Novo chanceler equatoriano diz que salvo-conduto será concedido ao presidente deposto Lucio Gutiérrez
QUITO – A concessão do asilo político ao presidente destituído Lucio Gutiérrez gerou um impasse diplomático entre o Brasil e o Equador. Apesar das exortações do embaixador Sérgio Florencio, o novo governo equatoriano não havia, até a noite de ontem, concedido salvo-conduto para que Gutiérrez pudesse seguir para o Brasil. Florencio foi ao Palácio Carondolet na noite de quinta-feira tentar convencer o presidente a deixar Gutiérrez ir embora, mas saiu de mãos vazias.
“Estamos continuando as conversações, que ainda não chegaram a um termo”, disse o embaixador, visivelmente abatido. “Essas coisas não se resolvem tão rapidamente como algumas pessoas gostariam.” Antes da reunião, Florencio havia dito a jornalistas brasileiros que trabalhava com um “horizonte” de tempo entre anteontem e ontem para a concessão do salvo-conduto.
O novo ministro de Governo (equivalente ao chefe da Casa Civil), Mauricio Gándara, admitiu que, pela Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático (1954), o Equador estaria obrigado a permitir a saída a são e salvo de Gutiérrez, uma vez que ele obteve o asilo diplomático do Brasil. Já o chanceler Antonio Parra Gil ponderou que pesa uma investigação criminal contra o ex-presidente, aberta pela procuradora-geral interina, Cecilia Armas, que o responsabiliza pela morte de um fotógrafo chileno e ferimentos em dezenas de manifestantes. “É preciso estudar isso com a melhor boa vontade”, argumentou o novo chanceler. “Vamos tomar todo o tempo necessário.”
Gutiérrez está refugiado na residência do embaixador desde a tarde de quarta-feira, quando foi destituído pelo Congresso, depois de uma semana de manifestações em Quito que deixaram dois mortos. Além das denúncias de corrupção e nepotismo, Gutiérrez é acusado de violar a Constituição, por ter dissolvido a Corte Suprema. Sua mulher, a deputada Ximena Bohórquez, e suas duas filhas, de 15 e de 20 anos, também foram beneficiadas pelo asilo, e aguardam em casa para embarcar com o ex-presidente para o Brasil.
O clima é desfavorável para a concessão do salvo-conduto. Os equatorianos já assistiram a dois presidentes fugindo do país depois de serem derrubados em meio a convulsões sociais: Abdalá Bucaram, em 1997, e Jamil Mahuad, em 2000. Não querem ver a história repetir-se. A residência do embaixador brasileiro, uma construção colonial no bairro de classe média alta de La Floresta, continuava ontem vigiada por cerca de cem manifestantes, dispostos a impedir fisicamente a saída de Gutiérrez.
Pela manhã, o empresário Cesar Vallejo estacionou o seu Mercedes-Benz diante do portão da residência do embaixador. Era uma resposta a uma declaração de Gutiérrez, que, no início das manifestações, no dia 13, dissera que um grupo de “foragidos de Mercedes-Benz e BMW” tinha ido perturbar a tranqüilidade de sua família, em frente a sua casa. “Vim buscar esse foragido para levar para a cadeia”, explicou. Vallejo, 54 anos, trabalha com comércio exterior, inclusive com o Brasil, e não acredita que a concessão do asilo vá atrapalhar as relações diplomáticas e comerciais entre os dois países. “O Brasil não tem nada a ver com isso, como país, como economia”, disse o empresário. “Logicamente o Brasil não tinha como lhe negar o pedido.”
Nem todos demonstram tanta compreensão. “Gutiérrez era um bom cliente do Brasil”, diz Hugo Becerra, de 67 anos, aposentado pelo Ministério das Finanças. “Foi por isso que lhe concederam o asilo”, afirma ele, citando contratos com a Petrobrás e com empreiteiras brasileiras. “É uma vergonha que um governo que se diz progressista como o de Lula dê asilo a um sem-vergonha, traidor, corrupto e antidemocrático”, indigna-se Mario Ramos, historiador do Centro Andino de Estudos Estratégicos. “É a antítese do que defende o Partido dos Trabalhadores.”
Para o advogado Cristof Baer, o governo brasileiro se precipitou. “O Brasil se colocou numa situação muito difícil”, disse Baer, de 39 anos. “Agora fica difícil voltar atrás. Mas é o que deveria fazer: reconsiderar sua decisão.” O embaixador tomou a decisão depois de conversar com “colegas” no Itamaraty, mas sem consultar o chanceler Celso Amorim, por exemplo. A decisão foi baseada na tradição brasileira de aceitar esse tipo de pedido, na real ameaça à integridade física de Gutiérrez, segundo sua avaliação, e no desejo de contribuir para a redução das tensões.
“Lucio não é um perseguido político”, contestavam ontem os manifestantes. “Só queremos que ele responda na Justiça pelos crimes que cometeu.” A professora aposentada Germania Escobar, de 64 anos, mandou um recado: “Peça ao presidente Lula que não permita a entrada desse criminoso.” Um dos slogans mais freqüentes com que os manifestantes animam sua vigília na frente da residência é: “Lula, amigo, devolva-nos a mula.”