As áreas estão estrategicamente localizadas, abrigam grandes riquezas naturais e, juntas, são maiores do que a soma dos territórios da Alemanha e da França.
BRASÍLIA — O Brasil está destinando 11% de seu território para uso exclusivo dos 330 mil índios. Nos 89% restantes devem ser acomodados os outros 161,5 milhões de brasileiros. As terras indígenas ocupam 20% da Amazônia Legal e 80% do Estado de Roraima, por exemplo, que abriga as reservas Ianomâmi e da Raposa. Juntas, as terras indígenas brasileiras são maiores do que a soma dos territórios da França e da Alemanha.
Parte das terras está estrategicamente localizada na vasta e descoberta fronteira brasileira. Elas abrigam porção substancial das riquezas naturais do planeta. Quarenta reservas biológicas sobrepõem-se a terras indígenas.
Por exemplo, a Reserva Ianomâmi é também um parque nacional. Como a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem mais estrutura que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a fiscalização ambiental é muito mais eficaz nas terras indígenas do que nas simples reservas ecológicas.
As demarcações de terra assumiram ritmo frenético no governo de Fernando Henrique Cardoso. Até 1995, havia cerca de 300 mil quilômetros quadrados registrados como posse definitiva dos índios (ver quadro). Desde que o presidente assumiu, outros 284 mil foram registrados. Desses, 230 mil nos 11 meses de gestão do presidente da Funai, Sulivan Silvestre de Oliveira.
Com a homologação, ainda este ano, dos 85 mil quilômetros quadrados do Vale do Javari, restarão pouco mais de 200 mil para regularizar a posse de todas as terras identificadas como indígenas pela Funai. A meta estará sendo cumprida com atraso. A Constituição de 1988 deu prazo de cinco anos para a regularização.
Os índios têm língua, religião, cultura, economia e sistema de poder próprios. “Falta só território para tornarem-se Estados dentro do Estado”, adverte um militar de alta patente, que não quis se identificar. Pela lei, a União mantém o domínio das terras. Mas é política do governo não fazer nada sem a anuência das comunidades.
O Brasil é o único país onde existem habitantes que ainda não tiveram contato com o Estado — ou simplesmente com a civilização. A Funai cataloga cerca de 60 “referências” de índios isolados no Brasil. Está confirmada a existência de pelo menos 50 grupos. Há 12 frentes de contato como a que a reportagem do Estado visitou na confluência dos Rios Itaquaí e Ituí.
A Funai está encarregada da saúde, da educação, das atividades produtivas e da proteção dos índios, da fiscalização das terras contra a ação de madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores comerciais. A saúde preventiva foi terceirizada para a Fundação Nacional de Saúde. A Funai continua com a parte curativa e contrata serviços das prefeituras.
Há 70 mil índios nas escolas, geralmente nas próprias aldeias. O ensino fundamental está a cargo das prefeituras, mas a Funai presta apoio, arcando com os custos da capacitação de professores bilíngües — índios que ensinam português em suas aldeias.
Há índios nos mais diversos estágios. Em Roraima, por exemplo, os índios macuxis criam gado e comem comida de branco. Outros, como os ianomâmis, ainda que relativamente aculturados, conservam a dieta indígena, normalmente composta de peixes, caça, frutas, farinha de mandioca e arroz.
A Funai, às vezes, dá comida.
Segundo o coordenador de Assistência da Funai, Otacílio Antunes, o programa Comunidade Solidária tem beneficiado as aldeias, com cestas básicas diferenciadas para os índios. Além disso, a Funai fornece roupas, ferramentas, espingardas, redes de pesca e rabetes (pequenos motores de popa).
Segundo Áureo Faleiros, coordenador de Assuntos Fundiários da Funai, a auto-sustentação dos índios deve ser buscada com projetos de exploração de baixo impacto ambiental e o ecoturismo. Prefeituras no Sul do País estão fazendo parcerias com aldeias para explorar o turismo. No Maranhão, a agenda cultural incorporou festividades indígenas. Na Feira de Exposição Agropecuária de Goiânia, no ano passado, pela primeira vez havia uma barraca de artesanato dos índios do Estado. Foi um sucesso.
Mas há um longo caminho a ser trilhado até a auto-sustentação plena, na qual a Funai abandonaria o papel de provedora.