Pena mais longa pode gerar colapso

Um terço dos presos cometeu crimes hediondos e deve ficar mais tempo nas prisões, que já têm déficit de 35%


O Senado aprovou no dia 7, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem até o dia 2 para sancionar, mudança na lei que aumentará a permanência de autores de crimes hediondos na prisão. Outras medidas de endurecimento, em tramitação no Congresso, também devem resultar no aumento da população carcerária. Hoje, as prisões brasileiras já comportam 103 mil presos (35%) acima de sua capacidade. ‘Vai estrangular o sistema’, prevê o diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Maurício Kuehne.

Cerca de um terço dos 401 mil presos do País cometeu crimes hediondos (assassinatos, seqüestros, estupros e tráfico de drogas). A nova lei permite que esses criminosos peçam relaxamento do regime fechado para o semi-aberto depois de cumprirem dois quintos (40%) da pena, e não mais um sexto (16%). Segundo Kuehne, por causa da demora na tramitação dos processos, os beneficiados cumprem de 40% a 50% da pena, e devem passar a cumprir entre 60% e 70%. Portanto, deverão ficar pelo menos um terço do tempo a mais na prisão.

Se a polícia fosse mais eficaz, o déficit de vagas dobraria: há mais de 100 mil mandados de prisão não cumpridos no País, estima o criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil. A superlotação também só não é maior graças ao baixíssimo índice de resolução de crimes no Brasil, inferior a 10%; nos Estados Unidos, ele se aproxima de 50%.

A superlotação e o descontrole nos presídios têm relação direta com as ações do crime organizado, liderado, em São Paulo, pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). Os problemas não são novos e em 1994 foi criado o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), para construir, reformar e aumentar a segurança nos presídios – exatamente como agora o Congresso cria um fundo para amparar as vítimas de violência. Os recursos do Funpen – provenientes de 3% da arrecadação de todos os sorteios e loterias federais, de confiscos judiciais e de fianças não pagas – foram sistematicamente contingenciados, ao longo desses 13 anos, para ajudar na geração de superávit primário, a economia que o governo faz para pagar juros. O bloqueio chegou a 66% em 1996 e a 57% em 2003 (ver gráfico).

Nos últimos anos, tem diminuído a retenção do dinheiro. No calor dos ataques do PCC em São Paulo, em maio do ano passado, o governo federal liberou R$ 200 milhões. Hoje, segundo o Depen, de uma receita de R$ 1,5 bilhão desde 1994, estão retidos no Tesouro R$ 160 milhões. Com isso, se poderiam criar 6.400 vagas, já que o governo trabalha com um custo médio de R$ 25 mil por vaga. Na prática, seriam mais, porque o Funpen atua em convênios, com 10% a 30% de contrapartida dos Estados.

Outra lei já aprovada no Senado atesta o descontrole nos presídios: a que pune detentos flagrados com celulares, confinando-os em celas individuais e restringindo visitas. Uma segunda lei, que deveria ter sido examinada na semana passada, não fosse a obstrução pela oposição, exige que as operadoras bloqueiem o sinal nos presídios.

Não é impossível impedir que celulares – ou armas – cheguem aos presos. Os presídios federais de Catanduvas (PR) e Campo Grande (MS) – outros dois estão em construção, em Mossoró (RN) e Porto Velho (RO) – conseguem isso. Eles estão equipados com detectores de metais e têm capacidade para apenas 208 presos – um em cada cela -, vigiados por 250 agentes penitenciários – 60 em cada turno -, ganhando R$ 4 mil por mês. ‘O problema é que os presídios dos Estados não estão devidamente aparelhados, não têm pessoal nem tecnologia’, constata Kuehne.

IMPOPULAR

A responsabilidade pela construção e manutenção de presídios (cada preso custa R$ 1 mil por mês) recai sobre os Estados.A maioria dos governos estaduais tem historicamente descuidado dessa área – com a recente exceção de São Paulo e Paraná, que mesmo assim também sofrem de déficits e precariedades. O problema é que construir presídio não dá voto. Só cria descontentamento na vizinhança – para não falar da clientela, os presos, que, afinal, não votam.

‘Político no Brasil não se interessa por esgoto nem por presídio, mas isso tem que mudar, porque são coisas necessárias’, adverte o italiano Giovanni Quaglia, do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC). ‘Não tem retorno no curto prazo, mas, se não se faz, há rebeliões e problemas como o que aconteceu em maio em São Paulo.’

O Brasil é signatário de um tratado da ONU de 1955, sobre tratamento de presos, que recomenda celas individuais e exige higiene – algo muito distante das cadeias imundas e abarrotadas de muitos presídios. Para Quaglia, no Brasil desde 2002, ‘presídios decentes fazem parte do processo civilizatório de um país’. Ele cita o líder negro sul-africano Nelson Mandela, preso durante 27 anos: ‘Ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões.’

NÚMEROS DO SISTEMA

401 mil

é o total de presos

 

298 mil

é o número de vagas

 

R$ 1 mil

 

é o custo mensal de cada preso

 

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