População acha que agora seu país poderá superar a estagnação da economia
PRISTINA – A virulenta manifestação de ontem em Belgrado contrasta fortemente com a atmosfera em Pristina, capital de Kosovo. Na cidade de 600 mil habitantes, o clima é de celebração e expectativa em relação a um futuro melhor. Nas vitrines das lojas e nos telhados das casas, o fundo vermelho sob a águia preta da bandeira da Albânia simboliza a afirmação da identidade albanesa dos kosovares, que ainda não tiveram tempo de confeccionar a sua nova bandeira, azul com o mapa do território e cinco estrelas na cor amarela, apresentada no domingo, depois da proclamação da independência.
O governo está organizando um concurso para um hino nacional, e os kosovares albaneses, fanáticos por futebol, já sonham até em ter uma seleção. “Vamos ser campeões europeus”, garante Qerim Shehu, 27 anos, residente de medicina num hospital de Prizren, 74 quilômetros ao sul de Pristina. No início da noite de ontem, Shehu festejava a independência com os amigos numa happy hour no moderno Publicco, bar da moda do centro da capital. “Não sei como será o futuro, mas estou otimista”, disse Shehu. Ele não teme a reação dos sérvios: “Antes da independência, eu esperava uma reação muito mais forte. Agora, estou tranqüilo.”
Seu amigo Jeton Nezaj, de 29 anos, conta que não tem nenhum amigo sérvio. “Não vejo nenhum há muito tempo.” À pergunta sobre se não receia o isolamento de Kosovo, Nezaj, que faz mestrado em direito internacional, responde: “Sabemos que a independência é um desafio, mas temos que trabalhar passo a passo pela paz. Tivemos cem anos de guerras. Já esperamos muito tempo.”
Seu irmão, Hamza, de 39 anos, veio de Zagreb para celebrar a independência. Ele mudou-se para a capital da Croácia há dez anos. “Kosovo estava sob ocupação sérvia, e fui obrigado a me mudar porque não conseguia encontrar trabalho”, recorda Hamza, que hoje tem uma padaria em Zagreb.
O médico Erzen Hassani, de 42 anos, conta que se formou em Sarajevo, capital da Bósnia, em 1991, estudou mais dois anos em Londres e, quando voltou a Kosovo, não encontrou emprego, segundo ele por ser de etnia albanesa (assim como 90% da população da ex-província sérvia). O mesmo aconteceu com seu irmão, engenheiro, e com muitos outros profissionais formados que ele conhece, diz Hassani, casado com uma médica. Ele e o irmão tiveram que abrir uma loja de roupas para sobreviver. Hoje, têm quatro.
“Estamos perplexos com a independência”, diz Hassani. “Era esperada, mas foi adiada tantas vezes. Sabe quando acontece uma coisa tão boa que você tem dificuldade de assimilar?” Para ele, Kosovo poderá agora superar a grave estagnação da economia – o desemprego está na casa de 50% – fazendo contato direto, como país, com organismos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Ele também não se preocupa com a Sérvia. “Se impuserem um embargo, sairão perdendo, porque são eles que exportam para nós, e podemos importar de outros países”, raciocina.
“É como se tivessem tirado um peso, algo muito ruim de cima de mim”, descreve Sanie Bireva, estudante de direito de 29 anos. “Vou ter trabalho melhor, uma vida melhor, porque Kosovo vai ser membro da União Européia”, espera ela. Depois que a Otan expulsou os sérvios, em 1999, e a ONU assumiu a administração da província, os kosovares passaram a usar um documento de identificação e de viagem emitido pela Unmik, a missão das Nações Unidas, que só é aceito na Albânia e na Macedônia. Para todos os outros países, é necessário visto, que as embaixadas dificilmente concedem. “Vou poder viajar”, sonha Sanie. “Mas só vou visitar os países que reconhecerem Kosovo.”
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