Presidente do Ibama diz que licenciamento de Belo Monte é o mais difícil de sua carreira e considera normal a pressão de ministros e executivos
Há um mês, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, marcou data para conclusão do licenciamento ambiental da hidrelétrica Belo Monte, no Pará: 16 de novembro. Foi o clímax das pressões do governo – ou de sua ala “desenvolvimentista”. Em reação, o coordenador de Infraestrutura de Energia do Ibama, Leozildo Tabajara da Silva Benjamin, e o diretor de Licenciamento, Sebastião Custódio Pires, deixaram os cargos.
Até hoje, a análise de Belo Monte, iniciada há pouco mais de seis meses, não foi concluída, derrubando todos os prazos do governo. “Minha vida está dura”, confessa o presidente do Ibama, Roberto Messias Franco. Em entrevista ao Estado, ele conta que se reuniu na terça-feira com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recomendou não protelar, mas também que “vale a pena perder alguns dias, meses que sejam, para ter uma coisa de qualidade incontestável.”
Trabalhando com licenciamento ambiental há 35 anos, Messias considera Belo Monte o caso “mais difícil” de sua carreira. Ele diz que o quadro de funcionários do Ibama será reforçado e explica os riscos do projeto. Messias considera “normais” a pressa e as pressões, diz que recebe telefonemas de ministros e executivos de empresas, mas avisa: “Se ele é o Lobão Mau, não sou a Vovozinha”.
Quantas pessoas o Ibama tem para fazer licenciamento?
Cerca de 300.
Precisaria de quantas?
Se tivéssemos 600, seria muito melhor. Este mês temos autorização do Ministério do Planejamento para pegar mais 100 pessoas de um concurso recente e dessas, 50 vão para licenciamento. Passaremos para 350. Se o Brasil continuar crescendo do jeito que está, além de mais gente, precisaremos, principalmente, de gente treinada, bem paga e com equipamentos de sensoriamento remoto. O salário inicial é de R$ 4 mil, enquanto na Agência Nacional de Águas, é por volta de R$ 9 mil; na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), R$ 10 mil; a Polícia Rodoviária começa com R$ 6 mil. Perdemos técnicos de nível superior, engenheiros bem preparados, para ser guarda rodoviário, que paga melhor. O Ministério do Planejamento tem prometido implantar o plano de carreira, com aumento de salários com o tempo, com mestrado, doutorado, etc.
Entre a gestão anterior, da ministra Marina Silva, e a atual, houve aceleração dos licenciamentos?
Eu participei das duas (era diretor de Licenciamento). Nosso trabalho está melhorando continuamente, porque as pessoas vão aprendendo com a prática. Quando vim como diretor de Licenciamento, em 2007, já havia grande quantidade de processos, um acúmulo de atrasos. Tivemos o concurso de 2008 e dissemos: “Vamos acelerar isso”. Mas essa aceleração não pode perder qualidade. Esse é o desafio.
Vocês sofrem pressão?
Todos os empreendedores, públicos ou privados, do dono de padaria até a maior hidrelétrica ou a Petrobrás, no dia seguinte à apresentação do projeto começam a querer: “Cadê o meu?” E é normal. Por outro lado, você tem setores organizados da população, ONGs, Ministério Público, dizendo: “Não dê de qualquer jeito. Olhe os marcos legais”. E a gente não pode abrir mão de jeito nenhum, senão está expondo o próprio sistema.
Como está sendo o processo de Belo Monte?
Trabalho com licenciamento há 35 anos. Belo Monte é o caso mais difícil da minha vida. É um projeto grande, num grande rio (Xingu), na Amazônia, uma área visada pelo mundo inteiro, que o Brasil tem de descobrir uma maneira de explorar sem destruir, e com população organizada para resistir a uma série de crueldades do próprio sistema de ocupação. Há 20 anos, o projeto era um; foi transformado em outro para não atingir terra indígena e melhorou em muitos aspectos, mas, por outro lado, barra um rio grande, numa cidade (Altamira) que também cresceu muito nos últimos anos. Há algumas semanas eu conversava com o bispo de Altamira, Erwin Krautler, que dizia que quando chegou lá (há 44 anos), havia 4 mil pessoas; hoje, tem 70 mil. Então, ele tem uma preocupação legítima: e se vier mais gente, peões, com a construção? Tem razão em querer um plano de assistência social para essas pessoas.
Quais são os principais riscos de Belo Monte?
Os principais problemas que estamos discutindo no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) são: primeiro, na Volta Grande do Xingu, vai ter um trecho de 100 km cuja vazão ficará reduzida para usar a água para gerar energia. Estamos vendo quantos peixes e plantas e quantas espécies serão afetadas, e o que fazer para que o impacto seja o menor possível. Segundo, a qualidade da água na área alagada até perto de Altamira. Formar um lago em si não é ruim: as pessoas podem nadar, pescar, produzir. Entretanto, tem de provar que esse lago será de boa qualidade. Terceiro, as cerca de 12 mil pessoas que moram lá, em palafitas, beiras de igarapés, sem saneamento básico, devem ser reassentadas em condições melhores que as de hoje. O presidente Lula faz questão de dizer que as pessoas não podem ser arrancadas do lugar, mas recolocadas onde a vida pode ser melhor. Vai exigir novos bairros, novas cidades, com assistência, casas, estrutura. Na época do governo militar, saía a trator ou a bala, e tem muita gente traumatizada dizendo que vai ser igual. Só vamos dar licença se for mostrado que vai ser diferente.
Quanto tempo já dura esse licenciamento?
O último EIA tem pouco mais de seis meses que está no Ibama. Mas estamos conversando com a Eletrobrás, que é o empreendedor, desde o fim do ano passado, quando eles tiveram o termo de referência, ou seja, o que é importante.
É muito tempo?
Não, não é nada exagerado para um projeto dessa monta. Está sendo cauteloso. Tem de ter o diálogo. Vai chegar um momento em que vamos poder dizer: “Pode, não pode” e, principalmente, se puder, quais as condições para ser feito. Senão, o Ibama não dá a licença.
E quando sai?
Anteontem (terça-feira) me encontrei com o presidente Lula, que me recomendou cautela; que não tivesse exagero protelatório – e não vai ter -, mas tivesse todo o cuidado, porque é muito melhor, ainda que tome tempo, fazer a análise com cuidado e profundidade, dialogando com as pessoas que possam sentir-se afetadas, mostrando o porquê. Palavras dele: “Vale a pena perder alguns dias, meses que sejam, para ter uma coisa de qualidade incontestável”. E é isso que vamos fazer. Não adianta ter uma licença que, por ter uma dúvida não respondida, no dia seguinte possa cair, ser impugnada. Minha vida está dura. Não tem ninguém me invejando neste momento.
Do governo, quem telefona para o sr.? Lobão, Dilma (Rousseff, da Casa Civil) já telefonaram?
Todos já telefonaram: Lobão, Dilma, ministros da Pesca, da Agricultura, das Cidades, dos Transportes. Minha reação é muito cordial porque eu compreendo a pressa, num país extremamente atrasado na sua infraestrutura. A impaciência é de fazer coisas. O grande desafio é fazer esse desenvolvimento de forma sustentável.
Lobão pediu desculpas?
Para mim, não. Ele não me fez nada pessoalmente. Tem gente que acha que ele é o Lobão Mau; como não sou a Vovozinha, não tem problema.