General libanês organiza resistência contra a Síria

Exilado em Paris, Michel Aun apela por unidade dos libaneses e anuncia seus planos para o futuro, em entrevista exclusiva

Os 40 mil soldados sírios no Líbano não compõem uma força de paz, mas de ocupação. É o que afirma o general cristão maronita Michel Aun, expulso de seu bastião no leste de Beirute em 1990, exilado por dez meses na embaixada francesa em Beirute, e finalmente autorizado a deixar o país. Desde então, vive exilado em Paris.

Em entrevista concedida por telefone ao Estado, o general, que se mantém praticamente incomunicável, lembra as circunstâncias em que deixou o Líbano e descreve seus planos para o futuro. Segundo fontes ligadas a Aun, seus partidários organizam em todo o mundo, junto às comunidades libanesas, a Frente Nacional de Libertação do Líbano, movimento de resistência ao regime pró-sírio instalado em Beirute.

Aun, de 57 anos, comandava o Exercito libanês em setembro de 1988, quando o presidente Amin Gemayel o nomeou (irregularmente) chefe do governo e saiu do país. Mas o primeiro-ministro Selim Hoss, muçulmano sunita e apoiado pela Síria, negou-se a renunciar. Comandando de 10 mil a 20 mil soldados, Aun enfrentou as tropas sírias, que o cercaram no setor leste de Beirute, resistindo por mais de dois anos a intensos bombardeios.

Em outubro de 1990, em plena crise do Golfo, na qual a Síria se alinhou com EUA e França (até então os principais empecilhos a uma ofensiva total contra Aun), os sírios finalmente tomaram o setor cristão. Aun fugiu num tanque, asilando-se com a mulher e as três filhas na embaixada da França. De lá só pôde sair em agosto de 1991, após concordar em entregar US$ 32 milhões ao governo libanês: segundo seus partidários, o dinheiro provinha dos libaneses que vivem no exterior; de acordo com o governo do presidente Elias Hrawi, ele havia sido desviado dos cofres públicos.

Estado – O sr. tem planos de voltar para o Líbano?

Michel Aun – O sr. sabe que a situação política atualmente é excepcional. Eu não fui expulso pelo povo libanês. Tive de deixar o país por força de uma invasão militar síria. É uma conjuntura estranha ao Líbano que se impõe sobre ele. Espero uma mudança dessa conjuntura – e trabalho por isso – para que eu possa voltar. Sob a influência pró-síria, os meios de comunicação criaram uma imagem que não é real. Não fui deposto, e sim expulso pelas tropas estrangeiras. O povo libanês permanece fiel a minha ação política e exige meu retorno.

Estado – Como são suas relações com o governo francês e sua vida em Paris?

Aun – Como o sr. sabe, antes de minha vinda para cá eu fiquei na embaixada francesa, mantendo negociações. E minha vinda resultou de um acordo secreto entre os governos francês e libanês. Eu vivo aqui em segurança, muito bem protegido, e levo uma vida familiar, bastante discreta. Eu busco aqui corrigir a imagem que pode estar um pouco distorcida. A mídia hoje em dia não realiza pesquisas aprofundadas, e explica apenas as coisas como parecem ser, de modo que estou tentando expor a situação real do Líbano.

Estado – Como teria sido possível a pacificação do Líbano sem a participação da Síria?

Aun – Esta é uma imagem extremamente falsa, pois é justamente a Síria que mantém tropas no Líbano. O Exército sírio se impõe sobre o do Líbano, que tem poucos soldados. Portanto, a pacificação do Libano começa pela expulsão dos sírios.

Estado – Qual é atualmente o peso político dos maronitas no jogo de forças libanês?

Aun – Eu não falo em nome dos maronitas. Eu sou maronita, mas a minha atuação política não se restringe aos maronitas. Libaneses de todos os grupos religiosos resistem à ocupação, e querem restabelecer a situação em que podíamos resolver nossos problemas entre nós, e não por meio da intervenção estrangeira. Esta é uma outra imagem falsa: freqüentemente se tem tentado apresentar o problema libanês como um problema entre comunidades. Não é verdade. O grande problema é que o Líbano foi desestabilizado por seus vizinhos. Falsamente foi dada a essa desestabilização a imagem de uma guerra civil entre grupos religiosos. É verdade que houve grupos religiosos que tomaram parte e contribuíram para essa imagem, mas eles não representam a maioria do povo libanês. Os libaneses, em sua maioria arrasadora, deploram o conflito confessional e se sentem como cidadãos do Líbano.

Estado – O sr. se coloca então a favor do fim do sistema confessional?

Aun – Acho que o sistema confessional cumpriu o seu papel nos últimos 70 anos, desde o ano de 1923. Nós precisamos agora, como já propus, de uma nova Constituição, baseada, de um lado, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e, de outro, levando em conta a especificidade da sociedade libanesa. O que implica uma nova estruturação do Estado libanês. É muito possível, muito fácil de fazê-lo. O que torna a situação complicada é a ingerência externa. O objetivo de meu banimento é impedir os libaneses de encontrarem um símbolo em torno do qual possam se reunir para buscar as soluções internamente.

Estado – O que o sr. acha da tese de que o Líbano corre o risco de desaparecer como Estado?

Aun – O Líbano, certamente, no cálculo do jogo das nações, pode correr o risco de desaparecimento. Mas é uma civilização antiga, com 7 mil anos, e ninguém conseguiu nos absorver através da História. Portanto, seria impossível engoli-lo, e se fosse engolido seria impossível digeri-lo, tem-se de vomitá-lo. Esta é uma verdade histórica que advém da aurora da humanidade.

Estado – O sr. acredita numa solução de cantões ou algo do tipo?

Aun – Isto deve ser uma conseqüência das negociações entre as partes presentes no Líbano. Talvez possamos escolher essa saída, talvez façamos algo diferente. Não sou a priori nem contra nem a favor. Isso deve ser negociado entre todos os libaneses.

Estado – O sr. não acha que os cristãos perderam uma chance ao boicotar as eleições de 1992?

Aun – Aí está outra idéia falsa, que precisa ser retificada. O sr. sabe que os cristãos são considerados minoria no Líbano. Ora, 87% dos eleitores aderiram ao boicote. Esta é a verdadeira cifra. Portanto, não foram só os cristãos que boicotaram as eleições, e sim todo o povo libanês. O Parlamento imposto pelos sírios nunca será legítimo. É um fantoche nas mãos do ocupante, o boicote não foi cristão nem maronita, mas libanês. Portanto, fomos bem-sucedidos, pois não podemos legitimar um regime que foi imposto ao Líbano pela ocupação. E a votação resultou numa vitória do boicote.

Estado – Como são os contatos entre o sr. e os libaneses dentro e fora do Líbano?

Aun – Atualmente estamos nos organizando no mundo todo. Em alguns países já existe uma estruturação bastante avançada, pela qual os membros da diáspora libanesa no mundo participam da liberação do Líbano, pelo cumprimento das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas…

Estado – …aqui o sr. fala também da ocupação israelense (no sul)?

Aun – Exatamente. Há uma dupla ocupação no Líbano. E a ocupação síria se manifesta por atos de violência, com a finalidade de aterrorizar a população que se revolta contra o ocupante. O Exército libanês está sob controle sírio. E por meio do sr. eu gostaria de fazer um apelo à comunidade de origem libanesa no Brasil, para que se una em torno da idéia de liberação do país. Eu apelo mais uma vez: uniidade, unidade e unidade!

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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