Georgianos se dividem sobre culpados pela guerra

Policial que combateu em Gori responsabiliza o governo da Geórgia; outros acusam russos de ingerência

TIBILISI – No meio da tarde de segunda-feira, o tenente da polícia Kebadze Giorgi relaxa com seu pai e sua filha de um ano e três meses na Praça Rosa, no centro de Tbilisi, a capital da Geórgia. De bermuda e sandálias, Giorgi, 27 anos, aproveita um descanso merecido: ele voltou na véspera do inferno. O policial estava a serviço em Gori, 60 km a oeste da capital, destruída por bombardeios russos. “Parece que explodiu uma bomba atômica lá”, compara Giorgi. “Está tudo em ruínas.”

O Estado pergunta a Giorgi de quem é a culpa pelas mortes e destruição dos últimos dias. Ele responde com uma pergunta: “Devo dizer a verdade?” O policial lembra que foi o governo georgiano quem começou o ataque e desafiou os russos. “Podem até dizer outras coisas na TV, mas esse é o fato”, diz Giorgi. “Deviam ter previsto a reação dos russos, mas não imaginaram que eles apoiariam tão abertamente os separatistas. Até aqui, o apoio era bem mais indireto.”

Giorgi exprime a frustração de muitos integrantes das forças de segurança georgianas, empurradas para um conflito e em seguida obrigadas a bater em retirada. “Foram muitas vítimas em vão”, lamenta o policial. “A Geórgia se colocou numa situação muito difícil, sem saída.” Giorgi não vê solução militar para o conflito, e por isso acha que, se o Ocidente quisesse ajudar a Geórgia militarmente, o resultado seria adverso: mais mortes e destruição. “A ajuda devia ser política.”

Giorgi Abazadze, de 70 anos, que trabalha na companhia de petróleo Oil Corporation, tem uma visão oposta à do tenente. Ele chama o repórter do Estado porque diz que tem “algo importante” a dizer: “As pessoas não estão levando em conta que, na noite do dia 7, (o presidente Mikhail) Saashkashvili propôs um cessar-fogo (aos separatistas da Ossétia do Sul), recorda Abazadze. “Nesse momento, eles duplicaram os disparos. Foi por isso que respondemos com força total”, justifica.

Muitos jogam a culpa do conflito integralmente sobre a Rússia. “A Ossétia e a Abkházia pertencem historicamente à Geórgia”, afirma o engenheiro aposentado Erasti Eristavi, de 73 anos. “Foi (o ex-ditador soviético Josef) Stalin quem criou as autonomias regionais, porque ficava mais fácil de exercer controle.”

“Os russos não deviam interferir na vida da Geórgia”, diz a estudante Sobiko Tatashvili, de 16 anos. “Não é problema de ninguém o que acontece entre georgianos e ossétios”, continua Sobiko, que, como os demais entrevistados, é da etnia georgiana. “A Rússia diz que a Geórgia está atacando tropas de paz, mas isso não é verdade. Os russos querem derrotar a Geórgia para depois conquistar outros países, como a Ucrânia.”

Como muitos georgianos, Sobiko se sente indignada com a inação do Ocidente: “Gostaria muito de saber por que os Estados Unidos, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a União Européia não reagem.”

Eleito em 2003 em meio à Revolução Rosa, um movimento popular que se reuniu nessa mesma praça (daí o nome) para fazer valer o voto da maioria e evitar uma fraude eleitoral, Saashkashvili se propôs a recuperar para a Geórgia os territórios da Ossétia do Sul e da Abkházia, que declararam independência, no início dos anos 90, mas não foram reconhecidas pela comunidade internacional.

Em seguida, postulou a entrada da Geórgia na Otan, enfurecendo a Rússia, que se tornou ainda mais complacente com o separatismo dos ossétios e dos abkházios, como forma de desestabilizar o governo em Tbilisi.

Muitos georgianos criticam o estilo de Saashkashvili. “Esse governo não tem tato político nem experiência diplomática”, diz a assistente social de uma fundação de caridade, que pede para não se identificar. “Eduard Shevardnaze podia lidar tanto com a Rússia quanto com os Estados Unidos”, recorda ela, referindo-se ao ex-presidente da Geórgia, que fora antes ministro das Relações Exteriores da antiga União Soviética.

O jornalista Badri Tabishadze, de 51 anos, acha que o presidente está defendendo os interesses do país. “O problema é que a Rússia quer ver a Geórgia de joelhos”, afirma. “Todos nós, velhos e jovens, estamos prontos para lutar por nossa terra.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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