Líderes tribais sunitas veem o grupo como uma ameaça a seu poder e população está cansada das perseguições
FALUJA, Iraque – A casa do xeque Efan el-Esawi, na periferia de Faluja, 80 km a oeste de Bagdá, é guardada como uma base militar. Homens com fuzis AK-47 e fardas camufladas marrons, que identificam os combatentes do Sahawat (Despertar), guardam a estradinha de terra, que conduz a blocos de cimento como os usados nos postos de controle militares, e a uma cancela, que só se ergue depois que o carro e os ocupantes são revistados e sua entrada, autorizada pelo rádio.
No amplo pátio que circunda o casarão, estão cinco camionetes de patrulha com lâmpadas giroflex, quatro jipes e uma BMW blindada. “Presentes do Bush”, sorri um jornalista iraquiano. A ideia de unir as tribos para enfrentar a Al-Qaeda nasceu em Faluja, numa reunião de líderes tribais depois do assassinato de um xeque pela Al-Qaeda, em agosto de 2006. “No início, poucas tribos participavam”, recorda Esawi, de 37 anos, com uma túnica cinza, sentado numa cadeira ao lado da piscina vazia. “As pessoas tinham medo. Não conseguiam dizer ‘não’ à Al-Qaeda.” Hoje, as dez tribos de Anbar, província de maioria sunita no oeste do Iraque, integram o Despertar.
No começo, eles não contavam com a ajuda americana, pelo contrário: “Nosso problema eram os Estados Unidos, porque eles não distinguiam entre Al-Qaeda, resistência (à ocupação americana) e Sahawat”, diz Esawi, atingido na coxa por um disparo de soldado americano e detido três vezes, numa delas ficando nove meses na prisão. “Pensavam que estávamos contra eles.”
Até que o xeque Abdul Sattar Abu Risha, neto de um líder da revolta iraquiana contra a ocupação britânica nos anos 20, teve uma reunião com um coronel americano em novembro de 2006, e explicou que tinham um inimigo comum. Abdul Sattar acabou morto num atentado da Al-Qaeda em setembro de 2007, e substituído por seu irmão, Ahmed, líder do partido sunita Conselho Despertar do Iraque (CDI), que concorreu às eleições numa aliança encabeçada pelo ministro do Interior, o xiita Jawad Bolani.
Os líderes tribais sunitas identificaram a Al-Qaeda como uma ameaça ao seu poder local, e a população se cansou das perseguições do grupo terrorista. “A Al-Qaeda não persegue apenas os xiitas, mas também os sunitas que não a apoiam. Não aceita que trabalhem para o governo ou para a imprensa, por exemplo. Sua atitude é ‘ou está conosco ou com eles'”, explica Hamid Nasser, de 33 anos, que faz doutorado sobre as tribos iraquianas na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, de Paris.
Como parte do plano de retirada americana, o governo iraquiano herdou o convênio com o Sahawat, que reúne 100 mil homens em todo o país. Segundo Nasser, há uma demanda do movimento de ser plenamente incluído na folha de pagamento do Estado, já exaurido com os 3,5 milhões de funcionários públicos. Esawi estima que 30% do efetivo poderá ser incorporado às Forças Armadas e à polícia iraquiana. “Ou elas é que se incorporarão a nós.” Os restantes 70% continuarão no Sahawat.
Apesar da parceria com os Estados Unidos, Esawi, que comanda 3 mil homens em Faluja, não esconde seu apreço pela resistência contra a ocupação americana. “A resistência é formada por cidadãos honestos do país que defendem sua pátria, como aconselha nossa religião”, disse o xeque, candidato a deputado pelo CDI. “É um direito legítimo.”
Em contraste, compara, a Al-Qaeda “é um movimento terrorista, que mata inocentes em nome do Islã”. Esawi teve 57 parentes mortos pela Al-Qaeda, inclusive sua mãe, atingida pela explosão de um caminhão-bomba em 2007. “Tenho relação com os americanos e amigos na resistência”, admitiu Esawi. “Eu os respeito.”
O pai de Esawi foi morto por baathistas em seu exílio no Egito e ele teve de exilar-se na Arábia Saudita por sua oposição ao regime de Saddam Hussein. Mesmo assim, Esawi considera o Partido Baath melhor do que os grupos que hoje governam o Iraque, liderados pelo primeiro-ministro xiita secular Nuri al-Maliki e pelo clérigo xiita radical Ammar al-Hakim: “Os baathistas são mais humanos e mais justos.”
Os sunitas de Faluja, ainda tomada pelos destroços das batalhas entre os americanos, a Al-Qaeda e outros grupos insurgentes, parecem num fogo cruzado permanente. Dentro do escritório de uma loja de automóveis, ao lado dos escombros de um consultório médico e de uma mercearia, um grupo de dez homens, entre parentes e amigos, contou ao Estado histórias de perseguição tanto da Al-Qaeda quanto de milicianos xiitas, segundo eles infiltrados no Exército.
Um deles contou que seu irmão de 40 anos, um oficial da polícia, foi morto pela Al-Qaeda a tiros de pistola há dois meses, quando saía de uma mesquita. Outros dois foram mortos em 2007 por causa do irmão policial. Ele acredita que também está na lista. Outro homem disse que seu irmão de 15 anos foi morto em 2006 pelo Exército Mehdi, do clérigo xiita Moqtada al-Sadr. Outro contou que seu irmão foi levado de casa por soldados americanos e nunca mais apareceu.
Eles acusaram forças especiais subordinadas diretamente a Maliki de realizar execuções sumárias. E acham que os atentados do domingo de eleição em Faluja foram obra de militares leais ao Conselho Islâmico Supremo do Iraque, de Hakim. “Desde 2004 estamos excluídos do recrutamento pelo Exército”, disseram eles. “Só recrutam militares no sul (de maioria xiita).” O Iraque, para muitos sunitas, não é mais o seu país.
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