Ministro diz que governo tem espaço democrático para debater, mas quem toma decisão é Lula
BRASÍLIA – O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, admite que haja, no governo, divergências sobre a condução da política econômica. “A nuança que tem no debate são os diferentes interesses e divisões que tem na sociedade e se refletem dentro do governo”, disse Dirceu ao Estado. “Política econômica não é uma ciência. Tem regras, verdades, mas tem decisões políticas, interesses, a conjuntura, as oportunidades e tem evidentemente crenças.”
“Há diferenças e essas coisas são debatidas”, prosseguiu o ministro. “O governo tem espaço democrático para debater. Temos a Câmara de Política Econômica e agora a Câmara de Política de Desenvolvimento, temos espaços interministeriais e tem a coordenação política do governo, que é o espaço onde se expressam as diferenças.” Ao fim do debate, assinala Dirceu, “quem toma a decisão é o presidente”.
Palocci goza da confiança de Lula, renovada pelos bons resultados colhidos em 2003: a enorme turbulência do início do ano deu lugar a bons indicadores no risco país, na venda de títulos da dívida pública, no câmbio e na inflação.
Em conseqüência, no que se refere aos temas polêmicos da política econômica – juros e superávit primário -, Palocci tem tido o respaldo de Lula; embora a pressão dos ministros em favor da redução do superávit primário, de modo a dar-lhes mais folga orçamentária, seja “consentida” pelo presidente, na expressão de um ministro.
Igualmente, a cruzada do vice-presidente José Alencar pela redução drástica dos juros não tem recebido qualquer freio. “Ele entende muito de economia internacional, estuda e acompanha esses assuntos há muito tempo”, elogia o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci. O presidente o chama a opinar e o próprio Palocci já o procurou, para ouvir seus argumentos.
“Todos estão do meu lado, inclusive o Palocci”, diz Alencar. “O problema é que não chegaram ao estágio que cheguei. Minha experiência, nesse particular, é superior à de todos eles”, analisa o vice-presidente, de 72 anos, dono da Coteminas, o segundo maior grupo têxtil do Brasil, com faturamento anual de R$ 1,5 bilhão.
Apesar do debate interno, tanto Dirceu quanto Dulci defendem publicamente a política econômica. Nos debates promovidos com a sociedade civil no ano passado, Dulci ouviu constantemente que era preciso baixar os juros. “Eu explicava que, se fizéssemos isso, estaríamos confundindo desejo e realidade. Temos de criar as bases para isso primeiro.”
“Não podemos aceitar a posição de quem quer que seja de se isentar da responsabilidade pelo superávit”, afirma Dirceu. “O superávit é decisão de governo. Cada um opinou se o superávit deveria ser de 3% ou de 4,25%, se a meta de inflação deveria ser de 5% ou de 6,5%, mas, depois de estabelecida a meta de inflação, todo mundo sabe que tem uma política monetária e uma política fiscal. Se você quer afrouxar na política fiscal, tem de arrochar na política monetária. E vice-versa.”
Palocci tem vencido o debate da política econômica, mas tem perdido no arranjo institucional da economia. Depois de horas de discussões, qualificadas por um assessor de “eletrizantes”, o ministro da Fazenda não conseguiu evitar que Lula trocasse o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), para compensar seu amigo Miro Teixeira pela perda do cargo de ministro das Comunicações.
Dirceu garante que a nova legislação vai garantir “a autonomia financeira e administrativa de que as agências precisam para poder trabalhar”, incluindo um “mandato regular” para seus integrantes – que, na interpretação da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, não estava assegurada em lei. Mas, então, não teria sido um bom sinal para o mercado preservar já o atual mandato? “Ora, um governo que não muda o que pode mudar é um governo que tem medo da própria sombra”, responde.
Pressa – Igualmente, Dirceu demonstra menos pressa que Palocci de regulamentar a autonomia do Banco Central. “Não vamos transformar isso numa guerra, em que o que está a favor da autonomia é um traidor e ser contra é irracional, fundamentalista, jurássico”, defende o ministro, que diz estar lendo o segundo livro técnico a respeito do tema, apesar da falta de tempo. “Aqui no governo, estamos estudando.”
Apesar das eventuais divergências, tanto Palocci quanto Dirceu se mostram ciosos da importância de não melindrar um ao outro. E se mortificam com as notícias que surgem na imprensa de disputas de poder entre eles.
O prestígio de Palocci é crescente. Além do êxito da política econômica, suas maneiras suaves, seu humor e calma inabaláveis conquistam o presidente, que o tornou seu companheiro de caminhada, às 6h30 da manhã, e freqüente convidado para os churrascos no Alvorada. Dirceu é amigo há mais tempo de Lula e antigo parceiro na direção do partido, mas mantém uma relação um pouco mais formal e distante com o presidente.
Ninguém tem dúvidas de que Dirceu é o homem mais poderoso do governo, depois de Lula. “Para falar com o presidente, ele só tem de descer um andar.
Palocci tem de pegar o carro”, ilustra um assessor. Mas a crescente influência do ministro da Fazenda também é notável. Nos últimos dias, a presença constante de Palocci – que em tese não pertence à coordenação política – no gabinete do presidente chegou a incomodar ministros demitidos, que não tiveram chance de falar com Lula a sós.