Decisão foi tomada por instituição teológica xiita para proteger documentos
BAGDÁ – Uma das expressões mais sombrias dos impulsos bárbaros que essa guerra liberou está num lugar chamado Al-Mathef al-Watani al-Iraqi – a Biblioteca Nacional Iraquiana. Aqui, um dos mais ricos patrimônios culturais da humanidade, um acervo de 5 milhões de manuscritos, livros e microfilmes contando a história do berço da civilização, deu lugar a um monte de cinzas.
O sólido prédio de concreto foi carbonizado pelo fogo ateado por saqueadores no dia 8, quando os americanos tomavam de assalto a capital. Entre as preciosidades perdidas, está um exemplar do Alcorão escrito à mão por Ali, o quarto califa, sobrinho e genro do Profeta Maomé, no século 7.º. Os manuscritos remontam a civilizações da Antigüidade, como a babilônica, suméria e assíria.
Dois caminhões foram estacionados ontem de manhã na frente da biblioteca, e rapazes maltrapilhos carregavam desajeitadamente, com as mãos sujas de carvão, os manuscritos, livros e caixas de microfilmes, deixando alguns cair no chão. “É melhor isso do que deixá-los queimar”, disse ao Estado o xeque Said Monien el-Moussawi, um dos líderes espirituais da comunidade xiita, 70% da população iraquiana.
El-Moussawi acusa o Mossad, o serviço secreto israelense, de ter causado o incêndio. “Nenhum iraquiano faria isso”, argumentou o xeque. “Eles roubam, mas não queimam.” O diretor da biblioteca, Hussein Saleh Jamil, é mais cauteloso: “Simplesmente não sei quem fez isso, nem por quê.” Jamil, no entanto, responsabiliza os americanos: “Eles tinham de ter mandado soldados para cá para protegê-la.”
Meses antes da guerra, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) alertou os Estados Unidos para a importância do patrimônio histórico guardado no Iraque, apontando especificamente os locais que deveriam ser não só poupados dos bombardeios, mas protegidos. Os que não foram bombardeados, foram deixados à mercê dos saqueadores e vândalos.
O que sobrou do incêndio na biblioteca – e visivelmente não foi muito – está sendo levado para a Mesquita Imam al-Haq, no bairro xiita de Al-Thawra, norte de Bagdá. “Lá, estará a salvo”, promete El-Moussawi, explicando que a decisão de transferir o acervo foi tomada pela Hauze en-Najaf, a máxima instituição teológica xiita no Iraque.
Claro que não havia ali apenas documentos muçulmanos, mas também judeus e cristãos. Agora, ironicamente, os que tiverem sobrevivido ao roubo e ao fogo serão guardados numa mesquita.
Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.
Lembro até hoje, daquela invasão desnecessária ao Iraque comandada pela insanidada de alguns americanos, entre eles o “former” presidente. Tudo muito detalhado no artigo.
Senti uma pena enorme do acervo que foi destruído no Iraque, tant história do mundo, tanto como o do Museu Nacional do RJ. Tanto quanto a queima de ônibus no Brasil. Que pena!
Sempre fui absolutamente contra a insanidade do poder americana ao invadir o Iraque, levando ao conflito interno, e à destruição de tantos documentos históricos (quem sabe, desde a Mesopotâmia).
Tudo muito bem explicado no artigo, assim como a comparação entre o que aconteceu no Iraque e a destruição que acontece no Brasil – ônibus que a população utiliza, asim como os nossos Museus, que guardam a nossa história. Que pena!