Terrorismo preocupa mais os americanos do que a economia, que decidiu as votações nas últimas quatro décadas
WASHINGTON – Em 1992, o candidato democrata Bill Clinton derrotou o então presidente George H. Bush inspirado numa regra prática, cunhada por sua assessoria: “É a economia, estúpido!” Com sua vitória, Clinton comprovou um preceito da política americana das últimas quatro décadas, segundo o qual política externa não elegia ninguém. O bolso era a parte mais sensível da anatomia humana também na hora de votar.
Bush pai vinha de conduzir os Estados Unidos rumo ao que ele chamou de uma nova ordem mundial, na qual o país se firmava como única superpotência. De quebra, acabava de liderar uma coalizão inédita de 30 países, incluindo árabes, para expulsar os iraquianos do Kuwait, lançando em seguida um ambicioso processo de paz no Oriente Médio, que prometia mudar o mapa da região. Nada disso foi suficiente para impressionar o eleitor americano, que preferiu garantir estabilidade econômica e benefícios sociais oferecidos por Clinton.
Doze anos depois, o filho de Bush lidera uma corrida presidencial ancorado exatamente no tema que levou o pai à derrota. George W. Bush pode até perder a eleição – não é o que indicam as pesquisas –, mas, desta vez, não será por desinteresse dos eleitores americanos na política externa.
O tema domina a agenda da eleição.
“A economia é uma prioridade quando há paz”, disse ao Estado Clifford May, presidente da Fundação para a Defesa das Democracias, criada depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. “Quando as pessoas não sabem se estarão vivas”, analisa May, questões como emprego e poder de compra ficam em segundo plano. “As pessoas que executaram aquele ataque gostariam de repeti-lo muitas vezes”, assinala May. O fato de não terem conseguido até agora é o trunfo indisputável de Bush.
O 11 de Setembro e a “guerra ao terror” que se seguiu transformaram a política externa numa questão de segurança interna e, nesse sentido, num tema doméstico.
Desde 1964 as eleições americanas eram norteadas pelos temas econômicos, recorda o analista político Jerry Hagstrom, editor do National Journal. A de 1960 também foi dominada pela política externa, no calor da Revolução Cubana (1959) e do recrudescimento do regime comunista chinês. Para Hagstrom, a eleição será decidida pela conclusão a que os americanos chegarem sobre se a ocupação do Iraque é ou não um capítulo da guerra contra o terrorismo. Se a resposta for positiva, Bush terá vencido o referendo sobre seu governo.
Mesmo aqueles que não gostariam que a “guerra ao terror” assumisse papel tão decisivo na eleição presidencial parecem sentir-se arrastados para esse debate. “Bush fez com que essa eleição se realizasse sob o signo do medo, e tem ganhado dessa maneira o apoio das mulheres”, observa Mary Champagne, de 50 anos, que trabalha na Câmara de Comércio. “O terrorismo é algo com o qual teremos de conviver para o resto da vida. Mas não deveríamos votar por medo.”
“Ninguém está falando sobre as coisas que realmente importam, como desemprego, pobreza e falta de moradia”, protesta Daate Smith, um negro de 21 anos que acaba de sair da prisão, por envolvimento com drogas, e diz que não consegue arranjar trabalho. “Não me preocupo tanto com o que acontece noutros países. Acho que está sendo colocada energia demais lá fora.”
“Não entendo por que John Kerry não impôs a economia como o tema dessa eleição”, estranha David Pratt, de 22 anos, estudante de administração na Universidade George Washington. “Porque não se pode escolher o rumo do debate”, responde Kristy Stetsoro, de 21, que estuda jornalismo na mesma universidade.
“Ando no metrô com medo, porque acho que é um alvo fácil demais”, conta Kristy, que evita pegar os trens nos horários de pico. “Não quero viver com medo”, rebate seu amigo David. “Eu também não, mas quero tomar decisões inteligentes”, contesta Kristy. Os dois acham que a escolha, que eles ainda não fizeram, é “qual dos candidatos é menos estúpido”.
Mary Champagne também não se sente representada nem por Bush nem por Kerry e não sabe o que fará quando chegar o dia da eleição. “Eu não votaria em Bush, por causa do Iraque”, diz ela. Já Kerry é “liberal demais” para Mary, em todas as esferas. “Eu preferiria alguém mais de centro.”
“Na maioria das eleições, a escolha é entre dois males”, pondera Hagstrom. “Os americanos votam não porque amem o presidente ou o candidato da oposição, mas porque tem de haver eleição.” O incomum, diz ele, é os membros de um partido se entusiasmarem tão pouco numa campanha de reeleição, como no caso dos republicanos. Kerry, de sua parte, também não tem extasiado os democratas.
Nem mesmo um tema normalmente tão caro aos eleitores como impostos tem sido capaz de mobilizá-los. Mary diz que foi beneficiada pelo corte de impostos efetuado pelo presidente, mas mesmo assim foi contra, especialmente depois do 11/9, quando os gastos do governo aumentaram para enfrentar os problemas de segurança e sociais. “Bush está levando o país de volta para a situação de explosão do déficit público que vivemos com Ronald Reagan (1981-88)”, observa ela. “E isso é muito assustador.”
O etíope naturalizado americano Yuri Tadesse, de convicções democratas, que tem um escritório de lobby em comércio exterior, contabiliza prejuízos. Segundo ele, os países árabes exportadores de petróleo “diminuíram dramaticamente seus investimentos” nos EUA. “O dinheiro deles está indo para a China.”
Dois funcionários do governo se dizem preocupados com as conseqüências da política de Bush sobre as relações dos EUA com outros países. Segundo os dois, que trabalham em projetos de fomento no Oriente Médio, os outros países doadores têm perdido a disposição de cooperar com os EUA. “Isso afeta o nosso trabalho”, disseram os funcionários, que pediram para não serem identificados.
“Depois do 11/9, mais de 200 países passaram a cooperar com os Estados Unidos”, lembram eles. “Quando fomos para o Afeganistão, a comunidade internacional ficou do nosso lado. O governo perdeu isso no Iraque.” Até decidirem o que fazer com o Iraque, os americanos não terão muito tempo para pensar no seu próprio país.
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