Governo fará tudo para evitar quebra da Varig, menos dar dinheiro, diz comandante da FAB
BRASÍLIA – A Aeronáutica tem um plano de contingência para o caso de a Varig ou qualquer outra companhia aérea entrar em colapso. Entretanto, o governo fará tudo – a não ser dar dinheiro – para evitar a falência da Varig. Já vem pedindo, por exemplo, “paciência” aos seus credores. É o que afirma o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno.
Em entrevista ao Estado, Bueno garante que a penúria orçamentária não compromete a segurança de vôo no Brasil. O brigadeiro argumenta que a Infraero, que registrou lucro de cerca de R$ 400 milhões no ano passado, precisa continuar cobrando o adicional de 50% de tarifas aeroportuárias, para manter em funcionamento a maioria dos aeroportos.
O brigadeiro, de 62 anos, recém-empossado no comando da Aeronáutica, acha que o controle do espaço aéreo não deve sair das mãos dos militares, mas admite que isso possa ocorrer com o sistema de investigação e prevenção de acidentes, com a criação da Agência Nacional de Aviação Civil. “Para nós, não é interessante ficar com isso”, afirma. “É um encargo extra-força, para o qual nós não recebemos um centavo.”
Estado – A Aeronáutica tem um plano de contingência, em caso de colapso?
Luiz Carlos Bueno – Tem. Para qualquer companhia aérea. A Aeronáutica tem um plano de contingência constantemente atualizado. Sua última atualização é de janeiro deste ano. Ao menor vislumbre de qualquer situação, de falha no atendimento ao usuário, há um recobrimento perfeito nessa área. O público de maneira alguma ficará prejudicado.
Estado – O sr. pode dar uma idéia geral de como seria?
Bueno – Normalmente os locais são atendidos por mais de uma companhia, até estimulando a concorrência entre elas. Caso uma não possa cumprir, a outra assumirá a operação. Mas será feito com todo o cuidado. É possível que, como a companhia que restou terá uma freqüência maior, tenha que acumular mais gente no avião, que é o ideal até, para que não haja falhas. Mas não deixará de ser cumprida a operação.
Estado – No caso da Varig, que é o mais agudo…
Bueno – É o caso mais agudo, porque há interesses, que a gente não sabe onde estão… a gente chega à conclusão até de que há gente torcendo para que a Varig pare. Mas essa não é a intenção do governo. Pelo contrário. O governo tem um interesse imenso – embora seja categórico, e não vai arredar pé, em não injetar recursos para que a Varig se mantenha. Mas há interesse político e serão feitas todas as gestões possíveis junto aos credores para que tenham mais paciência, que renegociem e possam ceder alguma coisa em benefício da Varig, para que se mantenha essa grande companhia nacional que tem mais de 75 anos, e que é reconhecida no mundo todo como a companhia de bandeira (que faz vôos internacionais) nacional. Então, a Petrobrás já fez renegociações com a Varig. O Banco do Brasil vai fazer. Hoje (quinta-feira), estive com o presidente da Infraero (Carlos Wilson), que recebeu do próprio presidente da República um indicativo de que não é para perdoar dívidas, mas para renegociar, dentro das condições que a companhia possa vir a suportar. Há um interesse muito grande de que não se percam 15 mil empregos.
Estado – Uma das coisas de que o mercado se queixa é dos 50% de adicional sobre as tarifas aeroportuárias (Ataero).
Bueno – A Infraero administra 66 aeroportos. Desses, 6 dão lucro. Os outros 60 estão pendurados. E a FAB tem que manter 1.200 aeroportos, além desses da Infraero. São os da Região Amazônica, do Brasil Central, do interior do Nordeste, da Região Sul, do Rio de Janeiro… todos os Estados têm. Nesses aeroportos, temos de ter combate ao incêndio, fornecer todos os dados meteorológicos, manter as pistas em condições – é obrigação nossa. Daí que esse recurso é necessário. Os passageiros do Rio, Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, praticamente têm que financiar o resto do Brasil. Agora é que no Nordeste – Recife, Natal e Fortaleza – estão despontando aeroportos superavitários. Mas a Força Aérea tem que manter todos os outros. Pelo fato de receber essa parcela, a Infraero é superavitária…
Estado – … em R$ 400 milhões. Não seria hora de rever essa cobrança?
Bueno – Ela está estudando a possibilidade de diferenciar tarifas para aeroportos, para horários de pico, que seriam mais elevados.
Estado – Temos aeroportos seguros nas grandes cidades, mas, nas cidades menores, é possível entrar no avião com o que quiser na bolsa, não é?
Bueno – Pode ser que atualmente ainda seja assim. Mas a Infraero se comprometeu a observar exatamente todas as recomendações do DAC quanto a segurança. Isso foi pedido e a Infraero e a Polícia Federal estão providenciando.
Estado – O mercado se queixa do contingenciamento da parcela do dinheiro pago nas passagens aéreas que deveria ser destinada ao controle de vôo.
Bueno – Isso é problema do governo. Porém, posso lhe assegurar que, toda vez que nós fazemos um pleito mostrando que há possibilidade de haver um problema no controle de vôo por causa desse contingenciamento, imediatamente o governo tem liberado aquilo que nós reivindicamos, mostrando os perigos que poderão advir.
Estado – A regra de que na aviação tudo (todo equipamento) deve ser em dobro tem deixado de ser obedecida?
Bueno – De maneira alguma. Tanto é que, há uns seis meses, um radar estava em manutenção e pifou a sua cobertura, o que mostra que sempre há cobertura. Porém, ocorreu a lei de Murphy: quando um estava para quebrar, o outro também quebrou. A gente não tem três. Não somos ricos a esse ponto, mas temos sempre um fazendo a cobertura do outro.
Estado – O Sindicato Nacional dos Aeronautas diz que tem encaminhado ao DAC centenas de denúncias detalhadas sobre violações, pelas companhias, das normas sobre número de horas de vôo e manutenção dos aviões, e nunca recebeu resposta nem houve punição.
Bueno – Temos sido absolutamente rígidos quanto à situação das aeronaves e da segurança de vôo. Quanto aos tripulantes, não posso garantir, porque acho que isso é questão de administração interna da companhia. Alguém, às vezes por necessidade de cobertura do companheiro que não vai, pode ser solicitado a passar do número de horas. Mas o principal fiscal é a própria tripulação, que se recusa.
Estado – O sr. acha que a tendência é passar o controle de vôo para um órgão autônomo, com a participação também dos outros setores interessados?
Bueno – Há cerca de 30 anos, os pilotos americanos para voar no Brasil recebiam um porcentual de periculosidade porque o País estava na categoria 2 no controle de segurança do espaço aéreo. Hoje, nós nos ombreamos com a Europa e os Estados Unidos em qualidade. Há uma fiscalização permanente da Oaci (Organização de Aviação Civil Internacional) aqui no Brasil e há pouco até a FAA (Federal Aviation Administration, dos EUA) pediu autorização para vir ver e constatou que a nossa qualidade de controle é absolutamente correta, da maior segurança. Não há motivo para que a gente vá mesclar ou passar (para outro órgão) uma entidade que tem 60 anos, só com elogios, e que tem vários civis. O que tem a ver a aviação civil com controle de espaço aéreo? Por que a empresa aérea iria participar de controle de vôo?
Estado – E a investigação e prevenção de acidentes de vôo?
Bueno – Também não vejo motivo nenhum para o Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos) passar para outro órgão. Eu acho que ele vai ter de passar realmente, na hora em que criarem a Agência Nacional de Aviação Civil. Vai levar muito tempo para aprenderem, porque não se forma da noite para o dia um técnico com essa especialidade, que às vezes leva 20 anos sendo treinado, para passar a ser head (chefe) de um grupo.
Estado – Mas vai haver um processo gradual de transição…
Bueno – Deverá haver, dependendo do interesse da agência. Para nós, não é interessante ficar com isso. É um encargo extra-força, para o qual nós não recebemos um centavo. Mas temos necessidade, temos obrigação – por termos o conhecimento – de nos envolvermos nisso.
Estado – O que o sr. acha da idéia de abrir o céu brasileiro para qualquer companhia estrangeira que quiser operar no mercado doméstico?
Bueno – Essa política, instituída pelo presidente Ronald Reagan nos Estados Unidos, trouxe companhias como a Pan Am e a Braniff à falência. É suicídio coletivo. É bom para quem tem muito dinheiro, para os EUA, só para quem pode bancar. O grande mata o pequeno e maior fica. Não é competição salutar. A melhor coisa no controle dos nossos vôos internacionais são as partidas duplas (reciprocidade entre os dois países nas concessões de vôos). Aquilo a que um tem direito, o outro também tem. Se não, os maiores acabam com os menores. Por isso é importante o controle por um órgão central.