Nas ruas de Ramallah, moradores lembram como Arafat dedicou a vida à liberdade e manifestam disposição de chegar à paz
RAMALLAH – Akram Mussalam embalava no colo sua pequena Hope Ammal, de um ano e meio, balançando o braço ao ritmo das rajadas de fuzil-metralhadora ao seu redor. Os disparos para o alto – que deixaram 10 feridos, além de outros 120 empurrados e pisoteados pela multidão – eram em homenagem a Yasser Arafat. Mas Hope (esperança) não sabia se ria ou se chorava. Ela tem esse nome para que, quando perguntam a seus pais o que eles fazem à noite, sob o toque de recolher na Cisjordânia ocupada, eles possam responder: “Criamos Esperança.”
“É difícil explicar com palavras o que sinto por Arafat”, disse Mussalam, jornalista do Al-Ayyam (Os Dias). “Todo palestino é como uma cópia do modelo de Arafat. Ele nos deu uma identidade, não apenas no papel, mas em nossas mentes”, continuou Mussalam, que escreveu um obituário de Arafat no jornal em que trabalha. Aos 33 anos, o jornalista, como muitos palestinos que foram ontem despedir-se de Arafat, nasceu quando ele já era o líder nacional de seu povo. “A primeira voz que ouvi no rádio foi a dele, apesar da censura israelense”, conta Mussalam.
Enquanto o caixão de Arafat era levado pela multidão, a professora de inglês Lamis Abbas, de 27 anos, chorava silenciosamente. “Eu sinto tanto por ele”, disse ela. “Ele é uma vítima. Poderia ter tido uma vida normal. Mas viveu sempre em perigo. Ele não se importava com o poder. Só se importava com os palestinos, que tratava como filhos, filhas e irmãos.”
“Nós adoramos Arafat, não apenas como nosso presidente, mas como nosso pai”, definiu Rana Assi, uma estudante de segundo grau de 17 anos, que foi ao enterro vestindo uma camiseta com o retrato do líder guerrilheiro Ernesto Che Guevara. “Temos de lutar para conseguir nossa liberdade”, disse Rana, respaldando o ideário de Che. “Mas aqui tanta gente já morreu que precisamos fazer a paz com Israel”, explicou ela, encarnando as ambigüidades de Arafat.
“Tudo nesta região é ambíguo”, diz Lamis, à pergunta sobre se Arafat não poderia ter sido mais firme na busca da paz. “Ele não podia tomar decisões sem a aprovação do povo. E aqui uns pensam de uma maneira e outros, de outra.” Os palestinos em geral se declaram a favor da paz com Israel, mas hesitam em condenar os atentados suicidas do Hamas e da Jihad Islâmica. “Eles são parte da sociedade palestina, estão crescendo, e temos de aceitá-los, estando certos ou não”, acha Lamis.
Omar Baker, líder da organização Hajid (financiada por Arafat), que afirma ter trazido entre 3 mil e 4 mil militantes de vários pontos da Cisjordânia – apesar dos bloqueios israelenses – para o enterro, declara que o grupo é a favor da paz com Israel e contra os atentados contra civis. “Mas Israel não nos dá a chance de mostrarmos que queremos a paz”, diz ele. “Israel instiga, com suas atitudes, os terroristas suicidas.”
Rana e sua amiga Rasha Abed, ambas filhas de agentes secretos da polícia palestina, contam que iam votar em Arafat, nas eleições diretas que ele começou a preparar, no início de setembro, antes de contrair a inflamação intestinal que resultou em complicações nos rins e fígado e o levou a se internar em Paris, no dia 29, morrendo na quinta-feira.
As garotas descartam a possibilidade de votar em Mahmud Abbas, o novo presidente da Organização de Libertação da Palestina e mais provável candidato à presidência da Autoridade Palestina (AP), que governa parte da Cisjordânia e a Faixa de Gaza. “Não gostamos de Abu Mazen”, dizem as duas, chamando Abbas pelo nome de guerra. “Ele não fez nada pelos palestinos.” E em quem votariam? “Marwan Barghuti, se ele pudesse concorrer”, respondem. Preso por Israel em 2002, por liderar o levante palestino, ou intifada, Barghuti foi condenado a cinco penas de 99 anos.
Mussalam, que, como a maioria dos palestinos, atribui a culpa pelo fracasso do processo de paz a Israel, não tem esperanças de que a morte de Arafat possa destravá-lo. “Os israelenses encontrarão um novo Arafat (para culpar).” O jornalista acha, no entanto, que o carisma pessoal de Arafat deve agora dar lugar a “instituições fortes”. Uma das últimas frases do líder palestino, segundo o negociador-chefe da AP, Saeb Erekat, foi: “Quero que as instituições funcionem”, referindo-se à própria sucessão.
“Pedimos a Deus que o que venha depois seja como Arafat”, disse Abdul Aziz, de 62 anos, um comerciante aposentado que viveu em New Jersey (EUA). “Impossível”, atalhou o fazendeiro Ibrahim Abu Ali, de 47 anos, criador de ovelhas e gado. “Nunca haverá ninguém como o Raiz (o líder).”
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