Sem respostas, guerra completa um mês

É difícil avaliar as conseqüências do conflito para o Líbano, onde a resistência reveste o Hezbollah de heroísmo

BEIRUTE – Um mês depois do início dos ataques israelenses, há mais perguntas do que respostas sobre as conseqüências dessa guerra para o Líbano. Neste momento, os bombardeios israelenses galvanizam um sentimento de união nacional perante um inimigo comum, e a resistência reveste o Hezbollah de heroísmo. Depois da guerra, a política deve voltar às suas disputas cotidianas, fincadas em identidades religiosas. Mas uma lição poderá ficar: a de que o Líbano precisa se tornar um Estado-nação, se não quiser ser destruído periodicamente.

Hoje em dia, são poucas as vozes que ousam criticar publicamente o Hezbollah, ou ao menos co-responsabilizá-lo por essa guerra, desencadeada pela morte de oito soldados israelenses e captura de outros dois, numa operação de comando da milícia xiita, no dia 12 de julho. O sentimento contra Israel é mais forte. Entretanto, terminada a guerra – não se sabe quando -, esse sentimento se dissipará, acreditam analistas de diferentes correntes, ouvidos pelo Estado. E o Hezbollah poderá ter de pagar politicamente pelo que fez.

Na verdade, afirma Boutros Labaki, presidente do Instituto para o Desenvolvimento Econômico e Social, o Hezbollah já começou a pagá-lo, ao ter de aceitar o plano de sete pontos do primeiro-ministro Fuad Siniora, que prevê o destacamento de 15 mil homens do Exército libanês no Sul do Líbano. “Todos sabem que foi o Hezbollah que deu o pretexto para Israel atacar”, diz Labaki, um cristão maronita. “Nesse sentido, ele está enfraquecido politicamente. Não pode correr o risco de ficar fora do consenso nacional.”

Camille Habib, professor de ciência política e reitor da Faculdade de Economia e Administração de Negócios da Universidade Libanesa, acredita que o Hezbollah sairá politicamente mais forte da guerra. Ele admite que, entre os xiitas que perderam tudo, há muitos que perguntam “por que nós?” Mas, avalia Habib, a maioria dos xiitas está com o Hezbollah e a Amal, antes sua rival, hoje sua aliada no Parlamento, onde somam 27% dos deputados.

“O Hezbollah, tendo ou não um bom desempenho militar, continuará tendo uma voz na política libanesa”, considera Habib, um cristão que não gosta de ser rotulado assim. “Mesmo os libaneses que não apóiam o Hezbollah apóiam o Líbano. Israel está destruindo a infra-estrutura do país. E a única facção libanesa que está resistindo é o Hezbollah.” A maioria dos libaneses, prossegue Habib, “está feliz de ver tanques israelenses sendo destruídos no Sul do Líbano”.

Jihad Zein, editor de Opinião do jornal An-Nahar, um dos mais importantes do Líbano, não arrisca prever se o Hezbollah sairá enfraquecido politicamente ou não dessa guerra. “Estamos num ponto de inflexão”, observa Zein, de origem xiita. “O Hezbollah tem uma base muito sólida na comunidade xiita. Mesmo que venha a enfraquecer-se, demorará anos.” O editorialista acredita que, se quiser, o Hezbollah pode dispensar seu braço militar e se consolidar como partido político.

Em todo caso, concordam os analistas, o Líbano continuará sendo um Estado confessional, com política e identidade religiosa fortemente entrelaçadas, por muitos anos (dois séculos, segundo Zein). Nas comunidades cristãs, drusas e sunitas, ao lado do sentimento de união nacional, sedimentam-se visões longamente nutridas sobre os xiitas.

“Os xiitas no mundo são como os judeus”, comparou o múfti (principal autoridade sunita) do Estado do Vale do Bekaa, Khalil el-Maiss, em entrevista ao Estado, em Sultan Yaqoub, 50 quilômetros ao sul de Beirute. “Eles têm uma capital só e um líder só: o Irã.” Sobre as chances de os xiitas, que representam 40% dos 3,85 milhões de libaneses, se integrarem num Estado-nação libanês, o múfti pondera, com sua sinceridade cortante: “Os xiitas em geral acreditam que têm de submeter-se politicamente a líderes religiosos. Para eles, religião e luta armada são uma coisa só. A ideologia xiita é baseada na força militar. Mas é claro que uma parte dos xiitas quer voltar para suas origens árabes.”

O que deve ficar evidente, mais cedo ou mais tarde, é que o Líbano está sendo destruído porque suas facções religiosas deixam-se utilizar por interesses que não são libaneses. “Toda a força do Irã está mobilizada no Hezbollah. O Hezbollah é o Irã no Líbano”, diz o múfti. “Não existe conflito religioso no Líbano. É político. O que está acontecendo no Líbano é um conflito entre o Irã e os Estados Unidos através de Israel. Enquanto o Hezbollah continuar armado, haverá pretexto para Israel atacar o Líbano. Todos os libaneses entendem essa realidade.”

Pergunte ao general Adnan Daoud, o libanês que comanda os 2 mil soldados franceses, chineses, indianos e ganeses da Finul, a força de observação da ONU no Sul do Líbano. “Não temos Exército libanês aqui, e esse é o problema”, disse o general ao Estado, em seu quartel-general em Marjeyoun, Sul do Líbano, na segunda-feira. A área de Marjeyoun estava então sob intenso bombardeio israelense, enquanto o Hezbollah continuava disparando seus foguetes Katiucha contra o Norte de Israel. Na quinta, Israel avançou por terra e ocupou a área. Um milhão de libaneses vive – ou vivia – no Sul do Líbano. “Aqui, só tem a foto do presidente e a bandeira libanesa”, ironizou Daoud, um cristão ortodoxo.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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