Mostafa, de 10 anos, tinha brincado no local pouco antes do bombardeio
BEIRUTE – Na noite de segunda-feira, Mostafa, de 10 anos, estava brincando com os vizinhos de sua idade, como sempre fazia, no bairro de Chiyeh, no sul de Beirute. Ninguém sabe o que deu nele, mas Mostafa resolveu interromper a brincadeira e ir fazer a oração noturna na Mesquita Sher al-Hejesh, em frente ao seu prédio. Alguns minutos depois, às 20h20, ouviu quatro estrondos ensurdecedores e sentiu o chão tremer. Saiu à porta da mesquita. E não acreditou no que viu.
O prédio de cinco andares onde até alguns minutos atrás brincava com seus amigos tinha desaparecido. O fim de tarde de verão (quando só anoitece depois das 21h) foi bruscamente interrompido. A rua escureceu, coberta de fuligem. Seus amigos não existiam mais. Levado com os irmãos e a mãe para casa de parentes longe dali, Mostafa até hoje tem pesadelos. No edifício semidestruído que fica entre o prédio onde o menino mora (também danificado) e os escombros onde caíram os quatro mísseis, ainda há brinquedos e livros infantis espalhados no chão.
O prédio, assim como toda a região de Dahye, onde se concentram os xiitas de Beirute, estava com muito mais gente do que de costume, porque ali se abrigam muitas famílias que vieram das áreas bombardeadas do Sul do Líbano e do Vale do Bekaa. Foram retirados dos escombros 56 corpos. Outras 75 pessoas ficaram feridas. Na tarde de ontem, homens com máquinas ainda reviravam os blocos de concreto à procura de uma mulher grávida. Um cheiro de morte exala da cratera coberta de escombros.
No momento da explosão, o pai de Mostafa, Ali Fauazi, um taxista de 50 anos, estava conversando com o filho Mohamad, de 17, na cozinha. Os dois foram projetados de onde estavam sentados para o outro lado do cômodo. “Perdi quatro amigos, da minha idade, que moravam no prédio”, conta Mohamad, o único que permanece no apartamento com o pai, para cuidar do patrimônio.
Alguns andares acima, o carpinteiro Adnan Hamdar, de 65 anos, estava recebendo dez parentes em seu apartamento. Todos foram jogados para o outro lado. Ninguém teve ferimentos graves. Hamdar, que morou a vida toda ali, diz que conhecia todos os moradores do prédio destruído. “Ninguém era militante do Hezbollah”, garante. “Eram empregados, feirantes, alfaiates, pessoas pobres, que trabalhavam muito duro”, disse ele, enumerando as famílias: Rumaith, Vehbi, Nasreldin.
Ali confirma que não havia armas ou militantes do Hezbollah nas redondezas, mas demonstra grande admiração por Hassan Nasrallah, o líder do grupo. Sentado na cozinha – no mesmo lugar que os mísseis o encontraram há quatro dias – ao lado de um pôster do líder xiita, ele diz: “O Seyed (título dado a descendentes de Maomé) Nasrallah é o orgulho da nação. O homem mais sincero que a nação árabe já teve.” E usa um qualificativo que os árabes só empregam em caso de enorme apreço: “Dej rassna”, coroa da cabeça, ou seja, o que há de mais precioso.
Dahye, a área sul de Beirute, é sem dúvida um reduto de Nasrallah, mas ele não goza de unanimidade. “Onde estão os mujaheddin (combatentes da jihad) nessa hora?”, perguntava no fim da tarde de ontem Sara Miqdat, uma jovem mãe de 16 anos, que se preparava para subir no ônibus dos evacuados para Trípoli, atendendo ao sinistro aviso de Israel. “A resistência não nos ajuda em nada. Ficamos um mês no porão do prédio, e ninguém veio nos perguntar se precisávamos de ajuda”, disse Sara, sem dinheiro até para o leite de sua filhinha de dois meses de vida.
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