Para secretário da Receita, impostos altos e leis complexas não explicam sonegação
O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, rejeita a tese de que a sonegação é produto da alta carga tributária e da complexidade da legislação. Ele compara o argumento de que se precisa sonegar para sobreviver, ou de que se paga propina aos fiscais porque as multas são muito altas, ao de que se deve matar para comer. “Sonegação é crime, e onde há corrupto há corruptor”, adverte Rachid, defendendo “tolerância zero”. “Vejo isso como uma questão muito cultural.”
Ricardo Ramos, diretor de competitividade do Monitor Group, concorda que a alta carga tributária não é a única explicação para a informalidade. “Há países em que o imposto é mais alto e a informalidade menor que no Brasil”, observa, citando os desenvolvidos. “Tem a ver com cultura, com educação, com confiança no governo e com as leis. O problema maior é a complexidade.” Francisco Barone, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas no Rio (FGV-RJ), diz que os empreendedores informais apontam dois motivos para não se formalizarem: “Não querem ter o governo como sócio e a burocracia e o custo da legalização.”
Jorge Rachid reconhece que seria bem-vinda uma simplificação do sistema. Ele lembra que, quando propôs a mudança na lei sobre o PIS e Cofins, aumentando a alíquota e eliminando a cumulatividade, a forma de cobrança era muito simples. “Eram duas páginas do Diário Oficial.” Ao longo da discussão, no entanto, apareceram setores pedindo alíquota zero, créditos, etc. Resultado: “Hoje ela está complexa”.
Graças ao sistema de crédito, a incidência de PIS e Cofins sobre a importação se converteu numa equação que já não é assunto para contador ou tributarista, mas para matemático (ver fórmula ao lado). “A probabilidade de erro é enorme”, diz Gustavo Brigagão, do escritório Ulhôa, Canto Advogados. “O Brasil precisa de um grande Simples para todos”, analisa Guilherme Afif Domingos, presidente da Associação Comercial de São Paulo, que defende o aumento dos três tetos do Simples (faturamento anual de R$ 120 mil, de R$ 720 mil e de R$ 1,2 milhão). Desde sua criação, em 1996, esses valores nunca foram atualizados. Ao bater no teto, as empresas ou freiam seu crescimento ou crescem nas sombras.
INSANO
“Quanto mais complicado um sistema tributário se torna”, escreveu The Economist, num recente editorial, “mais fácil para os governos torná-lo ainda mais complicado, num processo de aceleração de proliferante insanidade”. Grandes redes varejistas estimam em 1,5% do faturamento seus custos com contabilidade e burocracia.
“Fiz um esforço danado para simplificar”, diz Everardo Maciel, ex-secretário da Receita, em cuja gestão foi criado o Simples, que unifica os impostos numa taxa de no máximo 3,1%. “Não pude ir adiante por causa dos Estados e municípios.” Segundo ele, o Brasil é o único país que tem cadastros em pelo menos quatro níveis: municipal, estadual, federal e previdenciário. “É o corporativismo federativo”, define Everardo. Cada um quer ter o “seu” contribuinte. E a sua corporação de funcionários. “É a velha tradição do Estado voltado para si mesmo para satisfazer o próprio Estado.”
Segundo Rachid, hoje não há resistências contra a integração dos cadastros. Há um ano, numa reunião da Receita Federal com as estaduais e as das capitais ficou acertado que ela ocorreria. A integração começará em agosto, com os cadastros de São Paulo e Bahia.
A complexidade é ruim para quem quer pagar imposto e boa para quem quer fugir dele. “A informalidade é injusta”, observa Marcelo Neri, especialista da FGV-RJ. “Favorece quem tem mais tecnologia para fugir dos impostos. É a lei da selva.” A opacidade bloqueia a informação mais rudimentar. A Constituição prevê que, no preço do produto, esteja especificada a parcela do imposto, como ocorre em qualquer país organizado. Nunca foi regulamentado.
“Tributo bom é tributo baixo com base de incidência grande”, diz Brigagão. “Todo mundo paga sem reclamar.” O Brasil pratica o contrário. Impõe alíquotas altas a um número pequeno de contribuintes, que considera mais fáceis de atacar. São as grandes empresas e os trabalhadores com carteira assinada, espécie de alvos fixos. Rachid observa que 10 mil empresas são responsáveis por 80% de toda a arrecadação no País, que ultrapassa R$ 300 bilhões. Já os 2,5 milhões de empresas que estão no Simples recolhem R$ 10 bilhões. Assim, qualquer mudança na faixa, ainda que dobrasse a arrecadação, representaria “muito pouco”.