Pólo de tecnologia se forma em torno de universidades, Embrapa e incubadora
SÃO CARLOS – Toca o telefone numa das salas de incubação da Fundação Parque de Alta Tecnologia de São Carlos (ParqTec). “ATCP do Brasil”, atende Henrique Alves, um dos sócios da empresa. “Vendo, sim. Eu lhe enviei as cotações, não foi? Ótimo, posso, sim. Amanhã é quarta-feira. Fica combinado. Eu lhe mando por e-mail um mapa de como chegar aqui.”
Henrique desliga, entusiasmado: um fabricante de equipamentos para balanceamento de rodas quer conhecer a ATCP. Henrique vendeu suas cerâmicas transdutoras, um componente desenvolvido pela empresa, para um concorrente do empresário, que se viu em desvantagem, e agora está interessado em avaliar o produto também.
Mais uma oportunidade de negócios para a empresa de Henrique, uma das 15 incubadas atualmente nos boxes de 4 metros por 6 da ParqTec. Hoje com 25 anos, Henrique começou aos 17 sua trajetória de fabricante de cerâmicas piezelétricas – materiais que se deformam quando submetidos a campos elétricos, usados em equipamentos médicos e da indústria automotiva.
Na época, ele fazia o curso técnico de eletrônica em Varginha (SP), e foi trabalhar na CTA, uma empresa de Campanha (MG) especializada em limpeza de equipamentos por ultrassom. Henrique notou a dificuldade de achar componentes – como as tais cerâmicas piezelétricas – e assistência técnica para esses equipamentos. Decidiu que ia estudar física e aprender sobre esses componentes.
Ele ingressou então no curso de física da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). No segundo ano, fez um projeto de iniciação científica no Grupo de Cerâmicas Piezelétricas (GCFerr). Mas, com uma condição: que Renato Teodoro, dono da CTA, se associasse a ele para criarem uma empresa. “Não vou entrar à toa”, foi a frase de Henrique. Renato concordou. A ATCP foi criada em 2000, quando Henrique estava no terceiro ano da graduação.
Patente – Um de seus êxitos foi o desenvolvimento de um componente, antes importado de Taiwan, para um aparelho que remove células mortas e hidrata a pele, fabricado no Rio. Já foram vendidos 400 aparelhos com o componente da ATCP. Henrique tira do seu armário de metal os gráficos de “espectrometria de impedância”, que desenhou com a ajuda do GCFerr, para reduzir de 15% para 3% a taxa de erro do componente. “A empresa anda com um pé na academia e outro no mercado”, diz Henrique, cujo tema de mestrado é o sistema de limpeza ultrassom multifreqüencial que ele está patenteando.
A ATCP, que fatura R$ 100 mil anuais, incubou-se na ParqTec no ano passado. “Nossa motivação inicial foi o espaço físico e o respaldo da fundação: ela não aceita empresa que não tenha um bom plano de negócios”, relata Henrique. “Depois, descobrimos muitos outros diferenciais: acompanhamento da evolução da empresa, orientação jurídica, de marketing, e para o desenvolvimento de produtos e participação, sem custos, na Fealtec”, enumera ele, referindo-se à Feira de Alta Tecnologia de São Carlos, promovida anualmente pela fundação.
Desde que foi criada, em dezembro de 1984, a ParqTec, primeira do gênero na América Latina, já incubou 70 empresas. Dessas, um quinto não sobreviveu ao duro contato com o mercado, depois de sair do ambiente confortável da incubadora. As restantes pertencem hoje ao universo de 150 empresas que formam o pólo de alta tecnologia de São Carlos (235 quilômetros ao norte de São Paulo).
Há uma discussão no Brasil sobre a relação custo-benefício do sistema de incubação. Empresas tendem a ficar tempo demais incubadas, desvirtuando o propósito de criá-las para o mercado, não para o ambiente artificial da incubação.
A ParqTec consome R$ 500 mil por ano, em verbas do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia, da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo e do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), além do apoio da prefeitura.
Segundo o físico Sylvio Rosa, presidente da ParqTec, as empresas ficam em média três anos e meio incubadas na fundação, antes de andarem com as próprias pernas no mercado. “Isto aqui é igual a um ninho, do qual a empresa sai porque está forte e precisa de mais espaço. Sai por necessidade”, descreve Rosa. “Se botar limitação no tempo, com rigidez, ela sai sem estar madura. Você está abortando e perde tudo o que investiu.”
Uma das que saíram por bem, depois de incubar por apenas dez meses na ParqTec, em 2000, foi a Ablevision, especializada em visão computacional. “Senti necessidade de crescer, e fui para uma casa alugada”, diz o criador da Ablevision, Edson Minatel, mestre em ciência da computação pela Ufscar e doutor em física aplicada computacional pela USP.
Edson conta que já no curso de graduação em ciência da computação, na Ufscar, percebeu a demanda por visão computacional – aparelhos e softwares que substituem o olho humano nas inspeções em linhas de produção. Entre 1991 e 92, Edson fez iniciação científica na Embrapa Instrumentação Agropecuária, que também fica em São Carlos. Lá, desenvolveu um software para medir as gotas de agrotóxico que caem dos aviões agrícolas, produzindo um relatório que serve de base para calibrar os pulverizadores e avaliar os resultados do trabalho.
A Ablevision tem tido clientes dos mais diversos segmentos. Seus softwares, ligados a câmeras, inspecionam autopeças nas linhas de montagem, definem a linha de corte ideal de placas de vidro na fábrica, detectam pequenos defeitos em cerâmicas para exportação e assim por diante.
Há um ano e meio, a empresa tem sede própria num sobrado no centro de São Carlos. Emprega cinco pessoas e deve contratar mais oito até o fim do ano. Edson, de 33 anos, acaba de dar um salto: vendeu uma parte da empresa a um investidor e a outro cientista, para se capitalizar. “Não temos opção: é crescer ou crescer”, sintetiza Edson, cujo livro de cabeceira atual é A Face Oculta da Avaliação, sobre como botar preço numa empresa de tecnologia.
Mosaico – A história de Edson reúne várias partes do mosaico que fez de São Carlos um dos mais vibrantes pólos de tecnologia do Brasil: a concentração de universidades – Ufscar e USP, além de duas privadas – e sua ênfase nas ciências exatas, o anteparo inicial proporcionado pela ParqTec e o papel da Embrapa Instrumentação como centro de excelência e de demanda de tecnologia.
Mais de 70 estudantes, entre alunos do ensino técnico, da graduação, de mestrado, doutorado e pós-doutorado, participam de pesquisas na Embrapa, que vão da “língua eletrônica”, um aparelho capaz de analisar com precisão a qualidade do vinho, café, leite, suco, pesticida e água, até o uso de sisal e juta para a forração de automóveis, passando por aparelhos de ressonância magnética e por um microscópio atômico.
“A ligação aqui é embrionária”, diz Ivone Mascarenhas, formada em física na USP e diretora da Sapra, uma empresa de tecnologia para medir radiação. “A gente nasce dentro da universidade em São Carlos.”
No caso de Ivone, isso é literal. Seu pai, Sérgio, e sua mãe, também Ivone, são ambos físicos e químicos formados na antiga Universidade do Brasil, no Rio, e pioneiros em São Carlos. Seu irmão, Paulo, também físico, é sócio da MZO Interativa, uma empresa de gestão de rede, e presidente do cluster de tecnologia de São Carlos.
Sérgio e Ivone participaram da criação do Instituto de Física e Química da USP, em 1956, do primeiro curso de engenharia de materiais do Brasil, na Ufscar, em 1970, e da Embrapa Instrumentação, em 1984.
“Se você pensar que isto é um útero, pudemos, com a USP, implantar uma porção de inovações”, conta Sérgio, hoje com 76 anos. “Alguns desses campos eram tão científicos que não tinham tecnologia”, diz ele. “Muita coisa levou 20, 30 anos para ser levada à universidade.” A conclusão de Sérgio: “Não precisamos esperar o futuro. A idéia é ir ao encontro dele. É construir o futuro.”