Entrada em operação foi adiada por causa de nuvem negra detectada por astrólogo
Em 1987, num gesto de distensão, o então presidente José Sarney decidiu trazer seu colega argentino, Raúl Alfonsín, para a entrada em operação de um conjunto de 48 centrífugas em Aramar. A inauguração estava marcada para 15 de março. Algumas semanas antes, o indiano naturalizado brasileiro Kesavan Nair, doutor em física de reatores mas também astrólogo, procurou Othon, com uma expressão preocupada: “Quinze de março ‘não bom’”, disse, mostrando uma listagem de computador, na qual uma nuvem negra cobria a data.
Othon ligou para o então ministro da Marinha, almirante Henrique Saboia. “Você acredita nisso?”, perguntou o ministro. “Não”, respondeu Othon. “Eu também não, mas, por via das dúvidas, pergunte quando está bom para inaugurar.” A partir de 28 de março, informou o indiano. Saboia foi falar com Sarney. Mais tarde, ligou para Othon: “Não se preocupe. O presidente é mais supersticioso que nós dois juntos.” A cerimônia ficou para 8 de abril.
Othon guarda até hoje uma planilha de todos os custos do projeto, ano a ano. No total, foram gastos US$ 663 milhões. Aí estão incluídos: o desenvolvimento do ciclo de combustível (projeto Ciclone), da propulsão do submarino (projeto Remo), do submarino propriamente dito, e a infra-estrutura.
“Desafio a me mostrarem no mundo todo um desenvolvimento do ciclo do combustível e da propulsão nuclear com esse custo”, diz ele. Quando deixou o programa, havia quase 700 centrífugas na “colônia”, em Aramar, pelas quais o urânio vai passando e enriquecendo-se gradualmente.
A centrífuga americana enriquece bem mais do que a brasileira. A diferença está no custo, que Othon ilustra assim: digamos que sejam necessárias 20 centrífugas brasileiras para produzir o que uma americana produz. Acontece que o custo de 20 brasileiras é menor que o de uma americana.
Para o secretário de Meio Ambiente de São Paulo, José Goldemberg, “o programa nuclear em si não é pertinente, e sua equação econômica não fecha”. Segundo ele, o Brasil gasta US$ 12 milhões por ano com a importação de urânio enriquecido. Por essa conta, o que foi gasto no programa daria para abastecer o País de combustível durante 55 anos.
Em 1994, Othon, aos 55 anos, completou o seu tempo de serviço militar ativo e teve de deixar o projeto. Na época, o então ministro da Marinha, Ivan Serpa, rebaixou o programa da prioridade 1 para 18. Othon ainda participou de concurso público na Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e, mesmo passando em primeiro lugar, diz ele, nunca foi chamado. Então decidiu começar vida nova, e agora está aproveitando algumas soluções criadas para as centrífugas nucleares em turbinas que está desenvolvendo para hidrelétricas, que funcionam sem represamento de água e portanto sem impacto ambiental.
Nesses dez anos, o programa nunca o procurou para ouvir sua opinião. Mas, todos os anos, um núcleo duro de mais de 30 cientistas – civis e militares – envolvidos no projeto se reúne para almoçar e relembrar os velhos tempos.