Oposição denuncia fraude eleitoral; confrontos se espalham por Teerã

Reeleição de Ahmadinejad com 63% dos votos é rejeitada por opositores; líder supremo adverte ‘provocadores’

TEERÃ – Dois dos três candidatos da oposição rejeitaram ontem o resultado da eleição presidencial de sexta-feira no Irã, acusando o governo de fraude. O presidente conservador Mahmoud Ahmadinejad foi declarado vitorioso, com 63% dos votos válidos, ante 34% para o candidato moderado Mir Hossein Mousavi. Milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra o que consideram uma fraude, e foram violentamente reprimidas pela polícia.

“O povo que nas filas pôde ver o resultado e sabe em quem votou, agora, com muita coragem, enfrenta os mentirosos e quer saber quem e como se cometeu essa fraude”, escreveu Mousavi, numa carta ao Conselho dos Guardiães, órgão da complexa estrutura de poder do Irã (veja quadro ao lado) que supervisiona as eleições. “Aviso que em hipótese alguma aceitarei essa perigosa charada.”

O Irã não aceita a presença de observadores internacionais em suas eleições. Mousavi alertou que os iranianos “não têm medo de enfrentar os que não respeitaram seus votos”, e concluiu: “Enquanto não chegarmos ao resultado justo, estaremos aqui.”

O opositor havia marcado uma entrevista às 14 horas (6h30 em Brasília) em seu comitê, mas a cancelou. À noite, um comunicado publicado em seu site conclamava seus partidários a manter a calma e evitar a violência.

No dia da eleição, Mousavi denunciou que os fiscais da oposição foram impedidos de acompanhar a contagem dos votos, faltaram cédulas nas seções do norte de Teerã, pelo menos três sites que o apoiavam foram tirados do ar e o sistema de envio de mensagens por celular, utilizado por sua campanha, entrou em colapso. Ontem à noite, os celulares do país também pararam de funcionar.

O candidato reformista Mehdi Karroubi, ex-presidente do Parlamento que recebeu menos de 1% dos votos, publicou em seu site uma “Carta ao povo do Irã”, em que afirma: “Muita gente saiu para votar, mas essa festa se transformou em luta. Esse resultado é uma brincadeira.” O quarto candidato, o conservador Mohsen Rezai, ex-comandante da Guarda Revolucionária, também teve menos de 1%.

Já o líder supremo do país, aiatolá Ali Khamenei, celebrou ontem como “um dia de festa nacional”. “Em boa hora, o povo do Irã, homens e mulheres livres e corajosos, fizeram história na Revolução, mostrando seu progresso político a todo o mundo, com o comparecimento de 80% e os 24 milhões de votos dados ao presidente”, exultou o líder espiritual.

Khamenei alertou que os “inimigos internos e externos” estavam promovendo provocações para impedir a nação de celebrar os resultados das eleições, e que “sobretudo os jovens devem ficar totalmente alertas e evitar ações e declarações provocativas e suspeitas”. O líder acrescentou: “O presidente escolhido é de toda a nação iraniana e todos, inclusive seus adversários, devem unanimemente apoiá-lo e ajudá-lo.”

Enquanto a mensagem de Khamenei era lida no rádio e na televisão, milhares de jovens entravam em confronto com a polícia no centro de Teerã, nas proximidades do comitê de Mousavi e do Ministério do Interior. Os manifestantes construíram barricadas e incendiaram pneus e pelo menos um ônibus.

O Estado testemunhou seis jovens sendo espancados por guardas revolucionários na frente do ministério, e colocados em um camburão. Um agente à paisana expulsou o repórter da cena. “O povo do Irã morre mas não aceita a mentira”, gritavam os manifestantes na Rua Mirhadi, onde fica o comitê. “Abaixo a ditadura.” Os grupos eram rapidamente dispersos a golpes de cassetetes pela tropa de choque da Guarda Revolucionária. Dois homens à paisana subiram de motocicleta na calçada para obrigar o repórter a recuar.

PEDRAS NAS MÃOS

Os manifestantes dispersos se reuniam em outros pontos das ruas transversais, alguns com pedras nas mãos. Grupos de motociclistas juntavam-se na rua para atrair a atenção dos guardas também em motocicletas, que saíam ao seu encalço, enquanto outros manifestantes voltavam a gritar na rua, até serem dispersos outra vez. Mulheres gritavam e choravam enquanto dois homens eram colocados no camburão.

Uma mulher de chador (véu que cobre da cabeça aos pés) preto gritando “mentirosos” foi agarrada por policiais e homens à paisana, que usaram seu véu para cobrir seu rosto e sufocar seus gritos. Ela foi empurrada para dentro do comitê de Mousavi, cercado pela polícia. Eram 14 horas e cerca de 50 integrantes da campanha se mantinham no comitê desde a noite anterior. “Temos receio de sair e não podermos mais voltar”, disse ao Estado, pelo telefone, Mehdi Azizi, coordenador de reuniões da campanha. Mais tarde, também houve protestos na cidade de Ahvaz, na província petrolífera de Khuzestan.

“O resultado foi completamente invertido”, disse a contadora Fariba Mohammadi, de 35 anos. “Depois de 30 anos de silêncio, estamos protestando por nossos direitos”, continuou ela, referindo-se ao período desde a Revolução Islâmica de 1979. “Mesmo que nos levem presos.”

“É absolutamente clara a mentira”, afirmou o professor Ali Imami, de 37 anos. “Todos nas filas disseram que votariam em Mousavi. Há 20 dias, Ahmadinejad disse que ele era o presidente e Mousavi não poderia ganhar.” Nesse ponto, a polícia veio dispersar o grupo que falava com o repórter.

“Isto é como os primeiros anos da Revolução”, disse mais adiante Mahmud Mohammadi, estudante de administração de 22 anos. “Anunciaram o resultado que o governo e o líder supremo quiseram. Temos de protestar contra essa nova ditadura.”

Na Praça Vanak, até 2 mil manifestantes gritavam: “Mousavi, pegue de volta nosso voto! O que aconteceu com nosso voto?”, relatou a agência Reuters. Alguns foram presos e os restantes, dispersos pela polícia. À noite, a Avenida Valie-Asr, que corta Teerã – cenário de manifestações pró-Mousavi todas as noites antes da eleição – foi tomada por carros buzinando em protesto.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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