Sunitas buscam lugar no ‘novo Iraque’

No Triângulo Sunita, população se vê no fogo cruzado entre a ocupação americana, a Al-Qaeda e o apoio iraniano à maioria xiita

BAGDÁ – A invasão americana produziu muitas ironias no Iraque. A maior delas, e a mais conhecida, é que, com a derrubada do ditador sunita Saddam Hussein, os americanos abriram o caminho para os iranianos exercerem sua influência sobre o vizinho de maioria xiita, a mesma seita predominante no Irã. Mas há outra, vinculada a essa, e potencialmente desestabilizadora: a dificuldade dos sunitas de se ajustar à nova “democracia” iraquiana.

Historicamente, o Iraque era dominado pela minoria sunita. A situação era contraditória, tanto do ponto de vista demográfico quanto econômico. A riqueza do petróleo está concentrada no sul, de maioria xiita, e no norte, habitado pela minoria curda. Saddam, assim como outros governantes brutais antes dele, reprimia xiitas e curdos e distribuía as riquezas do petróleo entre os líderes tribais, em troca de apoio político. Bem ou mal, funcionou durante 24 anos (1979-2003).

Com a invasão americana e a imposição da escolha do governo pela maioria, os sunitas se viram privados dos privilégios políticos e econômicos. Sua reação assumiu três formas: a insurgência contra a ocupação americana, a fixação da Al-Qaeda no Iraque e a atuação clandestina do Partido Baath, de Saddam, banido da administração e das forças de segurança pelos Estados Unidos.

Essas três forças se concentram no chamado Triângulo Sunita, formado por pelas províncias de Anbar, a oeste, e de Diyala e Salah el-Din, ao norte de Bagdá. Nos últimos dias, o Estado percorreu esse triângulo, e sentiu o pulso de cada uma dessas forças – cujas fronteiras muitas vezes se embaralham no mundo real.

As ironias e contradições da ocupação americana proliferam no Triângulo Sunita. Em Faluja, na província de Anbar, o dirigente local do movimento Despertar, que enfrenta a Al-Qaeda com apoio dos Estados Unidos e do governo iraquiano, mantém relações com a resistência, que luta contra a ocupação americana. Em Baqubah, capital de Diyala, o chefe do Despertar era até 2007 um “emir”, ou seja, um comandante da Al-Qaeda.

Em Tikrit, terra natal de Saddam e capital de Salah el-Din, o apego ao ex-ditador e ao Baath é tão forte que se tem a impressão de que o tempo parou em 2003. O xeque Munaf al-Nida, primo de Saddam e ex-detento de Abu Ghraib, simpatiza com o Despertar e sua luta contra a Al-Qaeda, mas não aceita ajudar o movimento por causa de sua relação com os Estados Unidos.

Os sunitas estão entre a cruz e a espada: de um lado os Estados Unidos, cuja invasão destruiu seus privilégios, e de outro o Irã, que apoia a maioria xiita. Depois da supressão das milícias xiitas pelo presidente Nuri al-Maliki em 2008 e da adesão dos xiitas ao jogo político, que afinal lhes favorece, as atenções se concentram agora nos sunitas. Que caminho eles irão tomar – o da violência sectária ou o da atuação política sobre uma base secular, aceitando a incontornável liderança da maioria xiita? É o que o Estado investiga, na reportagem que segue.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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