Em entrevista exclusiva ao ‘Estado’, neurocirurgião argentino explica as três cirurgias no cérebro do primeiro-ministro
JERUSALÉM – Durante 15 horas, o futuro de Israel – e, em larga medida, do Oriente Médio – esteve literalmente em suas mãos. Argentino de 39 anos, que chegou ao país há apenas cinco, o neurocirurgião José Cohen conduziu as três cirurgias no cérebro do primeiro-ministro Ariel Sharon. A primeira delas, logo após sua chegada, inconsciente, ao Hospital Haddassah, em Jerusalém, na noite do dia 7.
Nascido em Rosario, de família judia originária da Polônia e da Espanha, e trazido por um conterrâneo, Félix Umansky, chefe do Departamento de Neurocirurgia do hospital, Cohen é um especialista em neurocirurgia endovascular, uma subespecialização dedicada a radiologias intervencionistas, por meio de catéteres, balões e stems. Bastante desenvolvida no Brasil e na Argentina, ela não existia em Israel até que ele criou o primeiro centro, no Hadassah, que se tornou referência em todo o Oriente Médio.
Nesta entrevista exclusiva ao Estado, Cohen, que comanda em média 300 a 400 cirurgias por ano, conta como foram as operações, explica o que foi feito no cérebro de Sharon, defende o controverso uso de anticoagulante que causou a hemorragia e analisa com cautela o futuro do primeiro-ministro. Depois de ter declarado que Sharon não reassumiria o cargo, ele afirma agora que é prematuro fazer previsões.
O senhor estava no hospital quando o primeiro-ministro chegou?
Naquele dia eu estava de plantão, e estava operando noutra sala de cirurgia quando me pediram para chamar um substituto e vir avaliá-lo.
O senhor saiu na metade de outra cirurgia para ir atender o primeiro-ministro?
Exatamente, era quase o fim da cirurgia, de modo que não houve inconveniente.
Ele foi imediatamente submetido à cirurgia?
Quando ele chegou, foram feitas manobras de ressuscitação, ele foi conectado a um tubo para respirar, foi feita uma tomografia computadorizada do crânio e se detectou a hemorragia cerebral. Em seguida, se começou a dar medicamentos para melhorar a coagulação e se preparou a cirurgia de urgência, porque o estado dele era muito delicado.
Nesse momento, o senhor sentiu algo diferente do que costuma sentir noutras cirurgias?
Na realidade, na cirurgia, em si mesma, confesso-lhe que não. Porque a gente está tão acostumado a fazer isso que está automatizado. É o extremo do profissionalismo. A gente sabe como abrir, sabe como operar, sabe o que tem que fazer e na realidade a gente não se pergunta muitas coisas. Imagine que não vemos apenas primeiros-ministros, como nesse caso, mas muitas vezes – e isso acontece com todos os médicos – temos crianças de cinco, seis, sete anos, mulheres jovens de 20, 30 anos, que também são situações de muita responsabilidade e muito estresse.
Havia quantos profissionais na sala de cirurgia?
Três: o professor Umansky, José Goldman, que é outro residente de neurocirurgia de Tucumán, também da Argentina, e eu.
A primeira cirurgia começou a que horas e durou quanto tempo?
Por volta de 23h30 (do dia 7). Durou seis horas, mais ou menos.
E o que se procurou fazer?
Drenar o sangramento e reduzir a pressão dentro do crânio. Para isso, extirpa-se o coágulo e se retira o osso que cobre o cérebro para que ele tenha espaço e possa sair, não fique pressionado pelo osso do crânio.
Na quinta-feira (dia 8), houve nova cirurgia?
Exatamente. Quando terminamos a primeira cirurgia, o levamos a tomografia computadorizada, vimos que ainda o podíamos continuar ajudando, voltamos à sala de cirurgia e fizemos uma segunda etapa da cirurgia, que consistiu em outras três horas de retirada de um pouco mais de coágulo, que estava em uma área bastante mais profunda.
E isso começou a que horas?
Terminamos a primeira às 5 da manhã, começamos a segunda às 6 da manhã e acabamos por volta das 9 da manhã.
O senhor não descansou, então?
Não, porque vínhamos de todo o dia de trabalho da quarta-feira. Tínhamos começado a operar às 8h de quarta.
E depois?
Quinta-feira foi um dia muito complicado para nós. Tivemos que conversar com nossos colegas, com os meios de comunicação. Na sexta, fizemos uma tomografia e vimos que necessitávamos de uma terceira cirurgia, que foi a última.
Durou quantas horas e o que foi feito?
Aproximadamente seis horas. Drenamos parte do hematoma, reduzimos a pressão, pusemos catéteres dentro das cavidades do cérebro para poder drenar líquido céfalo-raquidiano (que circula no interior da cabeça).
Serão necessárias novas cirurgias?
Por agora, não. Ele vai necessitar provavelmente de outras cirurgias no futuro. Primeiro, para repor o osso para fechar esse defeito que tem neste momento, e eventualmente pode precisar colocar uma válvula de derivação peritonial, para drenagem do líquido céfalo-raquidiano, que fica de forma permanente. Isso poderá ser necessário ou não.
Que defeito ele tem?
Ele nasceu com foramen ovale, um pequeno orifício no coração. Praticamente 20% da população tem essa anomalia, tão freqüente que pode ser considerada uma variante do normal. Mas o foramen ovale aberto pode estar relacionado com infarto do coração. Por isso, em pacientes que têm esse infarto é preciso tampar esse orifício.
Ele fica entre as duas câmaras superiores do coração, e foi por aí que passou o coágulo que causou o infarto cerebral do dia 18 de dezembro?
Exatamente. Foi um infarto cerebral muito pequeno, mas preocupante o suficiente para o primeiro-ministro ter recebido uma medicação anticoagulante, que, de alguma forma, foi a causadora dessa hemorragia que tivemos de operar agora.
E isso é um risco normal para a medicina?
Exatamente, é um risco aceito. Sabe-se que o equilíbrio entre as medicações que damos para prevenir um tipo de acidente cerebral vascular (ACV) podem causar outro tipo de ACV. Se dou anticoagulante para evitar infarto cerebral, posso causar hemorragia cerebral. E se dou drogas que melhoram a coagulação quando há hemorragia cerebral, posso produzir infarto cerebral.
E justamente no dia seguinte ao derrame, ele ia tampar esse orifício?
Exatamente.
Foi uma terrível coincidência?
Foi. Imagine se isso tivesse acontecido na mesma noite em que o orifício tivesse sido tampado. O público pensaria que o fechamento do orifício gerou a hemorragia no cérebro. Seria um quadro muito dramático.
O senhor disse que ele não poderá reassumir o cargo de primeiro-ministro…
Na realidade, acho que é muito prematuro adiantar essa presunção. Depois de todo infarto ou de toda hemorragia cerebral, há um período muito longo de recuperação. Talvez esse não seja o tempo da política. Preocupo-me mais pelo Arik (apelido de Ariel) Sharon pessoa que pelo primeiro-ministro. Quero que ele volte para sua casa e possa levar uma vida em família.
E isso poderia acontecer quando?
Vai levar bastante tempo, acho que serão semanas, se não meses.
Na terça-feira, a pressão sangüínea dele variou quando ele ouviu a voz dos filhos. Isso quer dizer uma atividade cognitiva?
Exato. Escutar, entender e reagir a estímulos. Isso é alentador. Tomara que se mantenha.
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