A rotina de frio e isolamento num cenário fascinante

A paisagem é de outro mundo, mas muitos cientistas se sentem em casa. E voltam todos os anos

 

 

ESTAÇÃO COMANDANTE FERRAZ – O biólogo Carlos Alejandro Echeverría se casou no dia 1.° de fevereiro de 2002. Desde então, não conseguiu passar os aniversários de casamento com sua mulher. Tanto no ano passado quanto neste ano, Echeverría, argentino naturalizado brasileiro, estava na Estação Comandante Ferraz nessa data.

A estação tem telefone, mas os seus moradores só podem ligar a cobrar. Como isso sai caro, Echeverría, de 38 anos, só tem ligado para a mulher uma vez a cada duas semanas. O meio de contato mais freqüente dos cientistas e militares que vivem na Antártida é a internet. O chefe da base, o capitão-de-mar-e-guerra Antônio da Costa Guilherme, conversa com sua mulher, por teleconferência, às quartas e sextas-feiras.

Enquanto Echeverría e outros pesquisadores passam apenas alguns meses por ano na estação, os dez militares vêm em missões de um ano. A de Guilherme já está chegando ao fim. Mas o militar, que está aqui pela quarta vez, não se cansou da Antártida. “Pode escrever aí: eu quero voltar”, diz o capitão-de-mar-e-guerra, de 46 anos, casado, com um filho de 10 anos e uma enteada de 23, no Rio.

O isolamento, o frio, o confinamento e a solidão não apagam o fascínio que a Antártida exerce sobre esses cientistas, que voltam todos os anos para cá, e sobre os militares, que pedem para retornar, depois de longas missões na estação. “Eu me sinto em casa aqui”, diz a oceanógrafa Terezinha Absher, da Universidade Federal do Paraná, veterana da estação, que freqüenta há 12 anos.

“As cores e paisagens daqui são de outro mundo”, enaltece o capitão-de-corveta Alvaristo Dair Jr., de 36 anos, imediato do navio Ary Rongel. “Você vê elefantes marinhos, baleias subindo do seu lado. A Antártida dá serenidade e força.”

“Aqui, o descanso e o trabalho são harmônicos e mais prazerosos”, explica Guilherme. “Você trabalha onde vive, não tem trânsito nem hora marcada, não usa dinheiro, tem liberdade de trabalhar a qualquer hora.”

Entre o fim de outubro e o início de janeiro, praticamente não anoitece na Antártida. O sol se põe e volta em seguida. Quando faz tempo bom, os pesquisadores aproveitam para trabalhar 12 horas por dia. Mas procuram também se disciplinar, indo dormir por volta de meia-noite, 1 hora, apesar da claridade. No verão, o café da manhã é entre 8h e 9h. No inverno, o sol aparece por volta das 11h e vai embora às 14h. Os pesquisadores acordam mais tarde, mas trabalham noite adentro.

Motores a diesel geram energia e mantêm o calor no interior da estação, que dispõe até de um minicentro cirúrgico, com um médico. A comida na estação é a mesma que se come no Brasil: arroz, feijão, frango, salada, tudo congelado. Quando não dá para pousar na base chilena, os aviões da Força Aérea Brasileira lançam suprimentos do ar. O mar tem peixes, mas não dá para comer, por causa da presença de vermes. Os animais marinhos se adaptam melhor ao frio com parasitas em seu organismo.

Parte do esgoto é jogada no mar depois de tratada. Os resíduos sólidos são levados para o Brasil. No inverno, a neve chega a tampar os contêineres que compõem a estação. É preciso cavar túneis na neve para fazer entrar pelas janelas a pouca luz disponível. Nos tetos dos contêineres, há saídas de emergência. A indumentária padrão é macacão, jaqueta, gorro e luvas de nylon azul acolchoado, botas de couro e borracha, cachecol e protetor para os olhos. 


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