Expansão de crédito agrícola cria simpatia pelo governo Lula, mas perfil de Dilma é associado a insegurança no campo
UBERLÂNDIA – Wagney Azevedo Leão, de 75 anos, tem a agropecuária no DNA. Seu bisavô era agropecuarista. Seus netos cuidam agora das terras da família. “O agropecuarista hoje é um herói”, diz ele, ao lado de outros quatro produtores, reunidos numa tarde de terça-feira numa sala do Sindicato Rural de Uberlândia para conversar com o Estado. Suas queixas e reivindicações dirigidas ao governo federal incluem os custos altos da produção e os preços baixos dos produtos, as invasões de terras e as amarras ambientais.
“Que sustentação temos hoje na pecuária?”, pergunta Wagney. “Os frigoríficos e as redes de supermercados levam a parte do leão. O produtor não está levando nada. O governo deveria sustentar a política agrícola com preços.” O agrônomo Maurício Bueno, de 45 anos, que presta consultoria em planejamento de crédito agrícola, explica: “Os frigoríficos são poucos e põem o preço no boi.”
Maurício observa que “tem cinco ou seis empresas comprando boi e produzindo fertilizantes, e milhões produzindo boi”. Do lado dos grãos, grandes empresas como Cargill, Bunge, Sadia e Granjeiros “pagam o que querem”, acrescenta José Luís da Silva, de 63 anos, que tem 360 hectares de milho e soja e cerca de 800 cabeças de gado de corte.
O governo contribuiu para essa concentração, observa Otacílio Ferreira Matos, de 52 anos, que trabalha com genética de gado Gir e Holandês: “O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) socou dinheiro no Friboi, e hoje só existem ele e o Independência”, diz ele, referindo-se aos dois maiores frigoríficos do País. Carlos Augusto Ribeiro Franco, de 60 anos, consultor ambiental, criador de gado e de frangos, identifica nisso uma política do governo Lula: “É pretensão desse governo mostrar a cara do Brasil lá fora e para isso precisa de grandes estruturas.”
A concentração se reproduz nas fazendas. “Há cinco, dez anos, todo mundo tinha condições de plantar 5, 10 alqueires (24 a 48 hectares)”, lembra o agrônomo Maurício. “Hoje, ou você é produtor de 10 mil hectares ou não é nada. Com menos de 200 hectares, você não produz mais nada, e 90% (dos fazendeiros da região) têm esses pedacinhos de chão.” Os produtores explicam que, ao lado dos preços baixos dos produtos, as terras têm exigido investimentos mais altos na correção do solo, assim como novas pragas têm demandado agrotóxicos caros.
Otacílio diz que a descapitalização dos pecuaristas os leva a vender as fêmeas, que atingem preço mais baixo no mercado. Segundo ele, o ideal seria vender no máximo 20% das fêmeas, mas os produtores têm vendido 45%. É um “círculo vicioso”, descreve: vendem as fêmeas para fazer caixa porque não têm animal acabado e com isso reduzem a sua produção.
O preço mínimo estipulado pelo governo para a saca de 60 quilos de milho, diz Wagney, é R$ 17,50. A saca está sendo vendida a R$ 13. ‘O governo não pratica o preço mínimo”, critica ele. “Tem milho estocado do ano passado. Nas lavouras, plantam milho em cima da outra safra. Não compensa colher. Não tem preço.”
“Nos últimos anos a gente não está conseguindo ganhar dinheiro, e muitas vezes está perdendo”, diz José Luís. “Compramos insumos quando os preços dos grãos estão altos. Na colheita, caem os preços. E aí a dívida está feita.” Maurício, que arrenda 40 hectares com feijão irrigado, acrescenta: “Quando vai planejar a safra, o produtor se anima com o preço alto; quando colhe, o preço cai. Há um descasamento na renda. Junta-se isso com falta de estrutura de armazenamento e de crédito.”
O consultor acha que falta uma política do governo para “direcionar” o plantio e o escoamento. “Ou que pague para não plantar.” Wagney assinala que o governo se aproveita do produtor ao impor o preço baixo dos alimentos. “Para o governo é lindo, excelente.”
Ele vê populismo também na política agrária. “O MST invade o Ministério da Agricultura, o Incra, as fazendas, e qual atitude o governo tem tomado?”, indigna-se Wagney, que participou do Clube dos 11, embrião da União Democrática Ruralista (UDR). “Estão querendo que depois que invadam a gente tem de defender? Não existe isso. Piorou muito nos últimos anos.”
Uberlândia foi fundada em 1888, depois que paulistas ocuparam a região em meados do século 19. Hoje a cidade tem 600 mil habitantes. Tradicionalmente produtora de milho e gado, passou a dedicar-se também à soja e tornou-se grande polo avícola do País. A soja é exportada, enquanto o milho abastece o mercado interno de ração.
A crise econômica mundial teve impacto sobre o agronegócio a partir de abril de 2009. “Agora está começando a reagir”, diz Carlos Augusto, que cria 550 cabeças de gado de corte, 50 de leite e 130 mil frangos para produção de ovos, além de cultivar milho, sorgo e cana para alimentar o gado. “Tende a melhorar, mas não volta ao patamar de 2007 e 2008.”
Para ele, a política comercial do governo Lula foi “bastante incipiente”. Seu modelo de ministro da Agricultura é Marcus Vinícius Pratini de Moraes (do segundo mandato de FHC). “É um grande comerciante. Abriu muitos mercados para o Brasil. Principalmente no setor de carnes, existe o Brasil antes e depois de Pratini.”
Os produtores queixam-se também do Código Florestal Brasileiro, lei de 1965. “Está totalmente desajustado ao processo produtivo”, avalia Carlos, que é também consultor ambiental. “Sistema de reserva legal só existe no Brasil. No mundo inteiro acabou. E vêm aqui polemizar para o governo impor o cumprimento.”
Carlos usa um argumento bastante defendido pelos agricultores: “Se (a preservação ambiental) é para o bem da coletividade, por que o produtor paga sozinho?” Os agricultores acham que devem ser remunerados pela manutenção de matas em suas fazendas, como nos Estados Unidos.
Na região de Uberlândia, a reserva legal compreende 20% da propriedade; no cerrado, o índice é de 35% e na Floresta Amazônica, de 80%. A reserva soma-se às Áreas de Proteção Permanente (APPs), na beira da água e nas encostas dos morros. O assunto inflama os produtores rurais. Eles afirmam que uma fazenda cortada por um rio a inviabiliza comercialmente. “Tem fazendeiro perdendo metade da fazenda”, observa Otacílio. Maurício defende excluir do cálculo a área já desmatada. “Desmatamento está fora de moda.”
Carlos argumenta que em regiões cujas terras já foram bastante fracionadas pelas heranças sucessivas, como Uberlândia, onde segundo ele a área média é de 50 hectares, o conceito de 20% dentro de cada propriedade não faz sentido. “São pequenas moitas de mata sem corredor de ligação. Que bicho vai viver em moita de 2 hectares? Não dá sustentabilidade nem para a flora nem para a fauna.” Externando uma opinião também bastante comum entre os produtores rurais, Carlos continua: “A quem interessa gravar 20%? Aos nossos concorrentes lá fora, que já devastaram tudo. Sabem que somos competitivos e quanto mais puderem nos atrapalhar, vão infernizar, através de ONGs financiadas por eles. O governo não reage a essa intromissão.”
O consultor ambiental diz que deveria haver um zoneamento agrícola que liberasse da reserva legal “regiões antropizadas (muito modificadas pelo homem), com alta vocação agrícola, como o Triângulo Mineiro” e preservasse “regiões de baixa vocação, como Mato Grosso”.
À pergunta sobre que candidato à presidência se mostra mais sensível a todas essas questões levantadas por eles, os produtores rurais dão respostas diversas. José Luís diz que ainda é preciso estudar o perfil dos candidatos. Carlos e Wagney não têm dúvida de que o candidato com maior “afinidade” com os produtores é José Serra. Maurício contesta: “O PSDB governou do mesmo jeito (que o PT) oito anos.” Ele defende o governo Lula: “O partido do qual tinham medo fez mais do que o governo Fernando Henrique Cardoso no crédito agrícola.”
Carlos rejeita a abordagem partidária: “Temos de ver daqui para a frente o indivíduo mais apropriado.” Ele responsabiliza o governo pelas invasões: “Que segurança jurídica temos no campo? Não adianta ter crédito sem segurança. Esse governo não traz nenhuma tranquilidade. Esses movimentos são uma praga.” A fazenda vizinha à de Carlos, na região de Água Limpa, foi invadida. “São massa de manobra do governo. Usam esse povo. É desumano”, acusa ele. “Não querem produzir. Vendem (o lote) e vão invadir outra.” Ele estima que, na sua região, 90% dos assentados não são os originais: compraram de outros. “Ofereceram-me dez lotes.”
Wagney associa o problema a Dilma Rousseff: “Conhecemos a peça muito bem. Foi guerrilheira. O passado dela não merece a confiança do setor.” Maurício também se revela pessimista: “Vai ser pior.” Os produtores torcem para que a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), não seja vice de Serra. Não porque não gostem dela. Pelo contrário: “Precisamos dela aqui.” No dia em que o Estado esteve no sindicato, um ônibus com 38 produtores sairia de Uberlândia rumo a Brasília, para participar do movimento Paz no Campo, liderado pela senadora.