Ex-ministro garante que não vai renunciar para evitar eventual cassação
O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) roubou a cena mais uma vez. Fiel a sua tática de administrar homeopaticamente suas denúncias, num crescendo, Jefferson introduziu durante o depoimento do deputado José Dirceu (PT-SP) ao Conselho de Ética da Câmara um novo capítulo do escândalo. Segundo ele, com base em acordo feito com Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, um
emissário do PTB e outro do PT foram a Lisboa, em janeiro, captar recursos na Portugal Telecom para pagar dívidas de campanha.
Jefferson ainda acusou Dirceu de fazer a “aproximação da Portugal Telecom com o presidente Lula e depois autorizar que o PTB e o PT mandassem emissários a Portugal para negociar um acordo que pusesse em dia as contas do PTB”. E acrescentou: “Vossa Excelência não era tão poderoso assim, não está sozinho nisso. Não agiu em companhia de outros? Tomava todas as atitudes sozinho? É isso, ex-ministro, atual deputado, quero dizer que Vossa Excelência não falseie.”
O caso veio à tona durante o duelo entre os dois deputados, esperado há dois meses, desde que Jefferson denunciou a existência do mensalão e atribuiu ao então ministro a chefia do esquema. “Tratei de todos esses assuntos com Vossa Excelência, que nos deixava a todos à vontade para qualquer conversa, na ante-sala do presidente Lula”, pontuou Jefferson.
Dirceu negou a acusação. “Não é verdade, nunca tive relacão com a Portugal Telecom. É mais uma denúncia para atacar minha honra”, disse. “Esse caso é muito grave, joga acusacão no ar, que organizei um negócio escuso. Diz que levei ao presidente da República. Fico indignado. O senhor está mentindo.” Deputados que falaram depois pediram à mesa que Jefferson fosse formalmente inquirido sobre quem eram os emissários.
‘MONTAGEM’
Dirceu disse que teve contatos com o publicitário Marcos Valério, apontado como operador do mensalão, apenas em “um ou dois eventos sociais”, e com diretores do Banco Rural, que foram conversar com ele na Casa Civil. “Mas o assunto era o Banco Rural.” Ele tachou de “montagem ridícula” a versão de que o Roberto Marques que aparece na lista dos sacadores da conta de Valério seria o seu assessor e amigo de mesmo nome.
Ao iniciar o depoimento, às 15h35, Dirceu garantiu que não renunciaria ao mandato para escapar de eventual cassação e 8 anos de inelegibilidade, como tem sido especulado, e como fez na véspera o presidente do PL, Valdemar Costa Neto (SP). “Não conseguiria olhar nos olhos dos deputados, da minha geração de 68, dos companheiros que caíram durante a ditadura, da militância do PT”, dramatizou. “Vou lutar pela minha honra até o fim.” E, lembrando os anos na clandestinidade: “Não aceito ser banido da vida política do País de novo.”
Ele negou ter qualquer coisa a ver com o vídeo em que o ex-funcionário dos Correios Maurício Marinho pega R$ 3 mil de propina, que desencadeou as denúncias de Jefferson, e ofereceu sua interpretação para o rompimento do petebista com o governo: “O senhor se desentendeu conosco porque queria capturar vários órgãos públicos e não permitimos as nomeações.” Ele disse que se arrependeu de ter ido à casa de Jefferson pedir-lhe que retirasse sua assinatura do pedido de abertura da CPI dos Correios: “Não era minha atribuição.”
Dirceu também se referiu à “gravidade dos erros” cometidos por “setores do PT” e fez autocrítica do governo por não ter promovido a reforma política. Comentando o quanto Dirceu, agora humilde, costumava ser temido, Jefferson confessou: “Vossa Excelência desperta em mim os instintos mais primitivos.”
Apesar das provocações e do domínio de cena de Jefferson, Dirceu se manteve sereno no depoimento – à exceção de rápida troca de farpas com a deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP). Quando dizia que “nunca foi arrogante quando era ministro”, arrancando risos da platéia, Zulaiê retorquiu: “O senhor nasceu arrogante.” Exigindo respeito, Dirceu afirmou: “A senhora não achava isso quando convivia comigo na universidade, quando era minha amiga.” Em seguida, pediu desculpas e prometeu não mais perder a calma.
Na situação de testemunha no processo por quebra de decoro parlamentar contra Jefferson, Dirceu fez um esboço de sua estratégia de defesa, ao lembrar que, no período a que se referem as denúncias de pagamento de propina, era ministro e não deputado. “Esse reparo quer significar alguma coisa?”, quis saber o relator, Jairo Carneiro (PFL-BA). “Não”, respondeu
Dirceu. “É apenas uma leitura institucional e jurídica que faço. Eu estava licenciado como deputado, portanto não há como eu ter quebrado o decoro parlamentar. Os tribunais vão decidir.”