Há verba para pesquisas, mas não para manter e ampliar as instalações
ESTAÇÃO COMANDANTE FERRAZ – A missão de pesquisa deste verão foi a menor já enviada à Estação Comandante Ferraz. O motivo é a escassez de recursos para a logística, a cargo da Marinha. A maior parte dos pesquisadores foi embora até a semana passada, quando normalmente a missão acaba em março.
Houve equipes, como a do coordenador de pesquisas do Programa Antártico, Jefferson Simões, com 30 integrantes, que não puderam ir, por falta de transporte. Não havia motos de neve, trenós e outros equipamentos. A previsão é a de que eles sejam comprados este ano e a equipe possa ir completa em novembro. As operações do navio Ary Rongel, que transporta os pesquisadores na Antártida, estão limitadas por falta de recursos para manutenção e combustível.
“Está faltando muito”, reconhece o almirante Roberto de Guimarães Carvalho, comandante da Marinha. A escassez de verbas afeta também a manutenção dos módulos da estação. “Só estamos fazendo manutenção corretiva”, diz o capitão-de-fragata Luizandro Souza, que assume este mês a chefia da estação.
O orçamento anual para logística é de R$ 1,45 milhão. Não sobra dinheiro para manutenção preventiva, que custaria outros R$ 800 mil ao ano.
Ironicamente, a falta de recursos para a logística coincide com um momento de vacas gordas para a pesquisa, graças a um convênio entre o Ministério do Meio Ambiente, que entra com R$ 2,5 milhões, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com R$ 1,5 milhão. “Quando temos dinheiro para uma coisa, falta para a outra”, lamenta Simões.
De acordo com ele, o Brasil precisaria investir mais em seu Programa Antártico para avançar para dentro do continente, com uma segunda estação. Situada no Arquipélago de Shetland do Sul, a Comandante Ferraz fica a 3.100 quilômetros do Pólo Sul.
“Estamos na periferia da Antártida”, observa Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Várias pesquisas importantes são feitas nos arquipélagos e na costa, que é onde se concentra a vida da Antártida. A 50 quilômetros da costa, no continente, já não se encontram mais seres vivos.
Entretanto, há estudos tão ou mais importantes que só podem ser feitos ali. Entre eles, a própria medição do continente, para saber se ele está diminuindo de tamanho com o aquecimento global.
Também está no continente o que Simões chama de “a grande aventura da ciência”: o estudo dos lagos subglaciais, lâminas d’água de cerca de 500 metros, sob uma crosta de até 3.700 metros de gelo. Nessas águas, a temperaturas de cerca de 3ºC negativos, pode haver formas de vida ainda desconhecidas.
Das 36 estações permanentes na Antártida, apenas 9 estão na Ilha Rei George. A maioria – 24 – fica na Península Antártica. Apenas três – uma americana, uma russa e uma franco-alemã – foram montadas no continente.
O Brasil investe entre R$ 15 milhões e R$ 20 milhões ao ano em seu Programa Antártico. Os Estados Unidos lideram o ranking, com US$ 220 milhões, seguidos pela Grã-Bretanha, com US$ 32 milhões.
Mesmo China e Índia estão em melhor posição que o Brasil. A China tem duas estações, uma a 25 quilômetros da brasileira e a outra na península, onde a Índia mantém a sua. “Nosso País não é rico, mas tinha de almejar pelo menos o nível da Índia e da China”, opina Simões.
Todos os programas da Marinha têm sofrido cortes. Os recursos previstos para custeio da Marinha este ano são de R$ 880 milhões, quando o ideal, segundo o almirante Carvalho, seria R$ 1,5 bilhão. O ministro da Defesa recebeu a notícia do contingenciamento de verbas a caminho da Antártida, na quinta-feira. Em 2003, o orcamento aprovado de R$ 4,7 bilhões sofreu contingenciamento de R$ 1,3 bilhão. Para este ano, a previsão era de R$ 4,1 bilhões. “É preciso muita tenacidade para enfrentar momentos difíceis”, diz o ministro.