

“Não encaramos a moeda só como uma questão de imprimir dinheiro”, diz Al-Wazir. Ele enumera uma série de medidas tomadas nos últimos três anos para garantir a estabilidade econômica, incluindo o aumento da arrecadação de impostos, que foi de 50% só no ano passado. As reservas internacionais são de US$ 1,2 bilhão.

A economia palestina vive um boom. Nos últimos cinco anos, o rendimento médio das ações na Bolsa de Valores de Nablus foi de 6%, distribuindo US$ 600 milhões em dividendos. Mesmo na crise de 2009, o índice Al-Quds (“A Sagrada”, nome árabe de Jerusalém) subiu 1,62%.”Nós nascemos no meio de crises, guerras, toques de recolher”, explica Fida Musleh Azar, gerente da Bolsa. “Somos sobreviventes.” Segundo ela, investidores estrangeiros detêm 42% das ações, em valores. As 44 principais empresas somam US$ 3 bilhões.

Nos últimos quatro anos, mais de 50 restaurantes, bares e cafés surgiram em Ramallah, dando à cidade de 170 mil habitantes um ar europeu. Só de um ano para cá, seis novos hotéis foram abertos, e um sétimo está em construção. Isso não impressiona o consultor de empresas Sam Bahour. “Há atividade econômica, não desenvolvimento”, analisa Bahour, filho de palestinos, que nasceu em Ohio e mudou-se dos Estados Unidos para a Cisjordânia em 1994. “Para termos um Estado economicamente sustentável precisamos de água, movimento, terra, acesso, fronteira e livre comércio exterior.”

O boom é impulsionado pela ajuda anual de US$ 500 milhões da União Europeia, US$ 500 milhões de países europeus, individualmente, e outros US$ 500 milhões dos Estados Unidos. Somadas, essas doações representam 26% do PIB palestino, de US$ 5,72 bilhões. Os economistas e empresários palestinos garantem, no entanto, que se forem removidos os obstáculos criados pela ocupação israelense, essa ajuda se tornará desnecessária.

O empresário Abed al-Salam Abu Askar em sua casa em Ramallah/ Lourival Sant’Anna
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