Em entrevista ao ‘Estado’, porta-voz garante que Hamas não vai impor a lei islâmica no território sob seu controle
GAZA – O isolamento físico e político em que a Faixa de Gaza está mergulhando não assusta o Hamas. “Temos planos de contingência para enfrentar esses novos obstáculos”, disse ontem o porta-voz do movimento, Sami Abu Zuhri, em entrevista ao Estado. Ele negou, no entanto, que o Hamas espere ajuda da Síria e do Irã. Para Abu Zuhri, os habitantes da Faixa de Gaza têm o mesmo direito que os da Cisjordânia às receitas dos impostos e à ajuda internacional. O porta-voz do Hamas rejeitou a possibilidade de dois Estados palestinos, e garantiu que a Faixa de Gaza não será submetida às leis islâmicas.
Como o Hamas reage ao estabelecimento do governo de emergência e ao banimento de seus grupos armados?
O governo que acaba de ser formado é ilegal. Não há nada na lei palestina chamado governo de emergência. Esse governo não é representativo perante o Parlamento palestino. Não há governo algum antes de ter seu programa debatido e aprovado pelo Parlamento. Quanto às Forças Executivas, que eles agora declararam ilegais, há decretos presidenciais publicados nos jornais tornando-as legais. Abu Mazen (nome de guerra do presidente Mahmud Abbas) autorizou a sua formação. Portanto, achamos que Abu Mazen assumiu o ponto de vista do Fatah. Ele devia agir como presidente de todos os palestinos.
Como o governo do Hamas poderá sobreviver na Faixa de Gaza isolado política e fisicamente?
Em primeiro lugar, nós do Hamas somos contra qualquer diferenciação entre Cisjordânia e Faixa de Gaza. Se esse fosse nosso objetivo, poderíamos ter feito o governo cair (retirando o apoio da maioria no Parlamento) e formado governo só em Gaza. Foi Abu Mazen quem derrubou o governo de unidade nacional. Não estamos preocupados com embargo. Ele não começou agora. Já havia. A situação pode apenas ficar mais dura. Temos planos de contingência para enfrentar esses novos obstáculos. E os outros perceberão em breve que tomaram decisões erradas.
Vocês contam com apoio do Irã e da Síria?
Não. Acreditamos que toda a assistência financeira internacional que virá para o povo palestino e o dinheiro dos impostos de Israel é direito de todos os cidadãos palestinos, não só da Cisjordânia. Até porque a maioria dos impostos retidos por Israel provém da alfândega no posto de fronteira de Karni, na Faixa de Gaza.
O Hamas foi criticado pelos saques e mortes ocorridos durante a tomada da Faixa de Gaza. Não teria sido possível evitá-los?
O que aconteceu em Gaza foi um passo que fomos obrigados a dar, por causa dos contínuos assassinatos. Fomos obrigados a assumir o controle das instalações das forças de segurança, depois de termos dado uma chance ao Fatah e à delegação egípcia (que tentou intermediar um acordo). Até ontem (segunda-feira), você não podia entrar em Gaza. Se você for agora a Ramallah, não vai testemunhar a situação calma que temos em Gaza. Isso quer dizer que as forças de segurança (comandadas pelo Fatah) eram a fonte do caos e da desordem. Se uma igreja fosse atacada nos Estados Unidos, o Estado não faria nada? Aqui, mesquitas foram atacadas. O que aconteceu não foi um conflito entre o povo, nem entre dois partidos, mas entre o Hamas e um grupo de militantes.
E os saques?
Isso foi iniciativa de algumas famílias, mas, imediatamente depois dos incidentes, controlamos todos os lugares e colocamos todas as instituições sob segurança.
Haverá dois Estados, com Gaza submetida à lei islâmica?
Isso não é verdade. Não queremos estabelecer Estado algum em Gaza. Estamos num período de liberação. O Hamas quer o fim da ocupação. Depois disso, o povo palestino decidirá a forma do Estado. Garantimos que a vida social em casa não vai mudar. Se quiséssemos fazer isso, poderíamos ter feito por meio do Parlamento, no qual temos maioria.
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