Depois de boom, desemprego volta a assombrar a Espanha

Índice salta de 7,6% para 15,5% em 2008 e é o maior entre os 30 países da OCDE

MADRI – A cada dia, 4 mil pessoas perdem o emprego na Espanha. Quando amanhece o dia, milhares delas cumprem o seu ritual de se levantar, trocar de roupa, tomar café da manhã e pegar o transporte. Mas, em vez de ir para o trabalho, fazem fila em uma das centenas de agências do Instituto Nacional do Emprego (Inem), para solicitar o seu seguro-desemprego.

Irene Gómez Navarro, de 25 anos, estudou sociologia e fez mestrado em cooperação internacional. Não é um bom momento para encontrar um emprego na sua área. “Com a crise, diminui a ajuda internacional”, diz ela. Há cinco meses, Irene encontrou um emprego de operadora de telemarketing, por um salário de € 1.000 (R$ 2.910). Na terça-feira, foi comunicada de que estava demitida: a sua campanha de venda de produtos financeiros fora encerrada. “Fiquei surpresa”, contou Irene. “Avisaram-me 10 minutos antes de acabar o expediente.” Irene tem direito a um seguro-desemprego de € 600 (R$ 1.746), durante dois anos, mas seu padrão de vida sofrerá um abalo: só de aluguel ela paga € 300 (R$ 873).

“Para mim, não foi surpresa”, contou José Carlos del Arco, de 37 anos, um dos 50 demitidos de uma empresa de tecnologia da informação com 500 funcionários. “Eu estava sofrendo um isolamento. Aconteciam coisas estranhas. As pessoas me olhavam diferente.” Antes com um salário de € 2.100 (R$ 6.111), ele terá de se adaptar a um seguro-desemprego de € 1.200 (R$ 3.492). Só de aluguel, paga € 700 (R$ 2.073). Depois dos dois anos, quem continua desempregado passa a receber um benefício de € 450.

O índice de desemprego da Espanha, 15,5%, é o mais alto entre os 30 países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, cuja taxa média é de 7,3%. O desemprego espanhol é tradicionalmente alto, por causa dos altos encargos trabalhistas e do alto custo das demissões para as empresas. Para contornar esses custos, as empresas recorrem a contratos temporários, que representam um terço do total, e contribuem para aumentar o índice de desemprego, já que são maiores as chances de a pesquisa detectar o trabalhador entre um emprego e outro, explicaram ao Estado integrantes da equipe econômica do governo. Depois de picos acima de 20% nos anos 90, o desemprego havia caído para 7,6% em 2007, no auge do boom econômico, impulsionado pela construção civil.

Alodia Tasso trabalhou durante 14 de seus 45 anos numa das maiores imobiliárias do país – o setor que está no centro da crise espanhola. Dos 450 funcionários, 200 já foram demitidos. Por exigência de uma lei que reduz as indenizações, as dispensas começam pelos mais jovens, os que têm menos tempo de casa e os que não têm dependentes. Alodia, pela sua antiguidade, estava mais para o fim dessa fila.

“Agora quero descansar”, diz Alodia, que ganhava € 1.600 (R$ 4.656) de salário, recebeu € 54 mil (R$ 157 mil) de indenização da empresa, e esperava na fila do Inem para saber quanto teria de seguro-desemprego. “Foram dois meses criminosos. Um dia, tive uma crise de ansiedade no ônibus. Eu perguntava: ‘O que vai acontecer comigo?'” Ela paga € 800 de prestação de seu apartamento, mas espera uma redução do valor da hipoteca em maio, com a queda do valor dos imóveis depois da explosão da bolha imobiliária.

O engenheiro informático Mariano Jordí Camí Alén, de 56 anos, 36 de profissão e 4 em seu último emprego, ia pedir ao Inem a antecipação de todo o seguro-desemprego a que tem direito por dois anos, pouco mais de € 20 mil, para abrir uma firma de informática. A situação dos desempregados na Europa pode parecer confortável, quando comparada a países como o Brasil, em que são abandonados à própria sorte. Mas sua atitude em relação à crise não é benevolente. “Fora com esse inútil que está como primeiro-ministro”, diz Alén. “Que acabem com a máfia dos banqueiros e baixem os impostos.”

A crise afetou a popularidade do primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero, reeleito em março do ano passado, quando a desaceleração econômica já dava os primeiros sinais. No início de 2008, Zapatero recebia nota 5,8, numa escala de 0 a 10, na pesquisa de popularidade do instituto Metroscopia. Em março desde ano, sua nota tinha caído para 4,3. Preocupado, Zapatero substituiu na terça-feira os ministros da Fazenda, do Fomento e da Saúde e Políticas Sociais.

A situação econômica é considerada “ruim” ou “muito ruim” por 80% dos espanhóis, segundo pesquisa de março do Metroscopia. Apenas 4% a consideram “boa” ou “muito boa” e 10%, “regular”. A situação vai piorar nos próximos meses, na visão de 55% dos entrevistados; 11% acham que continuará igual e 28%, que vai melhorar. Entretanto, num sinal de que a percepção é pior que a realidade, quando se pergunta a eles como qualificam a sua situação econômica, 46% dizem que é “muito boa” ou “boa”, 25%, que é “regular” e 23%, “ruim” ou “muito ruim”.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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