Impasse aprofunda polarização política entre ricos e pobres

A crise econômica causada pelas incertezas e pelo isolamento de Honduras depois da destituição do presidente Manuel Zelaya acirrou a polarização entre os pobres e os abastados no país

TEGUCIGALPA – Em geral, os trabalhadores mais humildes responsabilizam o que consideram o “governo golpista” pelo desemprego, o aumento dos preços e a queda na renda. As classes média e alta também foram afetadas pela redução no consumo e no comércio exterior, e pela semiparalisia da economia, mas tendem a encarar esses transtornos como um preço a pagar para livrar-se de Zelaya e de seu suposto plano de adotar no país um socialismo inspirado na Venezuela de Hugo Chávez.

“(O presidente de facto, Roberto) Micheletti é o culpado”, julga Juan Francisco Cortez, de 36 anos, dono de uma funilaria no bairro pobre da Peña. “Estando Zelaya outra vez, tudo se normaliza, as pessoas voltarão a ter confiança.” Antes da crise deflagrada com a destituição de Zelaya, em 28 de junho, Cortez costumava ter entre três e quatro carros por vez para consertar. “Agora, tenho no máximo um. Tive um mês sem nenhum carro.” Antes, ele ganhava 15 mil lempiras (US$ 789) por mês; hoje, fatura 7 mil (US$ 368). Cortez demitiu dois de seus quatro funcionários.

“Zelaya aumentou o salário mínimo de 1.500 lempiras (US$ 79) para 5.500”, elogia Clemente Ordoñez, de 72 anos, enquanto caminha pelas ladeiras da Peña para a escola pública onde trabalha como vigia das 18 horas às 6 horas. “Os empresários reagiram derrubando-o. Não pode ser assim.” O aumento do salário mínimo provocou demissões e contratações sem carteira assinada em massa.

Os mais pobres também elogiam Zelaya pela redução no custo do transporte, graças a subsídios a taxistas e às empresas de ônibus, para compensar aumentos nos preços dos combustíveis. Para os taxistas, Zelaya instituiu um bônus anual de 8 mil lempiras (US$ 421). Micheletti tem angariado apoio dos motoristas de táxi aumentando o benefício para 12 mil lempiras (US$ 631).

Além disso, taxistas que compareceram a uma reunião de apoio ao presidente de facto na Casa Presidencial, na noite de sexta-feira, receberam 500 lempiras (US$ 26), conforme o Estado pôde comprovar, num telefonema ao funcionário encarregado de distribuir o pagamento.

“Zelaya cometeu um erro, por querer o continuísmo empurrado por Chávez – ou pelo menos é o que dizem, não sei se é verdade”, diz Julio Reconco, um taxista de 74 anos. “Mas é o único que se identificou com o povo pobre, com os sindicatos e os agricultores. Aqui, os governos sempre se aliaram aos empresários e aos militares.”

Reconco, que se reveza entre um ponto no aeroporto e outro num hotel cinco estrelas, diz que costumava ganhar 1.000 lempiras (US$ 52) por dia. “Agora, passo dias inteiros sem nenhum passageiro”, diz ele. “Ouvi Micheletti dizendo que o país tem provisões para aguentar até um ano. Mas com que dinheiro o povo vai comprar comida?”

No bairro de classe média alta de El Hatillo, a crise econômica também se faz sentir, mas a percepção é diferente. Jaime Martín, de 29 anos, dono de dois restaurantes, diz que o movimento caiu 50%. “As pessoas estão tentando poupar, por causa das incertezas”, explica ele. “Para mim, o que aconteceu foi o melhor que poderia ter acontecido, porque esse senhor (Zelaya) ia implementar aqui o socialismo de Chávez, em que não há investimento, e o pobre se torna rico da noite para o dia”, continuou Martín, sentado num café elegante. “Temos de aguentar alguns meses.” Para ele, o que agravou a crise foi a volta de Zelaya, há duas semanas.

Martín conta que seus empregados ganham 150 lempiras (US$ 7,89) por dia, e disseram-lhe que quase não foram trabalhar no dia seguinte à volta de Zelaya, porque os partidários do presidente deposto estavam oferecendo 500 lempiras (US$ 26,31) para quem fosse à manifestação a seu favor.

O advogado José López, de 35 anos, que assessora investidores estrangeiros, afirma que os negócios estão parados. Ele diz que seus clientes não gostam de Zelaya, e não culpam Micheletti pela situação. “A solução são as eleições.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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