Eles enfrentam o frio, as montanhas e até a lei em busca de uma pedra que mude suas vidas
HA LEJONE, Lesoto – É meio-dia, e Lucas Lisia está agachado numa curva da estrada, descansando antes de completar a caminhada de três horas entre a sua casa e o garimpo de diamante, na cadeia de montanhas do Moluti, no nordeste do Lesoto. Envolto no seu tradicional kobo, o cobertor de lã que todos os habitantes das montanhas levam consigo, ele olha para a neve fina que paira sobre a área do garimpo. O vento do vale do Rio Motete é tão forte que empurra os flocos de neve no sentido horizontal, impedindo-a de cair.
Habituado a essas paragens inóspitas, 3.090 metros acima do nível do mar, e encorajado pela carona inesperada na caminhonete da equipe do Estado, Lisia, de 39 anos, segue para a cabana que aluga por 30 rands (U$ 4) ao mês, no vilarejo de Motete, onde acampa durante a semana, ainda a uma hora de caminhada do garimpo. Lisia conta que não tem outro sustento.
De abril de 2009 para cá, ele encontrou quatro pedras de meio carat. Vendeu três por 500 rands (US$ 67) cada, e espera comprador para a quarta pedra. O preço de 1 carat (equivalente a 200 miligramas) da qualidade mais inferior no mercado internacional não costuma ficar abaixo de US$ 2 mil, mas os garimpeiros das montanhas do Moluti, o lugar mais remoto do Lesoto, um reino independente encravado na África do Sul, vendem seus achados pelo preço que os compradores que se aventuram até aqui se dispõem a pagar.
Ele retribui a carona com um gesto de extrema confiança, num lugar em que os homens só saem de casa empunhando o seu olabu, a lança tradicional dos basothos (grupo étnico que habita o Lesoto): retira de dentro de seu alforje de pele de cabra e expõe nas mãos espalmadas a lasca de diamante para a qual procura comprador e a pedra de rubi que ainda precisa juntar com muitas outras para poder vender.
Lisia garimpa na encosta da montanha com picareta . Já Edward Peter Motlalepula, de 29 anos, tenta a sorte nas águas semi-congeladas do Rio Kao. Filho de garimpeiro, ele afunda com presteza a pá na areia pedregosa, repleta de kimberlito, o minério cor de chumbo que indica a presença de diamantes, para depois peneirá-la e remexê-la com um graveto em busca do brilho inconfundível do diamante. O último mês foi dos piores para Motlalepula: encontrou apenas fragmentos de diamantes, que lhe renderam 300 rands (US$ 40). Um mês muito bom rende 5 mil rands ( US$ 670).
Os garimpeiros do Moluti sustentam suas famílias poupando nos meses bons e gastando nos ruins. No balanço, permanecem sem nada. A vida deles se tornou muito mais difícil a partir de 2003, quando o governo do Lesoto começou a entregar concessões de exploração das minas de diamantes para empresas. O garimpo artesanal tornou-se ilegal. Seguranças contratados pelas concessionárias e a polícia perseguem os garimpeiros nas encostas das montanhas e nas beiras dos rios.
Antes um simples exportador de mão-de-obra barata para as minas sul-africanas, o pequeno país de 1,9 milhão de habitantes (metade dos 3,9 milhões de basothos da África do Sul) e 30 mil km² (equivalente ao Estado de Alagoas) do rei Letsie III, que se tornou independente da Inglaterra em 1966, firma-se lentamente como produtor de diamantes e potencialmente de outros minérios. Na mina de Letseng, uma das quatro concessões da cadeia do Moluti, foram encontradas as três maiores pedras de diamantes do mundo nesta década, de 215, 125 e 95 carats. Letseng produziu nos últimos anos 60% dos diamantes brancos grandes de alta qualidade do mundo.
A crise internacional abalou as exportações e levou em 2008 à suspensão das operações de uma das minas, a Liqhobong. Os cerca de 300 empregados foram dispensados. A mina deve retomar o trabalho no ano que vem. Desempregado desde então, o gemólogo Mohale Moima, de 38 anos, que fez curso em Johannesburgo de polimento e avaliação de diamantes, espera ser chamado para uma mina nova no Moluti.
A esperança de muitos garimpeiros é empregar-se numa dessas minas. Thabang Selumi, um operador de britadeira de 65 anos, alugou do dono de uma van que transporta trabalhadores uma cabana por 100 rands (US$ 13) por mês na beira do Rio Kao, na esperança de ser chamado pela mina de mesmo nome instalada numa montanha ao lado. As minas recrutam os moradores locais por cerca de mil rands (US$ 130), a metade do salário mínimo do Lesoto, de 2 mil rands. “Eles prometem chamar, mas nunca chamam”, impacienta-se Selumi, que vive de reparar sapatos. Enquanto espera, ele tenta a sorte na beira do rio. Até aqui, encontrou apenas um punhado de pedras de mercúrio e de cristais.
Muitos moradores do Moluti combinam o garimpo com outras atividades. O marceneiro Michael Rakhoabe, de 49 anos, começou recentemente a fazer caixões na sua cabana de paredes de paus amarrados e enchidos com estrume de vaca e barro, e teto de palha de trigo – conforme a técnica de construção da região -, e com uma horta de repolhos na frente. Ele conta que fez quatro e vendeu dois, um por 900 rands (US$ 120) e outro por 800 (US$ 106).
Rakhoabe lembra-se de ter encontrado 1 carat em 1991, que vendeu na época por 600 rands. Sekhoane Sesefo, de 70 anos, ainda fala de uma pedra de 1 carat que encontrou em 1971, e vendeu por 600 rands. Achados distantes como esses povoam os sonhos dos moradores de Moluti e os motivam a enfrentar o frio do inverno no garimpo.
A maioria, no entanto, vive das plantações de milho, batata e trigo e da criação de ovelhas, cabras e gado. É época da colheita de milho, e as estreitas e pedregosas estradas do Moluti, que serpenteiam nos desfiladeiros da cadeia de montanhas, vivem um grande movimento de jumentos carregando sacos de espigas. Os lavradores seguem a pé, com seus cobertores e gorros de lã. Há também um intenso ir e vir de rebanhos, que se juntam no armazém de Ha Lejone, onde são comprados em escala maior e, em grande parte, exportados. O diamante representa apenas 7% do Produto Interno Bruto do Lesoto. É provável que no futuro essa relação mude. Mas hoje o Lesoto segue sendo um país remoto, agrícola e pastoril, com um grande tesouro submerso.
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