Ingresso no ‘clube nuclear’ é motivo de orgulho

Povo nas ruas mescla ‘caráter pacífico’ do programa com as palavras ‘força’ e ‘independência’

TEERÃ- O anúncio do presidente Mahmoud Ahmadinejad, de que o Irã entrou para o “clube dos países nucleares”, foi recebido com orgulho por muitos iranianos – provavelmente a maioria. Um orgulho tão ambíguo quanto a própria atitude do governo iraniano frente ao tema. Ao mesmo tempo em que salientam o caráter pacífico do programa, os iranianos exaltam a conquista como mais uma prova do “poder” e a da “independência” de seu país.

“Queremos ser um país independente, nos desenvolver, ser um país poderoso”, diz uma professora do segundo grau de literatura iraniana, que pede para não ser identificada. “É um programa pacífico, não é uma bomba. Não somos conquistadores e não gostamos dos países que são.”

Ali Reza Ramezani, um empresário de 39 anos, acredita que a reação das potências ocidentais não se deve ao programa de energia nuclear, mas a essa aspiração de independência que ele demonstra. “Porque o Irã quer ser um país independente, trilha um caminho difícil”, disse Ramezani, durante um picnic no fim de tarde com a família no Parque Mellat, numa área de classe média do norte de Teerã.

“Alguns têm de se sacrificar”, acrescentou, diante da toalha branca estendida na grama, e sobre ela chá, pistaches, biscoitos e doces. “Estou contente que agora já possamos ter urânio enriquecido.” À pergunta sobre se a opção do governo não trará problemas para o país, o empresário respondeu: “Se nos sentarmos e cruzarmos os braços com medo dos Estados Unidos, não teremos nenhum progresso.”

Do outro lado da pirâmide social, o gari Mohamad Mortazavi, de 56 anos, varria o parque, no início da noite de ontem, e também se mostrava exultante. “É um êxito para nós, creio que vai melhorar a nossa situação”, disse ele. “Não vai servir para mim, mas para meus filhos e netos. Espero que não ataquem nosso país.” Mortazavi acha que a vida vai melhorar por causa do domínio da tecnologia de energia nuclear ou da segurança maior para o país frente aos seus inimigos? “Pelas duas coisas”, responde ele.

Um engenheiro civil aposentado de 88 anos, que se identifica apenas como Asghar, acredita que a reação negativa das potências trai um desejo de não ver o Irã desenvolver-se. “Eles compram nossos produtos muito baratos e os vendem caros”, disse Asghar, aparentemente alheio ao preço alto do barril de petróleo, do qual o Irã é o quarto maior produtor e exportador do mundo. “Querem que continuemos sendo um país pobre, do Terceiro Mundo.”

Noutro banco do parque, três jovens que estão prestando o serviço militar obrigatório de dois anos comentam que, se não fosse a guerra Irã-Iraque (1980-88), o país estaria melhor. A tecnologia nuclear ajudaria a proteger o país? “Sem essa tecnologia, o Irã já é um país poderoso, pode se defender”, diz um soldado de 22 anos, que pede para não ser identificado. “Ahmadinejad foi apenas um instrumento ao fazer o anúncio. Qualquer presidente seguiria a mesma política.”

Sobre se não seria melhor priorizar outros investimentos, em educação, em saúde ou na industrialização do país, o soldado não hesita: “A educação e a saúde já são boas no país. Quanto à indústria, estamos tendo de usar o petróleo como combustível para ela”, acrescenta, referindo-se à escassez de energia elétrica no país. “Como teremos indústria sem energia?”

Em conversas entre amigos e parentes, muitos iranianos costumam ir um pouco mais longe, olhando em torno da região: “Se a Índia, o Paquistão e Israel podem ter armas atômicas, por que nós não podemos?”

Nem todos apóiam a estratégia do governo, no entanto. “Sou contra tudo o que é nuclear, no mundo inteiro, não só no Irã”, disse o eletricista Hossein Hatam, de 49 anos. “É uma energia perigosa, e não é necessária. Há outras opções.” O professor universitário de contabilidade e administração Hossein Alimi, de 54 anos, foi um pouco mais cáustico. Indagado sobre o que achava do anúncio do presidente, sintetizou: “Uma piada.”

Esse tipo de opinião não se ouvia ontem nos oito canais de televisão, todos estatais, assim como as emissoras de rádio. “Estou muito orgulhosa. Em qualquer país que eu vá, posso dizer que sou iraniana”, declarou uma mulher ao Canal 1. “Acreditamos em nós. Podemos fazer o que quisermos. Fazer é poder”, enfatizou um homem. “O Irã já não é mais um país do Terceiro Mundo”, constatou outra mulher.

“É raro ouvir uma notícia tão boa como essa”, disse uma mulher à rádio Sarossari. A emissora encerrou uma rodada de entrevistas elogiosas à conquista iraniana com a canção “Irã”, que exalta o heroísmo do povo na Revolução Islâmica (1979) e na Guerra Irã-Iraque.

 Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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