Agricultores familiares aprovam programas, mas cobram preço mínimo

Eles se queixam de arcar com ônus dos alimentos baratos, vendidos abaixo do custo, e da falta de propostas dos candidatos para o setor

 

RIO DO SUL – Nos acostamentos das rodovias federais que cortam o Alto Vale do Itajaí, há um intenso tráfego de tratores de grama puxando pequenas carretas de madeira, que carregam gente e os produtos da região – arroz, milho, feijão, leite, cebola, melancia e outras frutas e verduras. São o símbolo da agricultura familiar que há gerações ocupa terras com áreas médias de 20 hectares, onde predominam descendentes de alemães e de italianos. Suas pequenas produções ganham escala na Cooperativa Regional Agropecuária Vale do Itajaí (Cravil), que reúne 3.500 produtores de 36 municípios.

Numa tarde ensolarada de terça-feira, oito integrantes da Cravil – sete descendentes de alemães e um de italianos -, de diversos municípios da região, sentaram-se numa ampla sala de reuniões da sede da cooperativa, em Rio do Sul, a 200 km de Florianópolis, para conversar com o Estado. Na faixa de idade de 39 a 69 anos, seu ponto de vista é inevitavelmente emoldurado pelos êxitos e fracassos de seu negócio: a produção de alimentos para o mercado interno.

“Não podemos dizer que esse governo foi ruim”, começa Frederico Seyffert, de 61 anos. “Só que, como pequenos produtores, tivemos diversos problemas. Com os preços baixando e subindo, tivemos dificuldade de pagar os empréstimos.” Pedro Locks, de 51 anos, acrescenta: “O pequeno produtor não tem certeza de que vai poder honrar seus compromissos.” Ele recorda que o pior ano foi 2008: “O preço do adubo estava muito alto e entramos muito descapitalizados.”

Harry Dorow, de 63 anos, produtor de leite em Itajaí e presidente da cooperativa, explica que os produtores precisariam de garantia do governo para vender seus produtos pelo preço da produção, e não pelo preço de mercado da cesta básica, que fica abaixo do custo. “Esse preço não sustenta o pagamento do crédito.”

“Se o governo estabelecesse o preço mínimo com garantia, estaria desempenhando o papel de governo”, define Harry. Ele lembra que os produtores tiveram essa garantia durante os governos de José Sarney e de Fernando Henrique Cardoso. Harry explica que os sucessivos governos têm mantido, no papel, uma política de preços mínimos, pelo mecanismo da Aquisição do Governo Federal (AGF). Mas diz que, na prática, as compras, a cargo da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), atingem um “volume muito irrisório”.

Os produtores reconhecem as virtudes de algumas iniciativas do governo. Segundo Pedro Locks, um programa que ajuda muito é o Mais Alimento, que dá dois anos para pagar máquinas agrícolas, com 3% de juros ao ano e dois anos de carência. Já Moacir Warmling, de 43 anos, agrônomo da Cravil, cita o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), destinado ao custeio e ao investimento.

Mas insiste que, se não tem garantia de preço, o produtor compra sementes a um preço alto, na entressafra, e vende sua produção a um preço reduzido pela oferta abundante no período da safra. “Não tem como pagar”, conclui Moacir. Além do preço mínimo baseado no custo da produção, o agrônomo acha que o governo deveria estipular uma “renda mínima para o produtor”. É apoiado por todos.

Os produtores sentem que estão arcando com o ônus pelo preço baixo dos alimentos no Brasil, enquanto enfrentam o preço alto dos insumos, que varia de acordo com o mercado internacional. Segundo Harry, 70% dos alimentos da cesta básica são produzidos pela agricultura familiar. “(O preço baixo) é bom para quem compra comida, mas é ruim para quem produz”, observa Adílson Stédile, de 39 anos, o único “italiano” do grupo. “É bom em termos, porque pode faltar no ano seguinte”, pondera Pedro, referindo-se à falta de estímulo para plantar.

O Bolsa-Família também é visto desse ângulo. “É uma maneira de escoar a produção e dar alimento aos que precisam”, analisa Harry. “Em si, não é ruim. Mas o agricultor, com sua renda baixa, está sustentando esse tipo de programa via alimento barato.” Segundo ele, “com o tratamento que a agricultura vem recebendo ao longo dos anos, não só nesse governo”, 1% dos agricultores tem abandonado suas terras a cada ano. “Muitos vão morar na favela, precisam de alimento e recebem Bolsa-Família”, diz ele, desenhando um círculo vicioso.

O problema, concordam todos, não é a capacidade de produzir, mas de gerar renda. Isso fica patente no êxodo dos jovens, filhos dos agricultores, que deixam suas terras em busca de oportunidades nas cidades. “Na grande maioria das famílias, a idade média passa dos 50”, estima Baldoíno Schütze, de 63 anos. “(Nossa terra) está virando dormitório”, sorri Henrique Backmeier, de 65. “Como veem que não conseguem renda adequada na produção, os filhos vão para a cidade, procuram outro tipo de trabalho e continuam morando com os pais”, explica Harry.

Frederico tem uma filha e um filho com mais de 30 anos, e um sobrinho de 38 que ele criou, que trabalham nos 33 hectares de terra dele em Pouso Redondo, dos quais 24 hectares de arroz. Já as outras duas filhas com menos de 30 trabalham na cidade – uma casou-se e foi para Manaus. Ele ainda arrenda as terras de três vizinhos: um tem filho farmacêutico, outro tem duas filhas que estudaram direito e o terceiro tem filhos pequenos e não mora na terra.

O filho de Pedro de 26 anos formou-se em direito e está indo trabalhar em Indaial, a 70 km de Rio do Sul; o outro, de 23, tem oficina de eletrodomésticos. A agricultura familiar da região já enfrenta grande dificuldade de encontrar mão de obra. Trabalhadores vêm de Pernambuco para a colheita do algodão.

Eles se queixam também da situação das estradas para escoar a produção. “A BR-470 não tem nem acostamento”, diz Pedro. Ela liga a região ao oeste de Santa Catarina, onde se concentra a indústria do Estado, e aos portos de Itajaí e Navegantes. “A BR-282 até um tempo atrás estava feia, agora está boa”, observa Baldoíno, referindo-se à outra estrada federal que dá acesso à região. “O novo governo deveria incrementar a estrada de ferro e a navegação fluvial”, opina Harry. “Diminuiria nossos custos de transporte e escoamento da produção.”

Outra preocupação dos agricultores é com as exigências ambientais. Segundo eles, as normas do Código Florestal Brasileiro – 20% de reserva de mata legal mais as Áreas de Preservação Permanente (APPs), que são as encostas de morro e as beiras de água – não são aplicáveis na região.

“Aqui tem muitas nascentes, rios que cruzam a propriedade inteira”, explica Henrique, que admite que já foi multado em sua propriedade de 47 hectares, em que produz milho, feijão e leite. “Se for respeitar, fica inviável.” Baldoíno diz que nunca foi multado, mas ameaçado: “O agricultor é tratado como bandido. A polícia vem com fuzil até. Comprou, pagou, e de repente não pode usar.” Os agricultores acham que deveriam ser remunerados pelo serviço ambiental de manter as matas.

À pergunta sobre qual foi a melhor fase para os agricultores. Baldoíno responde que para ele foi o começo do governo de Fernando Henrique Cardoso, quando o dólar estava em paridade com o real e os preços dos seus produtos faziam frente aos custos dos insumos, que têm um componente cambial. “Investi a partir de 1996 e consegui fazer muita reserva em seis anos. Depois, foi embora.”

Harry explica: “Como o agricultor familiar produz a cesta básica para o mercado interno, a valorização do real é importante.” Frederico complementa: “Os insumos ficaram muito caros em relação aos produtos nos últimos anos. Tivemos problemas antes desse governo, mas nos últimos anos vêm se agravando.”

“Os defensivos dobraram de preço”, afirma Henrique. Em contrapartida, ele diz que há oito anos vendeu milho a R$ 25 a saca e hoje vende a R$ 15. Harry observa que “os sucessivos governos se preocuparam muito pouco em diminuir a dependência do Brasil de insumos importados”, como fertilizantes e matéria-prima para defensivos. “Foi um dos grandes equívocos de (José) Sarney, (Fernando) Collor, FHC e Lula”, diz ele. “Lula só recentemente anunciou que a Vale do Rio Doce e a Petrobrás iam explorar fósforo e potássio.”

Eles acham cedo para escolher o candidato. “Só posso dizer que vou votar no candidato”, brinca Frederico, excluindo Dilma Rousseff e Marina Silva.


Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*