Saldo acumulado contingenciado daria para construir 5 aeroportos
Enquanto a aviação brasileira patina, com controladores de vôo mal-pagos e sobrecarregados, infra-estrutura insuficiente e equipamentos obsoletos, o Tesouro gera caixa desviando recursos do Fundo Aeronáutico. Composto por taxas cobradas dos passageiros – um dinheiro carimbado que deveria ir para a aviação -, o Fundo tem saldo acumulado de R$ 1,87 bilhão na conta do Tesouro.
Resultado de uma rotina de contingenciamentos anuais de 30% que vem desde o governo anterior, o dinheiro equivale a mais de cinco vezes o que foi gasto na construção do novo aeroporto do Recife (R$ 329 milhões), um dos mais modernos do País, com 5 milhões de passageiros ao ano. No entanto, assim como os fundos para as telecomunicações e penitenciárias, tem servido para fazer superávit primário – a economia para pagar juros da dívida.
A informação foi levantada pela organização não-governamental Contas Abertas, no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), ligado ao Tesouro. Com base nela, e a pedido do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea), o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) requereu na terça-feira esclarecimentos do Ministério da Defesa e da Aeronáutica sobre a destinação de recursos ao Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta). Eles têm 30 dias para responder. ‘O próximo passo pode ser auditoria do Tribunal de Contas da União’, diz Gabeira.
O brigadeiro Álvaro Pinheiro, chefe da área técnica do Departamento de Controle do Espaço Aéreo, garante que o contingenciamento não tem prejudicado o sistema. ‘Sempre que precisamos, o governo libera os recursos’, diz o brigadeiro, salientando que o controle aéreo brasileiro é um dos melhores do mundo. Ele reconhece que a pane de 12 horas no dia 20 no Cindacta 2, que cobre o Sul, é prova da obsolescência do sistema, mas diz que ele está sendo ‘revitalizado’, com a substituição de hardware e software.
‘Não havia razão para o Cindacta ficar inoperante duas ou três vezes ao ano, para o despreparo dos controladores de vôo, para haver pontos cegos, para os equipamentos serem canibalizados de um lugar para outro’, acusa Anchieta Hélcias, diretor do Snea. Na sua opinião, também para captar receita, a Infraero, que administra os aeroportos, ‘preocupou-se muito mais em transformá-los em shopping centers’ do que com a segurança e o conforto dos usuários.
De acordo com o balanço do ano passado da Infraero, as tarifas cobradas pela ‘navegação aérea’ (sua atividade-fim) renderam-lhe R$ 196 milhões; os serviços de armazenagem, R$ 388 milhões; e a receita comercial, que envolve o aluguel dos espaços no aeroporto, R$ 470 milhões. Essas receitas foram as que mais cresceram de 2004 para 2005: 15,7%, enquanto os recursos das taxas aeroportuárias caíram 2,9%, por causa da desvalorização de 17% do dólar frente ao real.
As lojas nos aeroportos, diz Hélcias, chegam a tomar o espaço que deveria estar ocupado pelos passageiros, que não encontram lugar para se acomodar, sobretudo nos feriados prolongados e períodos de alta estação, como as férias do fim de ano que se aproximam. O problema se agravou com uma decisão da Justiça do Rio, que impediu a Infraero de redistribuir para outras companhias as áreas ocupadas pela Varig nos aeroportos, embora a empresa, reduzida a 15 aviões, não as esteja utilizando. ‘Essas áreas são públicas, não são patrimônio da Varig’, protesta Marco Antonio Bologna, presidente da TAM, que no dia 7 assume a presidência do Snea.
Enquanto isso, os aeroportos brasileiros acumulam pequenos gargalos que se traduzem em grandes transtornos. Curitiba tem a pista mais perigosa do Brasil, por causa de problemas de drenagem. Por estar numa altitude elevada, que torna o ar mais rarefeito e a aproximação do avião mais veloz, seu comprimento precisa ser aumentado. Brasília construiu a tão esperada segunda pista e aumentou o número de vôos, que agora atrasam por falta de ônibus, pátio e fingers. Recife também precisaria da segunda pista. Em Congonhas, o ILS, sofisticado sistema de radar de aproximação, só funciona para um lado da pista, que, além do mais, é só uma e curta.
Os problemas se avolumam à medida que o transporte aéreo cresce 15% ao ano – 5 vezes mais que a economia. O barateamento das passagens aéreas, depois da liberação de preços, da introdução de estratégias de baixo custo pela Gol e pela BRA, e da queda do dólar, tem popularizado o transporte aéreo. De acordo com Tarcísio Gargione, vice-presidente da Gol para a área de Marketing, 10% de seus 50 milhões de passageiros (desde 2001) voaram pela primeira vez.
RISCO DE COLAPSO
‘Se a economia do Brasil começar a crescer, pode haver um estrangulamento’, adverte o consultor Daniel Mandelli. Ex-presidente da TAM, Mandelli se queixa da falta de uma política para o setor. ‘Não há ninguém fazendo planejamento de transporte aéreo no Brasil.’ Criada no ano passado e implementada neste ano, a Agência Nacional de Aviação Civil está encarregada de fiscalizar e de pôr em prática a política para o setor. Que por sua vez teria de ser elaborada pelo Conselho de Aviação Civil. Esse conselho, no entanto, não se reúne desde 2003, quando aprovou 18 resoluções – responsáveis, em grande medida, pelo saneamento do setor.
‘Se todas essas resoluções tivessem sido cumpridas, a aviação seria outra’, suspira Bologna, lembrando, por exemplo, a ordem de rever a cobrança de ICMS sobre o combustível de aviação, isento em outros países. O imposto responde por um terço do preço do combustível, que por sua vez é um terço do custo das empresas. E falta a revisão das tarifas aeroportuárias, que estão entre as mais altas do mundo.