Depois de esvaziar a cidade, população espera autorização para voltar
NEW ORLEANS – O Furacão Gustav não causou a devastação que se temia na segunda-feira. Mas calou New Orleans, mais uma vez. É verdade que a cidade do jazz, do blues e do carnaval Mardi Gras nunca mais fora a mesma depois que o Katrina a inundou, há três anos, matando mais de 1.800 pessoas. Mas depois dele a música voltara a ressoar pelo French Quarter, tocada principalmente por negros mas também por brancos pobres, alguns com o talento das grandes estrelas da música americana.
As ruas de New Orleans estão desertas de novo, a não ser pelos policiais e pelos soldados do Exército, que circulam em jipes Humvee. As calçadas estão cobertas de sacos de lixo não recolhidos, detritos de janelas estilhaçadas – as poucas que não foram seladas com tábuas de madeira antes de os moradores partirem em massa -, lascas de troncos e palmas arrancadas das árvores pelo vento de 170 quilômetros por hora. Sobre as calçadas também há colares de contas coloridas, típicas do Mardi Gras, numa mensagem silenciosa dos moradores antes de partir, de que o espírito de New Orleans sobreviveria ao Gustav.
Mas ninguém acreditou tanto nisso quanto Eric Coaen e Adam Spigleman, os donos da lanchonete Mr Chubby’s Cheesesteaks, na Bourbon Street – o único ponto comercial aberto em toda a cidade. “Não fechamos desde sexta-feira”, orgulha-se Barry Coaen, pai de Eric, cujo melhor amigo é casado com uma economista brasileira e vive em Nova York. “Não quisemos ir embora porque a polícia, a Guarda Nacional e o Exército não teriam outro lugar para comer”, explica Barry, apontando para os homens de farda, alguns armados com fuzis, que enchem a lanchonete.
Barry diz que tiveram sorte porque a eletricidade não foi cortada na lanchonete, ao contrário de praticamente toda a cidade. “A tempestade teve que passar nós, e ficou com medo.” A lanchonete serve sanduíches, sucos e daiquiris, entre eles uma mistura de frutas chamada Furacão – uma piada da época do Katrina. Em um cartaz na calçada da lanchonete eles escreveram: “Nunca se renda. Nós não vamos a lugar nenhum. Defenda até o fim.” Por ordem da prefeitura, todos os hotéis estão fechados, com exceção de um Marriott, que abriga os jornalistas.
Traumatizado com os saques ocorridos em 2005, o prefeito de New Orleans, Ray Nigar, mantém a cidade sob toque de recolher. Qualquer pessoa que sair na rua pode ser presa. Os acessos à cidade também estão fechados. Só equipes de emergência, como técnicos da companhia de eletricidade Entergy e soldados do Corpo de Engenharia do Exército, encarregados de desbloquear as vias, além de jornalistas, podem passar pelos bloqueios erguidos nas estradas pela polícia. “Você é um bom repórter?”, perguntou sorrindo um policial, antes de liberar a entrada do Estado.
Moradores de New Orleans e outras cidades com acesso bloqueado fazem filas na estrada, sem poder voltar para casa. “Não devíamos ter saído de nossas casas”, arrependem-se dois homens num posto de gasolina a 80 quilômetros de New Orleans. “Você é jornalista? Leve-nos conosco!”
Para o professor de tênis Mark Harner, de 56 anos, tudo não passa de encenação. À pergunta sobre por que não obedeceu à ordem do governo de retirada obrigatória, seguida por 2 milhões de pessoas na Costa da Louisiana (estima-se que 100 mil ficaram), Harner responde: “Enfrentei o Katrina e sabia que o Gustav era uma embromação política.” Harner, que também tem um amigo tenista no Brasil, explica: “Sou republicano, mas não aceito enganação. A dois meses da eleição, eles fizeram o Gustav parecer muito mais perigoso do que realmente era, para mostrar como a Louisiana resiste bem a um furacão.”
Para provar sua tese, Harner volta-se para a mesa ao lado e pergunta a um policial: “Quantas pessoas foram presas?” Ele responde que apenas duas. “Viu só?”, diz Harner, vitorioso. “Quase não há negros aqui. Antes do furacão eles retiraram todos os negros, que são os que cometem crimes.
E agora fazem esse show patrulhando as ruas, sabendo que nada vai acontecer.”
Lynn Magnuson faz um curso técnico de meteorologia e também ficou, mas não porque sabia que o Gustav seria mais ameno que o anunciado. “Um amigo ia me dar carona para o Tennessee, mas no último minuto foi embora sem me avisar”, explica Lynn, mostrando orgulhosamente o vídeo que fez da inundação e que enviou para a CNN. “Eu disse: deixa pra lá, eu fico”, recorda Lynn, que mora em um trailer, mas mesmo assim nada lhe aconteceu.
Já o músico Kurt Brunus, como quase todo mundo, obedeceu à ordem de retirada, e estava ontem com a família em Atlanta, Geórgia. “Estou contente de ter saído, mas agora quero voltar para casa”, disse Brunus, pelo telefone, confirmando que sua banda, Kurt Brunus Project, apresenta-se no dia 14 de outubro na casa de espetáculos Bourbon Street, em São Paulo. Mas o músico reconhece que, desde o Katrina, New Orleans já não é a mesma. “Muitos músicos não voltaram, e a cidade não recebe mais tantos visitantes.”
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