Para vice-chanceler hondurenha, Brasil viola direito internacional ao manter indefinido o status de Zelaya na embaixada
TEGUCIGALPA – O governo de facto de Honduras tem poupado o Brasil de críticas, apesar de seu enfático apoio ao presidente deposto Manuel Zelaya desde o golpe de 28 de junho, culminando no seu refúgio na embaixada brasileira em Tegucigalpa, há 16 dias. Pela primeira vez, um alto membro do governo de Roberto Micheletti critica abertamente o Brasil.
“Lula está muito comprometido com Chávez”, diz a vice-chanceler Marta Lorena Alvarado de Casco, referindo-se aos presidentes do Brasil e da Venezuela. “É muito triste. Não tinha por que Lula fazer isso.” Em entrevista ao Estado, ela diz que o status de “hóspede” não existe no direito internacional e, se fosse no Brasil, Zelaya teria sido expulso em 24 horas. Deputada pelo Partido Liberal, o mesmo de Zelaya, Marta defende a sua destituição, embora critique a forma como ele foi expulso do país.
Por que o partido de Zelaya se voltou contra ele?
É muito difícil que um partido tome uma decisão dessa envergadura contra alguém do próprio partido. Havia tanto desconcerto com a atitude de Zelaya frente à lei, à população, ao dinheiro do país. Ele deveria ter mandado a lei de orçamento em setembro do ano passado e nunca mandou.
Mas o que mudou desde que ele foi candidato do partido, em 2005?
Em 30 anos de carreira política, Zelaya era um liberal normal. Uma vez no poder, aderiu à Alba (Aliança Bolivariana das Américas) e desde então assumiu uma linguagem e uma atitude desafiante à lei, ao partido e ao nosso candidato. Ele queria ser o único homem de Honduras, tem complexo de Messias. Foi marginalizando todos os líderes do Partido Liberal, um por um. Nomeava para um ministério e em seis meses o tirava. Foi decapitando todas as peças importantes do partido e foi capitalizando o poder. Quando já tinha o dinheiro e todo o resto sob controle, decidiu fazer a consulta, que era uma convocatória. Em 28 de junho estava-se celebrando a instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte depois do referendo (de 29 de novembro). Foram dormir pensando que iam celebrar uma nova conquista socialista e despertaram para um fracasso.
Sua destituição não foi um golpe?
O Congresso escolheu o presidente que correspondia. Quatro partidos foram a favor da sucessão. Só o partido comunista (Unificação Democrática) apoiou Zelaya, e alguns deputados, que não somam dez.
A maneira como tiraram Zelaya foi correta?
Esse é o fio de cabelo na sopa – a forma foi feia.
E quem decidiu?
Não sei, porque eu não estava lá. Acho que no momento certo se deveria fazer uma investigação.
Foram os militares, não?
Eles apertaram. Eu não vou dizer nada.Tudo o que aconteceu antes foi horrível para Honduras. E o que viria seria, também, porque era um novo regime estilo Chávez. Não gostamos de Chávez: malcriado, prepotente, autoritário, não respeita os outros países, insultou os hondurenhos (chamando-os de “ianquezinhos”). Chávez domina Zelaya.
Mas ele escolheu a embaixada do Brasil…
Ele disse claramente que consultou Lula e o chanceler (Celso Amorim). Eles negam. Não creio que um presidente procurado pela Justiça vá chegar batendo numa porta sem saber se lhe vão abrir ou não. Tristemente, o Brasil protegeu Zelaya, deu acolhida carinhosa a 300 amigos dele, acamparam, lavam, passam, cozinham, varrem, fazem de tudo. Da sacada da embaixada, ele começou sua campanha por “Restituição, pátria ou morte”. O Brasil infelizmente emprestou seu território para favorecer esse homem, e nos trouxe um problema. Não respeitou as Convenções de Viena, não declarou asilo político. Está na qualidade de “hóspede”, um termo que não existe no direito diplomático. Estamos frente a uma situação de tolerância deste governo. Tenho certeza de que, se tivesse acontecido no Brasil, não teria sido tolerado. Estaria “fora”, como se diz no Brasil, em 24 horas.
O que vai acontecer agora?
O único propósito deste governo é blindar o processo democrático de Honduras, que começou em novembro do ano passado, com as primárias (dos partidos), avalizadas pela OEA, das quais emergiram os candidatos. O atual governo não tem nada a ver com nenhuma manipulação de candidatos improvisados ou dirigidos. A única coisa que queremos é que nos deixem em paz, que haja eleições livres, com participação de todos os hondurenhos que amam nosso país, e continuar com nosso destino. Se a comunidade internacional quiser nos ajudar, é bem-vinda. Se não, que não nos atrapalhe.
Para as relações com o Brasil, vai ter consequências?
Depende de Lula. Nós amamos o Brasil, não há problema. Mas Lula está muito comprometido com Chávez. É muito triste. Não tinha por que Lula fazer isso.
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