Passos do dirigente são cercados de mistério

Nem o chefe de gabinete de Arafat conhece às vezes sua agenda, talvez a mais volátil e misteriosa do mundo

TÚNIS — Para entrevistar Yasser Arafat, não basta que a OLP esteja de acordo. É preciso muita paciência, resistência física e total disponibilidade, para uma espera que pode durar semanas. Arafat tem talvez a agenda mais volátil e misteriosa do mundo.

O chefe de gabinete da presidência, Sami Musalam, que teria a função de acompanhar os passos de Arafat e de coordenar seus encontros, às vezes não sabe sequer em que país o líder está. Isto porque, ao mesmo tempo em que Arafat tem funções de chefe de Estado, não tem estrutura material e política para tanto. Embora os departamentos da OLP (político, econômico, cultural, etc.) tenham status de ministério internamente e no mundo árabe, Arafat centraliza as decisões do dia-a-dia.

Além disso, ele bate recorde em número de inimigos — das facções árabes rivais ao temido serviço secreto israelense, passando eventualmente pela CIA. Assim, seus passos são desconhecidos da própria OLP, também por razões de segurança. “Se Arafat chegasse aqui agora”, exemplifica um alto funcionário da OLP num hotel de Túnis, “poderia instalar seu fax, ligar o telefone celular, conectar o computador, e pronto: estaria montado seu escritório.”

Para um jornalista à espera, os dias em que Arafat está fora da Tunísia, em suas constantes viagens pelo mundo árabe, podem ser mais agradáveis do que quando ele chega. Seu desembarque em Túnis significa para o jornalista a obrigação de ficar de prontidão no hotel, aguardando um telefonema da OLP — sem hora para ocorrer.

A agonia passa a durar 24 horas por dia: Arafat e assessores trabalham em tempo integral. “Às vezes, após três noites sem dormir, com reunião em cima de reunião, já está todo mundo morto”, diz um assessor. “Menos Arafat: ele aparece como se tivesse acabado de acordar e tomar banho. Tem resistência de ferro.”

Na Tunísia, a OLP recebe todo o apoio logístico do governo. Mas suas bases militares e campos de treinamento estão em outros países, como Sudão, Iêmen e Jordânia. Túnis é o quartel-general, espalhado em escritórios por toda a cidade. Em locais mais estratégicos, como a representação da OLP, uma super-Embaixada com mais de 60 funcionários, e a Chancelaria, a vigilância é feita pela polícia tunisiana e pelas forças de segurança palestinas.

Sobretudo na Embaixada, e onde quer que Arafat esteja — ele tem várias casas e escritórios em Túnis —, dezenas de palestinos à paisana, armados de submetralhadoras, ficam na rua e no prédio. A presença é tão ostensiva que os portões ficam abertos.

Para o encontro com Arafat, a revista é mais rigorosa do que na entrada do Departamento de Estado americano — mesmo num dia especial, de entrevista coletiva de James Baker e Boris Yeltsin. Além do procedimento comum de pôr cada aparelho para funcionar, como gravador, agenda eletrônica e máquina fotográfica — oportunidade de tirar uma foto, desde que não apareça o prédio, por razões de segurança —, os agentes palestinos vasculham o visitante com um detector de metais.

Ao ir para o encontro com Arafat, até o último instante não se sabe se ele estará lá. Na chegada, por ser dito que ele está em outro lugar. Mas duas Mercedes novíssimas na garagem, a da frente com luz sinalizadora, denunciam a presença do líder palestino.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*