Líderes africanos e sul-americanos discutem laços entre as regiões
PORLAMAR, Venezuela – Chefes de Estado e de governo da América do Sul e da África aprovaram ontem à noite uma resolução exigindo o “regresso incondicional e imediato” de Manuel Zelaya à presidência de Honduras e a obediência das normas da Convenção de Viena sobre a “inviolabilidade das missões diplomáticas e a segurança das pessoas que se encontram nelas”, em referência à Embaixada do
Brasil em Tegucigalpa, que abriga Zelaya desde segunda-feira. Participam da 2ª Cúpula dos Países da América do Sul e África, neste fim de semana na Ilha de Margarita, Venezuela, representantes de 65 países.
“Em todas as partes aonde formos, temos de rejeitar com muita força (a deposição de Zelaya) e a agressão ao Brasil, lançando gases tóxicos contra a embaixada”, disse o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, também protestou contra os
ataques do governo de facto hondurenho à embaixada, que foi cercada pelas forças de segurança e teve o fornecimento de água, eletricidade e comida cortado em alguns momentos. “Nem durante a ditadura do (general Jorge) Videla na Argentina nem a do (general Augusto) Pinochet no Chile se viu um nível de agressão como o que há com a Embaixada do Brasil”, disse.
Terceiro a discursar, depois de Chávez e do dirigente líbio Muamar Kadafi, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva juntou-se aos outros líderes na retórica anticapitalista. “Demorou muito para que nos déssemos conta de que podemos criar mais oportunidades para nós do que os países ricos”, lamentou Lula. “Não há melhor resposta à crise que a integração.” Ele salientou que os países da cúpula representam a maioria nos organismos multilaterais, mas não conseguem fazer prevalecer suas vontades.
Lula disse que no encontro do G-20, do qual participou na sexta-feira em Pittsburg (EUA), ele, Cristina Kirchner e o presidente África do Sul, Jacob Zuma, insistiram que “a prioridade não deve ser salvar bancos quebrados, mas oferecer respostas aos milhões que perderam seus empregos”. E postulou: “A mão invisível do Estado deve ocupar o vazio especulativo deixado pela mão invisível do mercado.”
O presidente brasileiro também propôs a realização de uma cúpula dos países amazônicos em novembro em Manaus, como preparativo para a reunião sobre mudanças climáticas no mês seguinte em Copenhague, e voltou a defender o direito dos países em desenvolvimento de emitir poluentes para se industrializar.
O governo brasileiro ainda distribuiu o livro América do Sul e África – um Olhar Próprio, editado pela Fundação Alexandre Gusmão, com perfis dos países africanos e sul-americanos. O presidente Lula estava acompanhado de seu assessor especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia. O chanceler Celso Amorim cancelou sua participação e foi para o Rio, por causa da morte de sua sogra.
Kadafi, que está completando 40 anos à frente do regime líbio, propôs a criação de uma “Organização do Tratado do Atlântico Sul”, em contraposição à Otan, a aliança do Atlântico Norte. O ditador líbio, que visita a América Latina pela primeira vez, argumentou que o Atlântico Norte está “integrado”, mas no Sul há um “vazio”. E deu uma conotação mais econômica que militar à aliança: “Temos de fazer uma aliança para garantir ações estratégicas que redundem em benefícios turísticos, comunicação marítima e aérea, gasodutos e oleodutos.”
O líder líbio, cujo regime vem se reabilitando perante o Ocidente após décadas de isolamento, queixou-se do tratamento recebido das potências. “O colonialismo roubou nossas riquezas, humilhou-nos e insultou-nos”, afirmou.“Somos escravos de cinco países do Conselho de Segurança”, observou Kadafi, referindo-se aos EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China. A reforma do Conselho e a obtenção de um assento permanente nele é um dos objetivos do Brasil ao mobilizar blocos como esse.
Chávez queria reunir-se hoje com Lula, depois do encerramento da cúpula, mas o presidente brasileiro, cansado de uma sequência de viagens, esquivou-se. O encontro bilateral ficou para meados de outubro, quando, segundo Chávez, vai ser firmado o acordo final para a refinaria de Pernambuco.
Lula, que firmou ontem à noite o documento de criação do Banco do Sul, desejava voltar para o Brasil logo após o fim da cúpula. Na terça-feira, ele embarca para Copenhague, onde acompanha o anúncio do país-sede da Olimpíada de 2016.