Casa de diplomata vira ‘embaixada de facto’

Catunda tenta manter atividades consulares, apesar da ocupação da missão brasileira

TEGUCIGALPA – Num quarto da casa do ministro-conselheiro Francisco Catunda Resende, encarregado de negócios da embaixada do Brasil, a contadora paga as contas na internet, enquanto um funcionário consular carimba os selos em passaportes de brasileiros que vivem em Honduras. A transferência das atividades administrativas e consulares para a casa do diplomata – tornada “embaixada de facto” – é a expressão de um fato consumado desde que Manuel Zelaya abrigou-se no sobrado no bairro de classe média de Palmira: por dentro, a embaixada foi tomada pelo presidente deposto; por fora, interditada pelo governo de facto, cujos 300 soldados e 100 policiais formam cordões de isolamento.

Dentro da casa, Zelaya instalou-se no gabinete do embaixador Brian Michael Fraser Neele, acompanhado de sua mulher, Xiomara. As salas ao lado abrigam a equipe de Zelaya: seu assessor de imprensa, Rassel Tomé, o coordenador da Frente Nacional de Resistência ao Golpe de Estado, Carlos Eduardo Reyna, e a ministra do Instituto Nacional da Mulher, Dóris García, que atua como assessora da primeira-dama. Seguranças cujas 17 pistolas foram guardadas numa sala trancada e militantes zelaystas montam guarda pela casa.

Cerca de 60 pessoas – nem Catunda sabe o número exato – disputam os 5 banheiros da casa, dos quais 4 têm chuveiros. É gente demais para os cerca de 400 metros quadrados do imóvel, distribuídos assim: no andar de baixo, uma sala de espera, uma sala do setor consular e outra do cultural e comercial, banheiro e uma sala mais isolada ao fundo, com um pequeno banheiro; no andar de cima, a sala do embaixador, com banheiro, a sala do ministro-conselheiro, um banheiro no corredor, sala da contabilidade, um pequeno salão e sala de arquivo. Entre dois lances da escada, há um lavabo. Um jardim pequeno na frente e um quintal no fundo completam o imóvel, que pertence ao Brasil.

Catunda é o único que pode entrar e sair quando quer da embaixada, porque está credenciado na chancelaria hondurenha. Mesmo assim, antes de chegar e de sair, tem de avisar o comandante da segurança, coronel Julián Pacheco. Ele não é revistado, mas as bolsas nas quais leva suprimentos – comida, cigarros, toalhas, artigos de higiene e roupas – são colocadas no chão e farejadas por cães.

O ministro-conselheiro Lineu Pupo de Paula, da embaixada do Brasil na OEA, que veio revezar-se com Catunda, não pode deixar o local, sob pena de não entrar mais, porque o governo brasileiro recusou a exigência da chancelaria hondurenha de pedir um salvo-conduto para ele por meio de nota diplomática, que caracterizaria o reconhecimento do governo de facto.

A correspondência parou de ser entregue. Há água e luz, mas o telefone fixo foi cortado e os celulares são prejudicados pelo bloqueio de sinais. “A embaixada é pior que uma prisão domiciliar, em que você pelo menos fica com parentes e pessoas com quem costuma conviver”, define Catunda. “Lá, você divide o espaço com 60 estranhos.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*