Polícia volta a reprimir ato diante da embaixada

Gás lacrimogêneo contra opositores afeta novamente missão brasileira

TEGUCIGALPA – Cerca de 150 manifestantes reuniram-se no fim da manhã de ontem em frente à rua que dá acesso à Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, onde está abrigado o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, para protestar contra o golpe. A polícia dispersou-os com bombas de gás lacrimogêneo, cujo efeito foi sentido dentro da embaixada, causando ardência nos olhos e no nariz,

dores de cabeça e mal-estar nos seus 60 ocupantes. O médico Marco Girón, um voluntário da “resistência” na embaixada, distribuiu máscaras cirúrgicas.

“Mel, aguenta, o povo se levanta”, gritavam os manifestantes, chamando o presidente deposto pelo seu apelido. “Mel, amigo, o povo está contigo.” Duas pessoas ficaram feridas. Por várias vezes entre a noite de terça-feira e o dia de ontem puderam ser ouvidas na embaixada palavras de ordem dos militantes a favor de Zelaya.

O delegado Daniel Molina, porta-voz dos policiais que montam guarda ao redor da embaixada, disse a emissoras de rádio locais que os manifestantes estavam “violando o decreto” que impôs o estado de sítio no fim de semana retrasado. Conhecido por suas idas e vindas, o presidente de facto, Roberto Micheletti, prometera na segunda-feira revogar o decreto, mas não cumpriu.

“O diálogo está se iniciando com maus augúrios por causa da repressão”, protestou Zelaya, referindo-se às negociações entre seus representantes e os do governo de facto, mediadas por chanceleres da Organização dos Estados Americanos (OEA). “Jovens universitários que estão se manifestando pela vinda dos chanceleres, mesmo com alegria, foram reprimidos pela polícia e pelos militares. Lamentamos profundamente”, declarou o presidente deposto. Ele denunciou que, na semana passada, gases tóxicos causaram a morte de duas mulheres, uma de 24 anos e outra de 27.

Os 40 militantes que acompanham Zelaya na embaixada dividiam sua atenção entre a cobertura das negociações no rádio e os ruídos vindos de fora dos manifestantes. Alguns se empolgavam, subiam no muro da frente da embaixada e gritavam, sob o olhar dos soldados encapuzados, armados com fuzis, na rua: “Resistência!”

DISTRAÇÃO 

O dia de ontem na embaixada foi agitado pela iminência das negociações com a OEA. Seus ocupantes passaram a distrair-se com o entra e sai de emissários. Nos dias anteriores, haviam sido inventados passatempos. “É preciso manter a cabeça ocupada”, recomenda o médico Girón, um clínico geral que trocou seu consultório pelo trabalho voluntário na embaixada, embora não seja militante.

Um professor de educação física e um bailarino dão aulas de aeróbica, das quais até Zelaya e sua mulher, Xiomara, participaram. Os músicos dentre os militantes fabricaram instrumentos e formaram um grupo musical. O agricultor Israel Almenderes, de 23 anos, que toca banjo, improvisou um similar com pedaços de madeira e cordões de nylon. Cipriano Salgado, de 30 anos, professor de artes plásticas, fez um baixo com um pedaço de pau, um balde e fios. Nehemía Ribas, de 30 anos, engenheiro de sistemas que toca bateria nas horas vagas, bate com dois pauzinhos num garrafão de água mineral. “Tentamos trocar a ameaça pela alegria”, diz ele.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*