Traficante morreu em tiroteio com a polícia à tarde; comunidade teme volta do rival ‘Dudu’
RIO – O chefe do tráfico na Rocinha, Luciano Barbosa da Silva, o Lulu, foi morto ontem em confronto com a polícia no alto do morro, numa área conhecida como Terreirão. Ronaldo Araújo da Silva, o Didão, responsável pelos pontos de mototáxi da Rocinha, estava com Lulu e também morreu. Com eles foram encontrados dois fuzis e duas pistolas, segundo a polícia. O confronto ocorreu entre 15 e 16 horas, quando a reportagem ouviu tiroteio intenso no alto da Rocinha. Outros 23 homens, suspeitos de pertencer ao bando de Lulu, foram presos.
A notícia da morte de Lulu se espalhou rapidamente antes de ser confirmada pela polícia, às 17h30 – quando o comércio fechou, em sinal de luto mais ou menos espontâneo. E foi recebida como uma tragédia por moradores da Rocinha ouvidos pelo Estado. Lulu era visto como um benfeitor, um homem moderado que trouxe paz à Rocinha. Em contrapartida, o traficante Eduíno Eustáquio de Araújo, o Dudu, cujo bando invadiu a favela na madrugada de sexta-feira para tentar recuperar seu controle – perdido quando ele foi preso, em 1995 – é tido como um “sanguinário”.
Eram 16h30 quando um comboio da PM desceu lentamente a Estrada da Gávea, que corta o Morro da Rocinha, ligando São Conrado ao Leblon. Policiais com a farda preta do Batalhão de Operações Especiais (Bope) abriam caminho a pé, apontando os fuzis para as construções de alvenaria empilhadas como caixotes dos dois lados da estrada estreita.
Em seguida, Blazers com policiais também fortemente armados escoltavam um ônibus da PM. Sentados no chão do ônibus, estavam os presos, sem camisa e algemados. Todos negros. O ônibus levava ainda cerca de dez policiais. Uma moça, também negra, sentada numa poltrona na frente do ônibus, conversava com alguns deles.
Duas Blazers da PM e policiais do Bope a pé, mirando seus fuzis para o alto do morro, fechavam o comboio. Minutos depois, desceu um blindado. Em algum desses veículos deveria estar o corpo de Lulu.
“É uma má notícia”, reagiram moradores à pergunta do Estado sobre o que significava a morte de Lulu. “Ele representava a estabilidade, a tranqüilidade que tivemos nos últimos dez anos”, disse a pedagoga de uma escolinha infantil. “Com a morte dele, começará uma guerra pelo controle da favela.”
Muitos moradores não escondiam a estima por Lulu. “Ele ajuda a comunidade a resolver os problemas”, disse uma moradora, usando o verbo no presente. “É um homem moderado”, garantiu um taxista.
A iniciativa mais apreciada de Lulu foi a criação de uma “ouvidoria”, que funcionava toda segunda-feira, atendendo moradores que tivessem alguma desavença com um vizinho ou alguma outra queixa. Um “ouvidor” do bando de Lulu – ou o próprio chefe, se o problema fosse muito grave, envolvendo a polícia, por exemplo – intercedia e dava solução. “Nem no Judiciário vi maneira tão tranqüila de resolver as coisas”, elogia um morador da Rocinha que estuda Direito.
Investimento – Além disso, o bando de Lulu lavava dinheiro na favela, impulsionando o comércio e a construção civil da Rocinha, que começa a ter prédios e casas de melhor padrão – a começar pela sua, com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Lulu era sobrinho – e visto como sucessor – de Denir Leandro da Silva, o Dênis da Rocinha, cuja prisão, em 1987, causou protestos de moradores.
Em contraste, Dudu foi preso numa noite em sua casa, depois de ser delatado por moradores. Na disputa entre os dois, a comunidade tende a ver Lulu como pertencente a ela, e Dudu – cuja volta tem o apoio do Comando Vermelho – como alguém de fora. “Por que a polícia não vai atrás do invasor, o Dudu, em vez de perseguir os daqui?”, perguntou uma moradora. “Vai ser um inferno”, disse outro que conhece Dudu desde pequeno. “Não tem meio termo, ele é linha-dura.”
Vários moradores testemunham que, quando comandou o tráfico, na primeira metade dos anos 90, Dudu aterrorizou a comunidade. Além de mortes, há vários casos de estupros atribuídos a ele. “Esse cara não respeita ninguém, ele vai barbarizar”, previu uma moradora. “Todo mundo vai sair daqui. Acaba a associação de moradores, acaba tudo. Já que não dá para não ter traficante na Rocinha, a comunidade prefere ter um que não incomode.”
Depois que Dudu deixou a prisão, em janeiro, um dos boatos que se espalharam na Rocinha foi o de que ele iria matar suas ex-namoradas que, nesses nove anos em que ele esteve preso, ousaram ficar com outros homens e ter filhos.
Dudu foi beneficiado em janeiro pela Justiça com regime semiaberto, para sair da cadeia de manhã e voltar à noite. Surpresa: o traficante não voltou.