Liberado das tarefas diárias do Planalto, ele quer fazer andar melhor a máquina do Estado
BRASÍLIA – O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, se dedicará a partir de agora a reformar a máquina administrativa e a melhorar a gestão e o planejamento. Liberado da articulação política, Dirceu antecipa que promoverá mudanças em órgãos como o Incra, o Ibama, a Embrapa e a Funai, entre outros, além de acompanhar de perto o desempenho dos ministérios.
Em entrevista exclusiva ao Estado, na manhã de quinta-feira, no calor da reforma ministerial, Dirceu reconheceu que a coordenação de governo e o acompanhamento da gestão dos ministérios ficou em segundo plano no ano passado. Premido pela necessidade de aprovar as reformas no Congresso, o ministro concentrou suas atenções na articulação política, função que acumulava com a de coordenação do governo.
Dirceu garantiu que não interferirá no trabalho do novo ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo. O ministro lembra que presidiu o PT durante sete anos e, depois de deixar o cargo para José Genoino, não interferiu mais nos assuntos do partido. “É isso que vai acontecer agora”, disse ele. “Vou me concentrar naquilo que quero, gosto e preciso.”
Estado – Depois de um ano tão intenso de relacionamento com o Congresso, o sr. conseguirá se afastar da articulação política?
José Dirceu – Depois que saí da presidência do PT, nunca mais voltei lá. Na última reunião do diretório nacional, eu nem falei. E olha que presidi o PT durante sete anos. Vamos falar francamente: eu não presidi apenas o PT. Dirigi o partido dentro de um projeto de conquistar a Presidência da República. Fui o articulador político do PT. E nunca mais dei opinião. É isso que vai acontecer agora. O Aldo Rebelo vai ser ministro e será o responsável pela articulação política do governo junto ao Congresso, aos prefeitos e governadores. As duas secretarias (de Assuntos Parlamentares e de Assuntos Federativos, antes na Casa Civil) ficarão no gabinete dele. Eu vou ser secretário de assuntos governamentais e jurídicos do País. Vou fazer ação governamental. Vou me concentrar naquilo que quero, gosto e preciso. O governo precisa disso. Eu passo a ser um ministro para dentro do governo, coisa que eu já tinha proposto na metade do ano passado.
Estado – Com a concentração de funções, a coordenação de governo ficou em segundo plano no ano passado.
Dirceu – Eu tinha consciência disso. Mas foi necessário e correto, até pelo papel que eu tinha tido na campanha, no PT, na aliança com os partidos, na relação com o presidente (do Senado, José) Sarney, com o (presidente da Câmara) João Paulo e com as lideranças partidárias. E também a minha relação política com os ministros me permitia fazer a gestão governamental. O primeiro ano, do ponto de vista do governo, foi vitorioso. O governo superou o principal problema, que era o risco da crise econômica, voltou a estabilizar o País, superou o problema das reformas, da governabilidade (política) e da governabilidade administrativa. É preciso ver como nós encontramos o País, cada ministério, como funciona a máquina. Uma das principais tarefas que tenho agora é fazer mudanças no Incra, no Ibama, na Embrapa, na Funai e noutros organismos. O País tem organismos de excelência, como o Banco Central, a Receita, o Itamaraty, as Forças Armadas, a estrutura do Planalto. Mas tem ministério que precisa ser reorganizado, porque não existia mais. Planejamento não existia, ação governamental – as câmaras de governo não funcionavam. Lógico que cada governo opta por funcionar de uma maneira. Mas nosso governo é programático, tem objetivos de reformar a administração do serviço público, de eficiência, de combater a corrupção. Esse é meu papel agora.
Estado – Mas isso implica colocar gente do PT até em níveis de gerência?
Dirceu – Vai ver como a oposição faz nos Estados. Vi o Aécio (Neves, governador de Minas) esses dias criticar que o PT tinha aparelhado o governo. Comecei a rir. Você vai a Minas Gerais… O PSDB está fora do primeiro, segundo, terceiro e quarto escalões do governo de São Paulo, não é? O PSDB é uma freirinha que só fica no convento. Isso é brincadeira. O PT não aparelhou o Estado, nomeou pessoas competentes com a margem de risco, de tranqüilidade e de problemas que tem em qualquer governo. Não tem nada a mais no governo do PT. Pelo contrário. A eficiência melhorou, e muito, na maioria dos setores. Até porque a maioria dos ministérios não funcionava, não tinha políticas, estavam desestruturados. Ministérios como o da Saúde e Educação têm corpo burocrático, políticas públicas, eficiência. Não deixaram de funcionar porque o PT entrou. Não é verdade. Estamos reorganizando os outros ministérios: Minas e Energia, Comunicações, Meio Ambiente. A crise na administração pública brasileira vem desde a década de 80. Passou pelo (ex-presidente Fernando) Collor, pelo Itamar (Franco), ficou nos oito anos do presidente Fernando Henrique. O governo Lula vai ter de enfrentar, de 2004 para 2005, a questão da administração e do serviço público.
Estado – As nomeações de DAS-4 (Direção e Assessoramento Superior) para cima estão passando pelo sr.?
Dirceu – Todas as nomeações passam pela Casa Civil.
Estado – Uma coisa é assinar por necessidade burocrática, outra é intervir na escolha de cada indivíduo.
Dirceu – Todo mundo tem visto quem é, passado a história da pessoa, todos os antecedentes criminais, perfis administrativos. Não pense que uma indicação aqui passa (automaticamente). Às vezes, é a quinta ou sexta que passa. Aqui, temos o mesmo rigor ético que tínhamos quando estávamos na oposição. Este é um governo de corrupção zero no primeiro ano e até este momento. Corrupção governamental; a administrativa, estamos combatendo. Temos a Controladoria, o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público, imprensa, e não somos coniventes. O governo não rouba, não deixa roubar e combate quem rouba. Não há caso nas empresas estatais. Os controles internos estão sendo reorganizados. A Advocacia-Geral da União está sendo reestruturada. O que esse governo já abriu de concurso para reorganizar a Polícia Federal, Saúde, universidades…O governo está reorganizando o serviço público. Por causa da reforma da Previdência, ainda inventaram que estamos contra o serviço público. O que não podemos é aceitar determinados direitos que precisavam ser reformados, como a pessoa se aposentar com 53 anos, com 10 anos no serviço público. Cobramos mais contribuição e diminuímos o número de benefícios, porque é uma maneira de o sistema ser viável. E falamos isso com transparência para a sociedade.
Estado – Vai precisar haver mais reformas na Previdência?
Dirceu – Acredito que você tem de reavaliar a questão tributária e previdenciária de tempos em tempos.
Estado – O que mais muda com a reforma ministerial?
Dirceu – Ela vai dar à área social não só a unificação dos programas sociais agora como a unificação das políticas sociais. Vai reduzir o número de ministérios. Vai dar ao governo mais condições de se debruçar sobre o desenvolvimento e sobre a articulação da política de infra-estrutura. E vai organizar as câmaras de governo, a partir da Casa Civil. A Câmara de Desenvolvimento Econômico será ampliada, incluindo os ministros de Relações Exteriores, Agricultura, Trabalho e Minas e Energia. E vai ganhar um papel importante no governo. A prioridade do governo passa a ser o desenvolvimento, o crescimento, e eu fico liberado para a gestão governamental, que era uma demanda da maioria dos ministros e do próprio presidente. Por que isso é possível? Porque nós consolidamos a relação com os governadores, consolidamos uma secretaria de Assuntos Federativos que tem um comitê de articulação dos municípios. O governo aprovou no Congresso praticamente toda a pauta de reivindicações que os municípios tinham, incluindo o aumento do Fundo de Participação dos Municípios, que todo mundo considerava quase impossível.
Estado – Qual o alcance da aliança com o PMDB?
Dirceu – O governo não está só fazendo uma reforma para incorporar o PMDB. Deixamos falar porque reforma você não pode ficar discutindo publicamente. O governo está sendo reestruturado pelo presidente, primeiro para consolidar a maioria parlamentar, que expressa forças políticas e sociais. A aliança com o PMDB não é só de Parlamento nem de eleições de 2004. Estamos tentando dar a ela um caráter estratégico.
Estado – Ele vem inteiro para essa aliança?
Dirceu – Nenhum partido vem inteiro. O PT não veio inteiro para o governo. Sempre tem os recalcitrantes. Tem gente que não sabe ser governo. Tem um deputado aí que diz que a convocação é uma salsicha. A convocação vai aprovar a Parceria Público-Privada, o Plano Plurianual, a Lei de Biossegurança, o (novo marco regulatório do) setor energético, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) vira autarquia e tem mais uns dez projetos. O Senado vai fazer reforma do Judiciário. Se você olhar o que o Parlamento brasileiro aprovou em 2003 e olhar os do mundo inteiro – eu mandei o presidente Sarney fazer esse estudo comparativo -, você cai de costas.
Estado – Não dava para fazer na sessão ordinária?
Dirceu – Claro que não dava. Tem a PEC (proposta de emenda constitucional) paralela (para a Previdência), que precisamos fazer. Não vai ser fácil aprová-la na Câmara. A maioria da Câmara é contra.
Estado – O que o sr. acha de sua imagem de pragmático e implacável?
Dirceu – Não diria que sou pragmático, diria que sou um político. Você tem de buscar determinados objetivos de acordo com as circunstâncias históricas e a realidade sócioeconômica e política de cada momento. Aprendi rápido com a experiência. Tem gente que demora muito para aprender. Meu pai era janista, da UDN, e eu o vi chorar com a renúncia do Jânio. Vivo a vida política nacional desde 61. Por isso é que sou às vezes duro. Muitos me tomam até como excessivamente duro porque falo as verdades. Temos experiências no Brasil de tentar governar como muitos querem que o presidente governe. Dura seis meses o governo. Geralmente dura menos. Tem gente que subestima as forças contrárias às mudanças. Porque ou partem da idéia de que não estamos querendo fazer mudanças, acreditam no próprio discurso ou na propaganda da oposição, ou não aprenderam as experiências históricas. Procuro sempre ser muito claro e direto quando faço a crítica. Ainda que estou fora dessa arena, não tenho participado do debate político porque meu cargo não permite.
Estado – O sr. acha que se exprimiu bem no episódio do “desagravo” do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh?
Dirceu – Perfeitamente. É só ler meu texto. E não acabou ainda.
Estado – O que mais o sr. vai fazer?
Dirceu – Sobre isso, não falo mais. Mas tem desdobramentos. A sociedade tem forças vivas. Eu acredito na sociedade, nos formadores de opinião pública, na cidadania, na imprensa.
Estado – Acredita?
Dirceu – Acredito. Não tem problema que a imprensa me critique, me ataque. Não fico preocupado. Nem fico abalado porque abro o jornal e tem uma página inteirinha me criticando. Depois vêm as pessoas que defendem, artigos contra e a favor. Somos produto da opinião pública. Não tenho medo da liberdade de imprensa. Ela é sempre mais benéfica que maléfica. Agora, tenho direito de criticar a imprensa e o Ministério Público. Sou cidadão. Não vou me calar. Só se o presidente pedir. Aí, eu fico quieto.