Segundo o novo presidente, cujo antecessor era acusado de favorecer o Brasil, ‘os investimentos serão bem-vindos, desde que se ajustem às regras’
QUITO – O novo presidente do Equador, Alfredo Palacio, afirmou ontem que o Brasil receberá o mesmo tratamento que qualquer outro país, assim como os investimentos de empresas brasileiras. Seu antecessor, Lucio Gutiérrez, com quem Palacio, seu vice, vivia em conflito permanente, era criticado por manter relações carnais com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e acusado de favorecer os investimentos do Brasil, supostamente até recebendo propinas. Por isso, dizem os críticos, teria recebido asilo no Brasil.
“Nossa relação com o governo brasileiro será igual às relações com todos os países do mundo. A república irmã do Brasil deve ficar tranqüila”, disse Palacio, respondendo a uma pergunta do Estado. “Os investimentos se manterão e os novos serão bem-vindos, desde que se ajustem às regras.” O Brasil é um tradicional investidor no Equador, tendo aplicado US$ 1,5 bilhão no país na última década. Mas esses investimentos se intensificaram desde que Gutiérrez e Lula assumiram, em janeiro de 2003.
Os críticos acusam Gutiérrez, destituído na quarta-feira pelo Congresso, em meio a uma onda de manifestações que deixou dois mortos e dezenas de feridos, de ter privilegiado a Petrobrás ao permitir que explorasse campos de petróleo no Parque Nacional Yasuní, na Amazônia equatoriana, assim como as empreiteiras brasileiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, vencedoras de licitações de grandes obras públicas no Equador.
A Petrobrás investiu nos últimos dois anos US$ 130 milhões e anunciou outros US$ 150 milhões para os próximos três. A Odebrecht executa atualmente duas obras no valor total de US$ 362 milhões, dos quais US$ 293 milhões financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A Andrade Gutiérrez também participa de duas obras, com uma fatia de US$ 310 milhões.
Palacio, um cardiologista de 66 anos, viajou ao Brasil há cerca de dois anos, quando era vice-presidente, para conhecer o Sistema Único de Saúde e os programas de prevenção, colhendo idéias que pretendia implementar no Equador. Mas Gutiérrez não o deixou colocar em prática seus projetos, e esse foi um dos motivos da ruptura entre os dois.
“Respeitaremos todos os tratados que já firmamos, mas, com relação aos novos tratados a firmar, teremos uma visão um pouco mais soberana”, adiantou o novo presidente, em sua primeira entrevista coletiva, no Palácio Carondolet. Com os Estados Unidos, onde cursou pós-graduação, ele disse que manterá uma “relação fraterna, de igual para igual”, e que tem certeza de que os americanos entenderão.
Palacio tratou de suavizar as declarações do seu ministro da Economia, Rafael Correa, um professor universitário de tendência esquerdista, que assumiu anunciando mudança de ênfase na política econômica, da preocupação com geração de superávit primário e pagamento da dívida para um aumento dos gastos sociais e investimentos, e ainda a valorização dos investimentos do Estado em detrimento dos investimentos estrangeiros.
“O que o ministro da Economia quer dizer é que, se há recursos suficientes, vamos investir, o que não significa que não haverá investimentos externos”, assegurou o presidente. Os recursos para investimentos do Estado serão retirados de um fundo do petróleo, gerados com o excedente das exportações não previsto no Orçamento. No governo Gutiérrez, esses recursos, da ordem de US$ 400 milhões, iam para o serviço da dívida. O novo presidente disse que pretende reduzir a dependência da receita do petróleo. Segundo ele, sem contar essa receita, a economia equatoriana cresceu menos de 1,7% no ano passado, e não 6,6%, que é o dado oficial incluindo o petróleo, enquanto a população aumentou 2,1%.
Palacio disse também que seu governo levará adiante as negociações do Tratado de Livre Comércio envolvendo Colômbia, Peru e Equador, de um lado, e os Estados Unidos, de outro. “Vamos defender nossos interesses, mas não podemos enterrar a cabeça, como um avestruz.”
O presidente, empossado na quarta-feira pelo Congresso, que declarou “abandono de cargo” enquanto Gutiérrez ainda estava em seu gabinete no palácio, demonstrou também compreensão diante da dúvidas da comunidade internacional quanto à legalidade de seu governo: “A preocupação do mundo inteiro frente ao que aconteceu aqui é lógica. Não é normal que termine o mandato de um presidente antes do prazo.” Ele prometeu facilitar os trabalhos da delegação enviada pela Organização dos Estados Americanos para averiguar as condições nas quais se deu a troca de presidente no Equador.
Palacio disse que poderá ser convocada uma Assembléia Constituinte, mas antes serão realizadas “mesas de diálogo” com a sociedade, para levantar temas para uma consulta popular. Na pauta, poderá estar a mudança do regime, de presidencialista para parlamentarista.