Chavismo que hoje consome a política externa brasileira se manteve graças a ajuda do governo petista
Se não fosse por Lula, provavelmente Chávez não continuaria presidente da Venezuela. Lula estreou na política externa, ainda como presidente eleito, com uma operação de resgate de Chávez, num de seus momentos mais delicados. Em dezembro de 2002, uma greve geral asfixiava o país. Seu centro nevrálgico era a PDVSA, a estatal do petróleo venezuelano, que na época ainda era dominada por funcionários de carreira. Desabastecido e sem combustível, o país parou.
Lula despachou para Caracas o seu assessor de assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia. Que voltou com uma recomendação. A pedido de Lula, o então presidente Fernando Henrique Cardoso enviou um petroleiro com 520 mil barris de gasolina. Mais do que o combustível – em si importante -, o gesto teve enorme impacto político.
“Os setores empresariais estavam muito bem organizados contra Chávez”, recorda Eduardo Viola, pesquisador em relações internacionais da UnB. “O Brasil criou um colchão de proteção para ele. Se não fosse isso, Chávez provavelmente teria caído. O Brasil tem sido o sustentáculo de Chávez.”
Segundo María Corina Machado, vice-presidente da organização não-governamental Súmate, que luta pela democracia na Venezuela, Lula tem emprestado a Chávez legitimidade. “O Brasil sempre foi um fator de equilíbrio na região”, diz María Corina. “O apoio de Lula tem servido para Chávez mostrar que não está isolado, e buscar identificação ideológica.”
“A comunidade internacional precisa entender que o que está em jogo, aqui, não é uma questão de ideologia de esquerda”, argumenta a ativista, “mas a democracia, o poder civil, a liberdade, os princípios republicanos”.
Outro momento crítico desse apoio, de novo com Lula como presidente eleito, ocorreu em dezembro, no lançamento da obra de uma ponte sobre o Rio Orinoco. O evento se converteu em comício eleitoral. Recém-saído de seus próprios palanques, Lula parecia estar no clima: “O que mais consolidou a minha consciência de que nós estávamos certos é que o povo reagiu no momento certo. E o mesmo povo que elegeu a mim, que elegeu Néstor Kirchner (na Argentina), o Daniel Ortega (na Nicarágua), o Evo Morales (na Bolívia), certamente irá te eleger presidente da Venezuela.”
Chávez vibrou. “Foi uma coisa insólita, algo inédito em matéria de relações internacionais”, avalia o especialista José Augusto Guilhon Albuquerque. Guilhon não tem dúvidas quanto ao caráter do governo Chávez: “É um ditador.”
Na sexta-feira, Lula voltou a sair em defesa de Chávez, no Fórum Econômico Mundial de Davos: “Chávez foi eleito três vezes da forma mais democrática possível, com acompanhamento internacional”, disse Lula, rebatendo críticas do presidente do México, Felipe Calderón.
Até aqui, a relação com Lula tem sido altamente proveitosa para Chávez: “Sempre que pode, Chávez tira proveito do apoio do Brasil”, observa Antonio Fernández, do jornal El Nacional, de Caracas. E o Brasil? Bem, além de agradar a esquerda, Lula poderia exibir os números do comércio bilateral. Em 2003, seu primeiro ano de governo, o Brasil exportou US$ 606 milhões à Venezuela. No ano passado, foram US$ 3,5 bilhões. A balança é altamente favorável ao Brasil, que importou apenas US$ 591 milhões da Venezuela no ano passado.
Entretanto, isso tem pouco ou nada a ver com a chamada “química” entre os dois presidentes, segundo José Augusto de Castro, diretor da Associação de Comércio Exterior do Brasil. “Desde que o preço do barril começou a subir, todos os exportadores de petróleo aumentaram suas importações”, diz Castro. “O petróleo representa 80% do PIB da Venezuela.” Para Castro, a proximidade Chávez-Lula “não tem nenhuma influência” nisso: “exportação é comércio; ideologia é ideologia”.