Estudantes ensinam população a tomar remédio

Atenção Farmacêutica da Unesp de Araraquara orienta comunidade de bairro carente

 

 

ARARAQUARA – Hermínio Coelho mostra o cinto da calça e ri de satisfação. Há um ano, quando ele estava pesando 58 quilos, a fivela entrava na última casa do cinto. De lá para cá, ela andou três casas. “Engordei barbaridade”, contenta-se Hermínio, 62 anos, e hoje com 72 quilos.

Diabético, ele se recusava a tomar insulina, porque achava que o medicamento tinha matado seu irmão. Sua taxa de glicose chegou a 608, quando o normal é 110. Suas pernas adormeciam. “Eu dava pulo nessa cama de cãibra nas pernas”, conta Hermínio, que ficou tão fraco que não conseguia erguer a guarda da carroceria de sua caminhonete Rural, em que ganha a vida fazendo carreto.

Seu irmão, Carmo, de 65 anos, morreu no ano passado, quando dirigia um trator numa fazenda. Na época, Hermínio culpou os remédios. Quem o convenceu a tomar insulina foram alunos de farmácia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, integrantes de um grupo que orienta as famílias do Jardim das Hortênsias, um dos bairros mais carentes da cidade, sobre como usar medicamentos.

Eles lhe explicaram o que é diabete e como age a insulina. Hoje, Hermínio, tem uma nova versão para a morte do irmão: “Acabou a insulina, ele estava trabalhando na fazenda e não foi buscar.” Ele vai ao posto de saúde e volta com uma sacola de seringas e de insulina, que sua mulher, Clarice, aprendeu com os estudantes a aplicar no marido. “Foi Deus que indicou esses moços aqui na minha casa”, emociona-se Hermínio.

Os moradores do bairro ganham no posto de saúde ou na própria Faculdade de Farmácia a maioria dos medicamentos de que precisam. O problema é saber o que fazer com eles. As consultas médicas duram alguns minutos. Freqüentemente são com médicos diferentes. Os pacientes, a maioria analfabeta funcional, não têm tempo ou capacidade de explicar seu caso e os remédios que recebem, freqüentemente, não melhoram ou até pioram seu quadro.

Eles também têm receio de dizer ao médico que já passaram por outro e já estão tomando remédio.

Há casos de mães com vários filhos que, quando é prescrito um remédio para um deles, dá para todos logo de uma vez, pensando que mal não fará. Engano.

Uma delas teve a filha mais velha, de 11 anos, internada com taquicardia, provocada por uma superdose de Berotec. E há o contrário: os evangélicos, que não querem tomar remédio porque acham que tudo – até mesmo as doenças – se passa por desígnio divino.

Diagnóstico – Desde os dois meses de idade, o menino Yago vinha tendo fortes gripes, com o peito chiando e dor de ouvido. Passou por vários médicos e chegou a ir ao pronto-socorro. Cada médico que o via lhe receitava um antibiótico. Foram cinco, ao todo.

Até que a estudante Gisele Ishiki, da Atenção Farmacêutica Estudantil Permanente (Afep), que é como se chama o grupo, sugeriu à mãe de Yago, Fabiane Dacombida, de 24 anos, que pagasse um plano de saúde e levasse o menino a um só médico, para diagnosticá-lo corretamente.

Fabiane seguiu o conselho e o médico conveniado detectou o problema, aliás corriqueiro: Yago tem alergia a leite de vaca, que baixa a sua imunidade. E era o que Yago, que não foi amamentado, mais tomava. Fabiane passou a recolher caixas de leite de soja na Faculdade de Farmácia. E Yago, agora com 1 ano e 10 meses, forte e saudável, nunca mais tomou antibióticos.

“Os médicos estão com bastante gente para atender e falam bem rápido”, explica Maria Amélia Vasconcelos, de 69 anos, que toma 12 remédios para controlar a pressão alta e os efeitos colaterais dos próprios remédios. “A gente fica nervosa. É lerdeza da gente, também”, desculpa.

Às vezes, no entanto, quando tentam dar mais informações sobre seu caso, os pacientes são desencorajados pelos médicos. Houve um caso de um paciente hipertenso, por exemplo, que foi passar por um clínico-geral do posto de saúde por causa de uma gastrite. Quando lhe disse que tomava propanolol, um anti-hipertensivo, o médico respondeu que não tinha nada com isso:

“Propanolol é com a enfermeira”, disse ele, aparentemente interpretando que o paciente estava lhe pedindo remédio.

Para pacientes como Maria Amélia, os estudantes fazem frascos especiais, mais fáceis de identificar, com rótulos coloridos, às vezes um sol ou lua desenhados para indicar se devem ser tomados de dia ou de noite. “Com eles, me acostumei mais com o jeito de tomar remédios”, diz ela.

Saturnino Oliveira, de 70 anos, e sua mulher Maria, de 71, são analfabetos. Quem lê os rótulos e prescrições é o filho mais novo do casal, Adriano, de 21 anos, que sofre de esquizofrenia, mas estudou até a oitava série.

Saturnino tem diabete e bico-de-papagaio e está cego de um olho. A diabete está controlada, graças às orientações dos estudantes. Sua coluna dói muito, mas, como não consegue andar, ele não tem como ir ao centro, para passar num especialista.

Numa de suas crises, Saturnino tomou dipirona. Imediatamente seu rosto inchou, enquanto o corpo todo coçava. Um vizinho o levou de carro ao pronto-socorro. Deram-lhe três injeções. O inchaço passou, mas a coceira voltou depois, mesmo sem dipirona. “Tem de ir ao médico para descobrir de que é a alergia”, recomenda a estudante Gabriela Celebrone, que aproveita a visita da reportagem para fazer o seu trabalho.

Maria zela pela rotina de remédios do marido e do filho, mas se esquece dos seus. Com uma tosse, que a faz “pensar que vai morrer”, Maria recebeu receita de um xarope. “Um dia tomo quatro vezes, outro uma, tem dia que não tomo nenhuma”, conta Maria, que tem sentido dores de cabeça. A bula do xarope diz que ele só pode ser tomado até cinco dias seguidos. E um de seus efeitos adversos é dor de cabeça. Mas Maria não se lembra de quando começou a tomá-lo. 


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