Licitações são dirigidas por critérios subjetivos

Publicitários se perguntam por que o governo precisa gastar R$ 867 milhões em um ano, para promover a si e a estatais


Tente esquecer, por um momento, Marcos Valério e amigos. Saindo da esfera policial e indo para a da propaganda oficial, duas perguntas podem ser feitas: se tudo é feito de acordo com a Lei de Licitação, há razões para se preocupar? Faz sentido o governo federal gastar R$ 867 milhões (em 2004), para, em grande medida, falar bem de si mesmo? As respostas são sim e não, respectivamente.

Profissionais com vivência em contratos com governos contam que a forma mais rudimentar de dirigir uma licitação é não fazer constar do edital exigências como portfólio e lista de clientes. Assim, agências pequenas ou simplesmente ruins, que se quer favorecer, não perdem nota nesses quesitos objetivos. Esse artifício, no entanto, vem caindo em desuso, com a padronização dos editais.

Mas licitações de contas publicitárias continuam sendo terreno pantanoso, pela simples razão de que a nota técnica, de maior peso, é subjetiva. No governo, comissões formadas por um ou dois representantes da antiga Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica (Secom),

desmembrada, da qual Luiz Gushiken acaba de cair; um ou dois do órgão contratante e apenas um representante do mercado julgam qual agência apresentou melhor planejamento estratégico e melhor criação. É questão de gosto – que, segundo dizem, não se discute. Assim, dirigir licitação nessa área é mais fácil que roubar doce de criança.

“Quando falta dinheiro para remédios, é anti-social o governo querer dinheiro para falar bem de si mesmo”, diz Julio Ribeiro, da Talent, que em 25 anos nunca aceitou contas de governo. “É propaganda política em cima de realizações que são apenas obrigações.”

PRESTAR CONTAS

“Publicidade institucional não é vista por nós como uma maneira de o governo falar bem de si mesmo, mas de prestar contas ao cidadão do que o governo está fazendo com os recursos dos contribuintes”, contesta Caio Barsotti, subsecretário de Publicidade da Secom.

José Roberto Whitaker Penteado, diretor da Escola Superior de Propaganda e Marketing, observa que, em países desenvolvidos, investimento em propaganda oficial está focado em campanhas de utilidade pública. “Não é anunciar na TV, mas uma pequena verba de comunicação.” Já a publicitária Magy Imoberdorf, da agência Lage’Magy, fica indignada até mesmo com os gastos do governo em campanhas de utilidade pública, como as de vacinação e aids.

“Estas campanhas deveriam ser gratuitas, num esforço de agências e produtoras, ao preço de custo, e de contribuição dos meios de comunicação, como rádio e TV, que são concessões públicas”, diz ela. “Não vou mentir, entramos em duas concorrências (de contratos públicos), mas perdemos e percebemos que esse mercado é movido a lobistas e tem muito pouco profissionalismo e transparência”, admite Magy, que criou o slogan “51 – uma boa idéia”.

No governo FHC, a Secom não tinha verbas para agências. A chamada propaganda institucional ficava a cargo dos ministérios. O governo Lula concentrou a tarefa na secretaria, então regida pelo poderoso ministro Gushiken, que gastou R$ 32 milhões em 2003 e R$ 97 milhões no ano passado.


Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*