Oração de sexta-feira da Universidade de Teerã é utilizada pelo regime iraniano para divulgar mensagens políticas
TEERÃ – Nos países muçulmanos, a oração do meio-dia da sexta-feira na mesquita é o evento religioso mais importante da semana. Equivale à missa dominical. No regime teocrático iraniano, em que política e religião se confundem, os sermões do meio-dia de sexta-feira na Universidade de Teerã tornaram-se uma instituição nacional: transmitido ao vivo pela rádio e pela TV estatais, eles instruem os iranianos sobre para onde o país se encaminha – e por quê.
Na sexta-feira, antevéspera do aniversário de Maomé, que coincide este ano com o domingo da Páscoa, cerca de 6 mil homens lotavam o imenso auditório coberto, com aspecto de ginásio de esportes, reservado para esse evento semanal. Sentados em grupos sobre fileiras de tapetes, os fiéis compõem uma espécie de mosaico: uns 300 basidjis, os jovens guardiães dos costumes islâmicos, com camisetas brancas, vermelhas e verdes, formam as cores da bandeira iraniana; os militares do Exército, com suas fardas verde-oliva; os da Marinha e da Força Aérea, com seus tons diferentes de azul; os homens comuns, atrás; as autoridades, à frente.
Algumas centenas de mulheres também se reúnem do lado de fora, num canto destinado a elas, debaixo do sol ardente da primavera de Teerã.
O testemunho e o sermão do dia vão direto ao cerne da grande questão vivida hoje pelos iranianos: por que o país enveredou pelo caminho sem volta do esforço nuclear, e o que fazer se a reação americana for a pior possível.
O testemunho do dia é do general Mohamad Dodraz, comandante do Exército. Ele conta que, durante a guerra Irã-Iraque (1980-88), tinha um colega piloto. Ao final de um dia de incursões bem-sucedidas contra o inimigo, quando começava a voltar à base, o amigo lhe passou um rádio, dizendo que o céu lhe parecia uma “visão do paraíso”. Em seguida, o piloto foi abatido pelo inimigo. O testemunho do general é saudado pelos fiéis, em uníssono, com os dizeres “marg bar Amrika, marg bar Inglis” (morte à América, morte à Inglaterra).
Em seguida, assume o púlpito o aiatolá Ahmed Djanati, presidente do Conselho de Guardiães, encarregado de aprovar as listas de candidatos em todas as eleições e de sancionar ou vetar as leis votadas no Parlamento, verificando se são condizentes com a Sharia, o código legal islâmico.
“Esperamos que este ano tenhamos mais êxitos, assim como tivemos nos últimos dias”, diz ele, referindo-se ao anúncio de terça-feira do presidente Mahmoud Ahmadinejad, de que o Irã já é capaz de enriquecer urânio. “Estamos seguros de que isso é pelo Profeta Maomé.” Ao princípio de cada ano, o establishment religioso do Irã anuncia a quem ele será dedicado. Este ano, que segundo o calendário solar persa começou dia 21 de março, está dedicado a Maomé, numa espécie de desagravo pelas caricaturas dinamarquesas.
“Este ano, devemos imbuir-nos do gênio do Profeta”, exorta Djanati. “Todos temos de dar um passo adiante. É preciso sermos um pouco mais sérios. Como disseram nosso líder supremo (aiatolá Ali Khamenei) e nosso presidente, não é hora de seguir um caminho suave. Temos de ser fortes, aceitar o convite do Profeta”, prossegue o mulá. “É uma glória para nosso povo que nossos filhos estejam enriquecendo urânio, ampliando a energia nuclear, no ano do Profeta. Felicito nossos queridos militares, nossos filhos de ouro que têm defendido a República Islâmica.”
“Esses êxitos que acabamos de conseguir, essa alma forte, guarda uma mensagem para a América”, diz o aiatolá. “Ouça-nos, América: você se embriagou pelo seu poder militar, mas que não lhe ocorra destruir a República Islâmica do Irã”, adverte. “O Irã é poderoso, não é débil. Aqui tem um imam (líder espiritual), tem o poder enorme do líder supremo”, diz ele, referindo-se agora ao aiatolá Ruhollah Khomeini, fundador da república, morto em 1989. “O Irã não se compara com nenhum outro país do mundo: o povo iraniano conta com o apoio de Alá e também de sua força juvenil, esses mesmos jovens que durante os oito anos (da guerra Irã-Iraque) estiveram na batalha.”
O aiatolá prossegue, entre imprecações contra os EUA, paralelos históricos, citações do Alcorão, detalhes técnicos sobre o programa nuclear – “o que conseguimos é o princípio do caminho, porque, para atingir escala industrial, nos falta muito tempo” – e incursões na política externa: “Esperamos o dia do triunfo da resistência do Hamas, para reconquistar toda a terra perdida em Al-Qods (“a Sagrada”, como os muçulmanos chamam Jerusalém).”
Djanati volta ao tema do enriquecimento de urânio: “O dia do anúncio de que adquirimos a tecnologia nuclear é mais importante que o da nacionalização do petróleo (20/3/1951).” E encerra com uma recomendação: “No fim, todos morreremos. Deus queira que possamos ver, ao lado de nosso cadáver, o Profeta e nossos santos.”
O aiatolá desce do púpito para uma rampa abaixo do nível dos fiéis, em sinal de humildade, e recita versos do Alcorão. Todos se curvam até a cabeça encostar no chão. “Islã” quer dizer “submissão”.
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