Eles idealizaram o projeto por achar que, na faculdade, tinham pouco contato com a realidade
ARARAQUARA – O curso de farmácia prevê, ao longo de quatro anos, duas semanas de estágio. No caso da Unesp de Araraquara, há também a Semana de Assistência Farmacêutica Estudantil, uma atividade de extensão, em que são colocados estandes na Praça Santa Cruz, a principal da cidade, cada um sobre uma doença. Os estudantes acharam que era muito pouco contato com a realidade.
Em 2001, o Centro Acadêmico idealizou a Atenção Farmacêutica Estudantil Permanente (Afep), um projeto que levou um ano para ficar pronto. “Ficamos lendo artigos sobre o tema”, lembra Virgínia Dobkowski, coordenadora do projeto. Os estudantes identificaram o Jardim das Hortênsias como o mais carente da cidade e fizeram uma parceria com o posto de saúde do bairro, que faz 600 atendimentos por mês.
“O projeto é todo de iniciativa dos alunos e gerenciado por eles”, afirma o professor Adalberto Farachi, que orienta o grupo. “Como professor de saúde pública, fiquei muito orgulhoso e surpreso. Sou um simples fornecedor das necessidades que eles têm, da estrutura da faculdade.”
O grupo recebeu treinamento no Centro de Referência do Jovem e do Adolescente, da prefeitura. Uma das coisas que aprendeu ali é que não deveria doar comida aos moradores, para não serem confundidos com os programas assistencialistas – sobretudo os das igrejas evangélicas, que atraem fiéis com cestas básicas. “Agora, não nos pedem mais comida”, diz Virgínia.
Com 3.300 moradores, o Jardim das Hortênsias é conhecido em Araraquara, entre outras coisas, pelas meninas que se prostituem por R$ 1,99. Há muitos problemas de gravidez entre adolescentes, alcoolismo e drogas.
A Afep fez parceria com a Associação Amigos da Vida, que trabalha com dependentes químicos. Além da orientação sobre remédios, saúde e higiene, os estudantes têm promovido, na faculdade, exibição de filmes e debates para os jovens do bairro sobre temas específicos, como drogas, sexualidade e cidadania.
Nesses três anos, cerca de 130 estudantes participaram do programa. Atualmente, são 56 alunos, que se dividem em 15 grupos, cada um atendendo três famílias, ao longo de um semestre. Eles vão visitar as famílias no último domingo de cada mês, no ônibus da Unesp.
No total, o programa já beneficiou 200 famílias. Embora a participação seja voluntária, continuidade
não é problema: os alunos do primeiro ano aderem em massa, substituindo, com folga, os que vão se formando. Nem a greve interrompeu o trabalho.
“O primeiro ano de faculdade é bem desestimulante”, diz a aluna Ariadne Pinheiro. “Você não vê quase matérias de farmácia, só a partir do terceiro. Entrei na Afep e comecei a ver o que podia fazer pela população.” Os casos vistos nas famílias levam os alunos a pesquisar na biblioteca e os veteranos do grupo vão passando conhecimentos para os iniciantes.
“O programa desenvolve o lado humano do aluno. A graduação não tem nada que explore isso”, opina a estudante Marina Silva. “No curso, só se fala em indústria”, completa Gabriela Celebrone. “Você esquece o mundo em que vive.”
A grande dificuldade é a falta de um patrocínio para bancar o projeto. O grupo tem apenas cinco aparelhos de medir a pressão, comprados com verba de R$ 500 da Pró-Reitoria de Extensão. Um professor de primeiros socorros emprestou outros sete. Faltam três para completar os 15 grupos.
Para arrecadar dinheiro, os estudantes vendem salgados, bolos e refrigerantes e camisetas da faculdade e do próprio projeto. E entram também com dinheiro do próprio bolso.